Ganhador de importantes prêmios, entre os quais o primeiro Syngenta de Música de Viola, em 2004, o violeiro e violonista Sidnei de Oliveira esteve na noite de quarta-feira, 4, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, onde tocou e cantou músicas de sua autoria, além de Um violeiro toca, de Almir Sater. Sidnei de Oliveira ocupou o palco como convidado do professor de Sociologia Jair Marcatti, curador do projeto Imagens do Brasil Profundo e escolheu encerrar a apresentação oferecendo a música de Almir Sater à plateia na qual se encontravam a esposa Lenara Abreu, amigos e alunos porque o mato-grossense é sua maior inspiração para se dedicar ao instrumento de dez cordas com o qual, mais do que ritmos do universo caipira, executa variados estilos que vão da canção nordestina ao chamamé, enriquecendo seus concertos com sonoridades que mesclam popular e erudito, tudo com competência, delicadeza e refinada excelência.
Sidnei de Oliveira é natural de São Francisco de Paula (RS), e depois de passar por Ribeirão Preto, cidade do interior paulista na qual começou a formação em Filosofia que já inclui mestrado e um doutoramento prestes a ser concluído estudando entre outros Nietzsche e Schopenhauer , fixou-se em São Paulo. Ainda no Rio Grande do Sul, descobrira assistindo à novela Pantanal Almir Sater e resolveu, então, conhecer melhor a viola caipira — fazendo par com Sergio Reis, Almir Sater embelezava os capítulos da trama de Benedito Ruy Barbosa tocando e cantando modas como Comitiva Esperança, Boiadeiro Errante, Peão de Boiadeiro e Cavalo Zaino Zaino. O curioso, segundo o que Sidnei de Oliveira mesmo relatou, é que, àquela época, no começo dos anos 1990, embora fosse membro de uma família de músicos, não se interessava pelos mesmos gostos que o pai e os irmãos nutriam e, hoje, se dependesse de um televisor, não teria seguido os passos do ídolo e nem ao menos despertado para a carreira: Sidnei aboliu o eletrodoméstico em sua vida e não tem aparelhos em casa.
Professor de viola de Sidnei de Oliveira foi nada mais, nada menos, que o conterrâneo Valdir Verona (Caxias do Sul), referência da viola não apenas no Rio Grande do Sul, mas admirado em todo o país. As aulas de 2000 a 2002 em Caxias do Sul com Verona, na escola Teclas & Cordas, consolidaram sua opção e o convencerem a se enveredar de vez pelas trilhas da viola; depois buscou aprimoramento em fontes que configuram a nata do instrumento no país. Convivendo ou aprendendo com Pereira da Viola, Fernando Deghi, Ivan Vilela, Roberto Corrêa e Adelmo Arcoverde, além de estimulado por Renato Borgetthi, entrou no circuito e compôs Esplendor. Se pretendia apenas inscrever uma música no Prêmio Syngenta de 2004, saiu dele campeão.
O título conquistado, a convite da Syngenta, abriu as portas de turnês e Sidnei de Oliveira – que até então, publicamente, apenas havia se apresentando uma vez, tocando Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos, de Roberto Carlos, ao violão, numa festa de família, e tinha “somente” o repertório de Amado Batista na ponta da língua pela facilidade de tocá-lo naquele instrumento — passou a ser atração em palcos do Brasil e do exterior, maturando o talento que desaguou, em 2010, em outro prêmio, desta vez concedido pela Funarte, a qual possibilitou a gravação de Prólogo, seu disco abre-alas, composto por 13 faixas instrumentais entre as quais apenas Lamparinas da Noite, a primeira, não é dele, e sim do amigo pernambucano Adelmo Arcoverde.
Sidnei de Oliveira abordou aspectos de sua carreira musical e conversou com propriedade e domínio durante o bate-papo sobre variados temas ligados à cultura popular que caracterizam o conceito de Brasil profundo que Marcatti busca trazer ao debate e por em foco, sedimentado em pilares dos ideais de Ariano Suassuna, Darci Ribeiro e Guimarães Rosa. E além das canções instrumentais, apresentou O Doce Amargo do Mate, uma milonga, e o lamento Negro-Índio que deverão figurar o álbum de canções Do absoluto ao Imaginário que vem preparando com Lenara Abreu. No mesmo forno, por sinal, ele coze Utopia, seu segundo álbum autoral, novamente instrumental, e que incluirá atendendo diversos pedidos Esplendor.
Paralelamente à carreira de músico, Sidnei de Oliveira vai pavimentando a carreira acadêmica. Por esta trilha voltou à Europa, onde se alternando entre partituras e livros, protagonizou concertos e estudou, de maio de 2014 a julho deste ano, na Universidade de Leipzig, na Alemanha, escola na qual deu largada às pesquisas que transformará na tese de Doutorado com foco na aproximação das ideias de Arthur Schopenhauer à música de Richard Wagner, maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão conhecido por suas óperas.
O filosofo violeiro também leciona aulas particulares de violão, teoria musical e viola caipira e autor do ensaio Viola Caipira como estandarte – A representação de uma cultura a partir de sua essência, gentilmente cedido ao Barulho d’água Música por ele e pela Editora Escala (SP), que publicou o texto na Revista Ciência e Vida Filosofia, em sua edição 104, de março de 2015, publicado neste blogue como matéria especial. Leia mais sobre o violeiro convidado de Jair Marcatti e ouça músicas de Prólogo em http://www.violaoliveira.com
“Nem sempre encontramos um trabalho de composição tão inspirado e ao mesmo tempo tão original”, escreveu Paulo Bellinati, que como jurado do I Prêmio Syngenta de Viola conheceu Sidnei Oliveira, na apresentação de Prólogo. “Confirmo agora quão acertado foi seu primeiro lugar”, observou o violonista, frisando que “é raro ouvir a Viola Caipira encaixada em um conjunto instrumental de cordas e percussão em arranjos com tamanha suavidade e sofisticação”. Para Bellinati “Sidnei de Oliveira nos brinda com todas essas qualidades associadas a uma técnica transparente, que serve a música com fluidez e detalhamento brilhante”.
Olhar aprofundado e amplo
O projeto Imagens do Brasil Profundo tem curadoria do historiador e sociólogo Jair Marcatti, que o desenvolveu com o intuito de por em debate por meio de músicas, de filmes, de manifestações populares e de objetos o Brasil por dentro, aquele país que nas palavras de Ariano Suassuna, escondido em rincões considerados profundos, é muito vivo. Iniciado em 2014, na primeira temporada foram convidados violeiros para falar sobre as ligações de sua música com a cultura caipira. Em 2015, com a ampliação do programa, passaram a ser abordados outros aspectos das diversas culturas regionais do Brasil, agora desvendados em diferentes formatos: shows, bate-papos musicais, debates e palestras.
Ao invés de promover abordagens tradicionais, Marcatti prefere convidar músicos, documentaristas, diretores de cinema, ativistas culturais e pesquisadores da cultura popular que em comum nutrem um modo de olhar aprofundado e amplo sobre o Brasil e promovem trabalhos de pesquisa e resgate das nossas mais entranhadas tradições. Com cada um dos participantes, Marcatti aborda aspectos do universo cultural brasileiro, de nossas trajetórias, continuidades e rupturas; daquilo que sem nenhuma pretensão definidora poderíamos chamar de identidades brasileiras, no plural, com a vantagem dos exemplos serem pontuados no calor da prosa, ao vivo, pelo som dos instrumentos, muitos artesanais, e pela apresentação de outras formas de expressão cultural.
As rodadas do Brasil Profundo são quinzenais e no dia 18 de novembro trará de São José dos Campos o Trio José, que juntamente com Paulo César Nunes apresentarão músicas do álbum “Puisia”, baseado na obra do poeta e escritor de Lagoa Formosa (MG) Juca da Angélica.
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