A Biblioteca Mário de Andrade, situada em São Paulo, acolheu o projeto Imagens do Brasil Profundo, que tem curadoria do professor de Sociologia Jair Marcatti e cujo objetivo é trazer à tona um país mais interior. Quinzenalmente às quartas-feiras, a partir das 20 horas e com entrada franca, Jair Marcatti recebe convidados que tratam a cada nova rodada de aspectos das diversas culturas regionais do Brasil, desvendados em shows, bate-papos musicais, debates e palestras. Nesta quarta-feira, 7 de outubro, o palco do auditório estará reservado a um debate com Renata Mattar e Magda Pucci.
Renata Mattar é formada em canto lírico pela faculdade Santa Marcelina, foi diretora musical das apresentações Romeu e Julieta e Auto do Rico Avarento, ambas do grupo Romançal de teatro, formado por Ariano Suassuna, e de Auto da Paixão, de Romero de Andrade Lima. Como cantora e acordeonista, fez parte do grupo As Orquídeas do Brasil, de Itamar Assumpção, além das apresentações A Vida É Sonho, de Gabriel Villela e Palavra Cantada, de Antonio Nóbrega, com quem trabalhou por cinco anos. Atualmente, com o músico Gustavo Finkler está à frente da Companhia Cabelo de Maria, fundada em 2007.
Inicialmente, a proposta da Companhia Cabelo de Maria era fazer um espetáculo com o vasto material recolhido por Renata Mattar em mais de 10 anos de pesquisa pelo Brasil registrando cantos de trabalho — manifestações de comunidades que trabalham em mutirão cantando ou que alguma vez tivessem cantado no trabalho coletivo e ainda lembrassem daquelas cantigas. No mesmo ano, apresentou o espetáculo na unidade Pinheiros e surgiu um convite do Sesc para que a gravação do primeiro álbum com aquelas canções, lançado em dezembro de 2007. As faixas têm participação das destaladeiras de fumo de Arapiraca (SE) e trouxeram ao grupo reconhecimento do público e da crítica especializada.
As cantigas recolhidas vêm das destaladeiras de fumo de Arapiraca, das descascadeiras de mandioca de Porto Real do Colégio (AL), das plantadeiras de arroz de Propriá (SE), da farinhada da comunidade de Barrocas (BA), da colheita de cacau de Xique-Xique (BA), da bata do feijão de Serrinha (BA) e das fiandeiras de algodão do Vale do Jequitinhonha (MG). Musicalmente, os arranjos privilegiam o formato acústico, passeando por uma variada gama de estilos e ritmos regionais brasileiros. As vozes femininas vêm em primeiro plano, auxiliadas pelos cantos e contracantos do violão, da viola caipira e do violino. A percussão é feita com instrumentos convencionais e com os próprios objetos utilizados na lida.
Em 2009 a gravadora Pôr do Som convidou a Companhia Cabelo de Maria para gravar outro disco, com canções do período junino e dedicado ao público infantil: São João do Carneirinho. Esta obra reúne 18 canções com repertório cheio de brincadeiras que convidam o público a participar cantando e fazendo várias atividades, simultaneamente à celebração do período junino, quando se agradecem as colheitas realizadas e se acendem as fogueiras fazendo pedidos para o próximo ano. Coco, xote, baião, marchinhas, formam a riqueza e a variedade de ritmos para alegrar a garotada em São João do Carneirinho e ainda homenageiam Luiz Gonzaga, o eterno rei do baião, que que tantas canções de São João compôs. O espetáculo foi contemplado pelo projeto Rumos – Itaú Cultural e gravou o seu DVD no mês de julho de 2011.
Magda Pucci é diretora musical do grupo Mawaca, etnomusicóloga, cantora, arranjadora e compositora. Formada em Regência pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), é mestre em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Depois de oito anos na Europa, atualmente mora em São Paulo e trabalha com ilustração e design gráfico, além de projetos de animação e vídeo.
Magda Pucci publicou entre outros livros no mais recente março A Floresta Canta, com Berenice de Almeida, obra infantil multimídia sobre o universo musical indígena que destaca para os pequenos viajantes que a vida indígena vai além das imagens estereotipadas dos livros didáticos, as quais reduzem os índios brasileiros a moradores selvagens de ocas em matas distantes que realizam tarefas como caçar e pescar. Índio gosta também é de fazer som inspirado nos barulhos que vêm da floresta. E, na hora de fazer música, vale tudo: casco de tracajá, maraca feita com coco e até crânio de macaco que vira chocalho.
O Mawaca está junto há 17 anos para promover pesquisas e recriação da música das mais diversificadas partes do globo. É formado por um grupo vocal que interpreta canções em mais de quinze línguas e as cantoras são acompanhadas por um coletivo instrumental acústico de acordeom, violoncelo, flauta e sax soprano, contrabaixo, além dos instrumentos de percussão como tablas indianas, derbak árabe, djembé africano, berimbau, vibrafone, pandeirões do Maranhão.
O repertório do Mawaca é formado por músicas de tradições díspares como a japonesa e a irlandesa; de países tão distantes entre si como Finlândia e Japão, África Central e Indonésia, regiões diferentes como Oriente Médio e Península Ibérica. São temas ancestrais que possibilitam a pesquisa de sonoridades múltiplas revelando as características étnicas locais buscando sempre estabelecer inter-relações com a música brasileira.
Com arranjos inovadores e criativos, o Mawaca apresenta uma musica vibrante, joias do repertório mundial que foram transmitidas de geração em geração pela tradição oral. As transcrições e arranjos desses temas ancestrais são realizados por Magda Pucci, que além de desenvolver a pesquisa de repertório, é também responsável pela direção musical do grupo.
Nos quase 20 anos de estrada, o Mawaca produziu sete álbuns e três DVDs; o mais recente o CD-DVD Inquilinos do Mundo, focado nas músicas dos povos ciganos, nômades, migrantes, exilados e refugiados. Magda Pucci explica que a palavra “mawaca” é hauçá, língua dos africanos muçulmanos do norte da Nigéria, e significa “cantores que evocam por meio da palavra o poder dos espíritos”. “Por coincidência, depois descobri que esse mesmo som, em outras culturas, escrito com outras grafias, às vezes com “hu”, com “c” ou “k”, significa algo parecido. O ideograma japonês relacionado com esse som representa ‘o espaço para o canto sagrado’. Esses significados têm a ver um pouco com o que o Mawaca faz, porque a gente canta várias músicas muito antigas, que passaram de geração a geração pela tradição oral e remetem a essa força de transmissão de sabedoria.”