692 – Ah, nenhuma palavra: Diana Pequeno!

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Há um haicai no qual o autor demonstra o entusiasmo que o assalta e o leva quase ao transe de tão extasiado que fica ao se deparar com flores de cerejeiras enfeitando as trilhas que percorre rumo ao Monte Fuji, no Japão.  A exuberância e a delicadeza das sakuras ao longo da senda o alegram tanto que ele apenas consegue (em uma tradução minha muito, muito livre e com apelo ao estatuto da licença poética!) balbuciar algo parecido com “Ah, nenhuma palavra: Monte Fuji em flor!”. Na noite da sexta-feira, 16, o Barulho d’água Música acompanhou a apresentação de Diana Pequeno no Sesc Belenzinho (SP) e desde então — portanto já há dois dias! –, tal qual o haijin que percorria as trilhas que o levaram à montanha não encontra palavras que possam descrever e relatar o que presenciou e curtiu por quase duas mágicas horas. E tamanha é a exultação e o prazer por tê-la (re) visto que quase 48 horas depois, a memória, esta bandida ainda banhada pelas lembranças dela no palco, nem o nome do autor do poema consegue nos trazer à tona.

Natural de Salvador (BA), a iluminada cantora realmente é de pia Diana Pequeno — portanto, o nome que a consagrou egressa de festivais no meio artístico é o próprio. De cara dá para dizer algo sobre esta escolha: Diana Pequeno tem tanta personalidade, tanto carisma e é tão vibrante que, pelo jeito, sabia: ninguém jamais se perderia pelo nome dela, que seria aparentemente impróprio, pois apesar de evocar algo diminuto, o público a veneraria como a estrela de fulgurante brilho em que se tornou e continua a ser sem jamais recorrer a apelos desde o final da década dos anos 1970. A artista, enfim, resolveu ser ela mesma integralmente nesta trajetória, sem jogadas de marketing, escorada apenas nos recursos da voz e de sua beleza morena; em que pese sua condição litorânea de soteropolitana, amparada na brejeirice nata, dispensando qualquer subterfúgio para a construção da carreira e da imagem. Trajes brancos como uma típica baiana ou, colocados sobre um vestido colorido, no máximo, como adereços, um colar de contas, um véu às costas, uma flor no cabelo: de fato, ela nunca precisou de mais nada!

Diana Pequeno é tão autêntica no que e quando canta que nem mesmo tem medo de errar: quando vacila não disfarça, assume! Errou três vezes no Sesc Belenzinho a letra de uma canção consagrada que há anos interpreta e, em todas, voltou ao começo da música. Ou melhor, tentou: apesar de experiente, estava emocionada e como não conseguia, recorreu à plateia. Mas como ainda assim não engrenava, aceitou prosseguir lendo a letra escrita no encarte de um bolachão Eterno como Areia, álbum que um admirador tinha às mãos. Ganhou uma demorada e calorosa sessão de aplausos! 

Foi lindo: daquele momento em diante, Diana Pequeno cresceu, dominou tudo, pôs o palco na palma da mão, arrasou, cantou como sempre fez, encantando com músicas nas quais traz a própria história. Brincou, conversou com os fãs e marcou a noite não apenas recordando os maiores sucessos como Este mar vai dar na Bahia, Facho de Fogo, Travessei Moreno, Engenho de Flores, Diverdade, Blowin’In the Wind, Camaleão (durante a qual segurava e brincava com uma réplica de pano do réptil): linda, leve, solta e confiante, Diana também dançou, tocou pandeiro e interpretou com sensibilidade entre outras Campo Branco (Elomar), Cuitelinho (recolhida por Paulo Vanzolini), Trem do Pantanal (Geraldo Roca e Paulo Simões), Gracias a la vida (Violeta Parra)  e Teu sonho não acabou (Taigura); ainda mais do que em outros momentos e versos, tal quando entoou “… eu preciso, eu preciso de você...” ou “… quem não soube a sombra, não sabe  a luz”…, veio do âmago em Diverdade, de Chico Maranhão, “viverei cantando e cantarei em quanto a voz cantar em mim/enquanto voz tiver, enquanto for assim”.

A entonação firme e aguda justamente neste momento pode ter sido um desabafo, quem sabe um recado: estarei sempre por aqui e enquanto o mar não desfizer a montanha, não descanso ou porei o burro descansando à sombra ou à areia. A impressão que ficou: o show do Sesc Belenzinho, produzido por Lu Malheiros e Noel Andrade, da Charrua Charrua Produções, atravessará o tempo e se perpetuará para ser lembrado daqui a muitos anos como ainda hoje são recordadas as cantorias da série da Funarte, promovidas na década dos anos 1980 com Elomar, Geraldo Azevedo, Xangai e Vital Faria — assim como um antológico haicai que, embora estruturalmente simples e retrato fugaz de um momento, sempre supera a impermanência que encerra.

Diana Pequeno merece ser tratada eternamente como (um) bem: embora a tenha em intensas porções, a cantora não é fugaz como luz ou facho de fogo, embora até sugira ter a mesma fragilidade das flores da cerejeira, oferece um generoso colo, um regato no qual podemos nos banhar e lavar a alma mergulhando em um repertório primoroso que mesclando baladas românticas a composições com influências medievais, orientais e afro-brasileiras revisita e valoriza grandes nomes de nosso cancioneiro. Quantos anos pode um povo viver sem conhecer sua verdadeira cultura?

Que não percamos mais tempo, que fique em um grande cartaz este aviso: Diana pode não ser uma deusa na terra, posto ser mortal, mas tem tudo para ser eterna; terna, tende e merecerá ser infinita e adorada não apenas enquanto dure; está à altura de Dalva de Oliveira, de Dolores Duran ou de Elis Regina; é tão notável quanto Carmem Miranda e Ângela Maria; divina como Elizeth Cardoso; enriquece o cenário atual no qual fez muita falta enquanto esteve “ausente” (por sorte contamos com Katya Teixeira, Consuelo de Paula, Socorro Lira e Déa Trancoso, entre outras, para suportar o tranco da saudade e preencher o vácuo) e pode, embora tenha seu próprio nome e méritos, sim, ser tratada por Joana Baez ou Carole King de Pindorama, por que não?. As duas, Joan e Carole, com certeza se sentem honradas com a comparação.  A benção, Diana Pequeno. E gracias, vida!

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