Almir Côrtes e João Paulo Amaral apresentam Cordal e promovem oficina Cordas Dedilhadas em Sampa

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Há um filme da carreira de Clint Eastwood na qual ele transforma-se em “outlaw”, Josey Wales, que abandona um sítio perdido do bucólico meio-oeste norte americano, logo após o final da Guerra Civil, e sai caçando os assassinos de sua mulher e do seu filho, gente muito má que acabou com a vida frugal que eles levavam. Um dos que estão na lista do agora implacável pistoleiro é um traíra que, em determinado momento da trama, participa de uma conversa durante a qual alguém do bando afirma ter ouvido falarem que Wales estaria morto. O agora desafeto marcado para morrer, antes amigo, então, saca ligeiro. E dispara: “Não quero ouvir falar que Josey Wales está morto: quero é vê-lo morto!”

Guardadas as devidas proporções e adaptada para as circunstâncias nas quais iremos apresentá-los, é claro, cara-pálida, a tirada do bandido vale para os jovens músicos Almir Côrtes (Santo Antônio de Jesus/BA) e João Paulo Amaral (Moji das Cruzes/SP), atualmente residente em Campinas, no interior de São Paulo: não se contente em ouvir falar que ambos tocam para caramba, vá vê-los tocar! E não se espante se, ao final do show, você entender que no palco a dupla parecia apenas brincar com os instrumentos e um com o outro, como dois guris disputando uma peleja de bolinhas de gudes na qual, a cada novo lance, o adversário, desafiado, precisa superar o oponente, tentar a todo custo arremessos mirabolantes que contradigam a Física ou superem qualquer obstáculo ou distâncias para acertar  a bulica da vez e não ficar por baixo, sem responder à provocação.

O Barulho d’água Música acompanhou Almir Côrtes e João Paulo Amaral na noite de segunda-feira, 29 de junho, quando ambos ocuparam o palco do Teatro Anchieta, do Sesc Consolação (SP). Eram os convidados de Patrícia Palumbo para mais uma edição do Instrumental Sesc Brasil para apresentarem, diante de uma plateia cheia, o álbum Cordal, que eles lançaram em 2014. Ao invés de bolinhas nos respectivos embornais (pode ser que as esferas estivessem escondidinhas em cada bojo), trouxeram violas caipiras, violão, guitarra acústica e bandolim. Com estes instrumentos, ora combinando viola com violão, acolá viola com bandolim,  em outra “mão” viola com viola, mais adiante com estecadas da guitarra contra a viola ou o violão, levaram o público por um passeio que se estendeu das feiras nordestinas e de vilas do sertão baiano às fronteiras com o Paraguai e cidades pantaneiras, com escalas nas barrocas ruas de Minas e esticadas aos bares do Clube da Esquina.

Cordal é o nome da peça que afirma as cordas, por exemplo, de uma viola. Ou conforme o sentido mais abstrato definido com rara felicidade por Côrtes é, ainda, uma plantação de cordas. O disco, produzido em 2014 pelo ex-Anima Ricardo Matsuda — que fez, de quebra, o arranjo para a releitura como Cantiga Encordoada de Toada (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho) —  é um diamante de sonoridades múltiplas como bossa nova, baião, choro, maxixe, valsa, flamenco, música clássica, samba, prelúdios, batuque, ponteio, polca, moda pantaneira, rock rural; tem pegada, gol de pelada, borogodó, pimenta, cravo, canela, macumba, pinga. Nada mais apropriado, entre as 10 faixas escolhidas para o repertório, a última, descrita como sendo um Choro Caipira, chama-se… Brincando com a Viola (uma das joias do caderno de Bambico, em parceria com Zé Béttio)!

 

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“Num país onde imperam as cordas vocais eis aqui um disco que tem a coragem de apresentar muitas cordas, nenhuma vinda da garganta”, escreveu Maria Luiza Kfouri no texto que acompanha o encarte. “Nas muitas cordas tocadas por Almir e João Paulo revela-se um Brasil que, pelas mãos deles –  e de outros tantos grandes músicos como eles –, resiste firme e forte à vulgarização que o dito ‘mercado’ e a dita ‘grande mídia’ tenta nos impor”, prossegue a autora.

O disco é, de fato, grata constatação de que nossa diversidade musical ainda não está atirada à campa, de que há músicos que peleiam contra os moinhos que sopram ventos sem identidade. Há uma linhagem altiva que, sem abrir mão da qualidade, dos estudos e das tradições, empunha laços e, com vários sotaques, contra-ataca munida de arpejos, rasqueados, arranjos e afinações que ferem (pena que ainda que não seja de morte!) a mesmice e a farolagem que caracterizam a preguiça e a conveniência da indústria do entretenimento. “Ouvir Cordal é viajar por todos os recantos deste país e redescobrir em cada um deles a beleza, a sofisticação, a simplicidade e a grandeza de sua diversidade musical”, golpe seco de punhal, ataca mais uma vez MLK.

“Procuramos fazer um disco que, além de conter músicas que compomos e de autores dos quais gostamos, atendesse ao desafio de contemplar e de   combinar todos os instrumentos de corda que queríamos utilizar e, por fim, permitisse apresentar um pouco deste mosaico de sonoridades que se ouve país afora”, disse João Paulo Amaral, que além da parceria com Côrtes, é regente da Orquestra Filarmônica de Violas, de Campinas, e integrante do trio Conversa Ribeira. A exemplo do companheiro, Amaral ainda está na casa dos 30 anos, mas como o baiano que se aprimorou na San Francisco State University,  já percorreu um longo caminho;  juntos, desde 2005, eles já gravaram e lançaram (sem contar a participação em outros trabalhos, observa Maria Luiza) nove CDs, seis dos quais instrumentais.  

Além dos já citados Bambico e Zé Béttio e dos músicos do Boca Livre, o repertório de Cordal traz clássicos de Honorino Lopes, de Almir Sater e Paulo Simões, e de Nelson Ângelo; Côrtes assina Verdejar e Na Pegada Amaral a abre-alas Ecoa e Valsa Partida, e ambos, Sotaques, uma Prosa do Interior na qual por alguns segundos deixam as cordas de lado e utilizam as mãos e os dedos para percutirem os tampos e os braços dos instrumentos. Se alguém durante uma audição de ambos logo após esta ou outra proeza escutar um súbito trovão, que esteja prevenido: virá chuva, na certa, e não será passageira!

Cordas Dedilhadas

Neste sábado, 4 de julho, das 14 às 17 horas, Almir Côrtes e João Paulo Amaral estarão de volta ao Sesc da Consolação para ministrarem a oficina Cordas Dedilhadas, durante a qual contarão como combinaram bandolim, viola caipira, violão e guitarra acústica para criarem o álbum Cordal. Ambos demonstrarão técnicas de arranjos, improvisações, uso de elementos harmônicos e melódicos, ritmos brasileiros, entre outros. A atividade tem vagas limitadas que já estão abertas e transcorrerá no Centro de Música, que fica no 1º andar.

Jaques Morelenbaum

A atração do Instrumental Sesc Brasil na segunda-feira, 6 de junho, a partir das 19 horas, será o show de lançamento de Saudade do Futuro Futuro da Saudade, com Jaques Morelenbaum (violoncelos), Lula Galvão (violão) e Rafael Barata (bateria e percussão). Ingresso distribuído uma hora antes da liberação do Teatro.

O Sesc Consolação fica na Rua Doutor Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, e tem o telefone 11 3234-3000.

 

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