
Juca da Angélica, hoje aos 97 anos, só não está esquecido em sua casa na cidade de Lagoa Formosa porque ganhou um livro, um documentário e um álbum, já apresentado no Sr. Brasil, produzidos por amigos e admiradores (Foto: Maria Rita Pires do Rio/Divulgação)
A atração da quarta-feira, 18, de mais uma rodada do projeto Imagens do Brasil Profundo, será especial: Jair Marcatti, curador do projeto, receberá no palco da Biblioteca Mário de Andrade, os músicos de São José dos Campos Victor Mendes (viola e voz) e Danilo Moura (violão e voz), que formam o Trio José e na ocasião terão a companhia do poeta Paulo Nunes (leitura/recitação). Os convidados promoverão a partir das 20 horas concerto e recital gratuitos para apresentação das músicas do disco Puisia, compostas a partir dos versos do poeta Juca da Angélica. A plateia poderá assistir, ainda, à exibição do documentário Meu canto é saudade: a poesia de Juca da Angélica, dirigido por Diógenes S. Miranda, que também estará presente.
Juca da Angélica, residente em Lagoa Formosa, um antigo distrito de Patos de Minas (MG), completou 97 anos em 7 de junho. De acordo com o batismo, é José Joaquim de Souza, talentoso poeta e mister da oralidade que pode ser colocado sem descontos na mesma escala de grandeza de Manuel de Barros, mas que estaria tão perdido e ignorado quanto tantos nos rincões dos Brasis não fossem a sensibilidade e a abnegação de outros artistas. Resolvendo encarar o desinteresse geral, aos poucos, eles veem conseguindo vencer a resistência do mercado de produção cultural, tirando Juca da Angélica do limbo para dedicar a sua obra páginas de livros e um belo álbum de música lançado em 2014, entre outras louváveis e, destaque-se, independentes iniciativas. Entre estas pessoas, deem os devidos créditos à agente cultural e artista plástica Marialda de Amorim Coury Martins, a Paulo César Nunes, ao violeiro Victor Mendes, ao violonista Danilo Moura, e ao cineasta Miranda.
Marialda começou a revelar Juca da Angélica, regionalmente, a partir de 2.000. Naquele ano, convidou-o para apresentar seu trabalho em uma exposição, em Patos de Minas. Acompanhado pela dupla Chiquito e Rubão, Juca da Angélica arrasou, segundo escreveu para o portal Divirta-se, Uai! (MG) em junho do ano passado o jornalista Carlos Herculano Lopes. “Ele nos conduziu a uma viagem às nossas raízes através de seus versos”, recorda Marialda. “Naquela noite, surgiu um desafio: catalogar seus poemas guardados na memória, para um dia lançar em livro sua obra”.
Herculano Lopes sublinha: a tarefa não foi fácil, tão extensa é a produção poética de Juca da Angélica! Muitos dos versos, quando não se restringiam somente à memória do autor, estavam registrados em cadernetas e pedaços de papel guardados, aqui e acolá. O filho de Juca, Paulo José de Souza, com o qual Marialda visitou várias vezes à Fazenda Mata-Burros, onde morava o escritor na zona rural de Lagoa Formosa; Luís André Nepomuceno, então coordenador do Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas; e o poeta e editor Paulo Nunes entraram na empreitada e deste jeito a ideia foi tomando prumo.
Em 2001 surgiu uma tiragem limitada, rodada em Patos de Minas. Meu canto é saudade é o título do livro no qual se não coube toda, pelo menos trouxe a público parte significativa da obra do autor — para Paulo Nunes digno de figurar entre os melhores poetas populares do país. “Ele é muito diferente de um Patativa do Assaré, por exemplo, que me parece mais culto e bem informado politicamente”, observa Paulo Nunes. “O Juca, perto dele, neste aspecto, é muito ingênuo, embora, liricamente, seja muito melhor: penso que ele é poeta no cerne, no osso”, cravou Nunes em entrevista ao Divirta-se!
No ensaio de apresentação do livro, Luis André Nepomuceno chamou a atenção para o fato de Juca da Angélica ter consciência do seu destino e se saber “poeta atrasado”, mas ao mesmo tempo não hesitar diante do “chamado poético”. “Dono de extraordinária lucidez, ele deixa claro para o leitor que seu verso não é capricho de gente erudita ou elevação dos mais cultos. É simples como sua pessoa, porém nobre, e, sobretudo, toma um vulto que ainda não dimensionamos”, escreveu Luis André.
Meu canto é saudade, na época da publicação, devido às limitações da edição, chegou a poucas mãos, e desta forma Juca da Angélica ainda não desfruta do reconhecimento merecido. Paulo Nunes, produtor do álbum Puisia, que o Trio José lançou no ano passado e do qual fazem parte os músicos Victor e Danilo, cutuca: “Por que em toda nossa literatura oral, de cunho folclórico, apenas um Patativa do Assaré foi satisfatoriamente editado e eleito pela mídia?”.
Na intenção de se corrigir essa injustiça, Nunes e amigos mantêm ainda o esforço de tentar resgatar o que existe de mais significativo na obra do poeta de Lagoa Formosa e além de um antologia de 120 páginas já produziram o curta-metragem dirigido por Miranda, além do álbum do Trio José — que ganhou lançamento em uma importante vitrine: o programa Sr.Brasil, apresentado por Rolando Boldrin — e na organização contou ainda com seleção do compositor e musicólogo Saulo Alves, que já compôs 40 canções com poemas de Juca.
O documentário Meu Canto é Saudade: a poesia de Seu Juca da Angélica chegou a eventos como a 10ª Mostra de Cinema, em Ouro Preto (MG). A produção retrata a viagem de Victor e de Danilo até Lagoa Formosa para encontrar o poeta, levando na bagagem o sonho de musicar os poemas de Juca da Angélica e registrar um canto cheio de saudades.
Juca da Angélica é pessoa das mais queridas na cidade e pelo fato de ter passado a infância na roça com a família, só conseguiu ser alfabetizado aos 14 anos. “Mas na escola mesmo só esteve durante três meses”, comentou Paulo Nunes na conversa com Carlos Herculano. Antes disso, na dura lida do campo para ajudar o sustento da casa (quando o pai morreu, ele era bem pequeno), começou a trabalhar como candeeiro — ou seja, guia de carro de bois. Com o tempo virou carreiro de fama, conhecido em boa parte do Alto Paranaíba. Aos 33 anos, “após ter cantado nuns mil pagodes e ter tido 19 namoradas”, como confessou em entrevista, casou-se com dona Antonieta Rosa do Carmo, com quem teve cinco filhos.
Olhar aprofundado e amplo
O projeto Imagens do Brasil Profundo tem curadoria do historiador e sociólogo Jair Marcatti, que o desenvolveu com o intuito de por em debate por meio de músicas, de filmes, de manifestações populares e de objetos o Brasil por dentro — aquele país que nas palavras de Ariano Suassuna, escondido em rincões considerados profundos, é muito vivo.
Iniciado em 2014, na primeira temporada foram convidados violeiros que falaram sobre as ligações de sua música com a cultura caipira. Em 2015, com a ampliação do programa, passaram a ser abordados outros aspectos das diversas culturas regionais do Brasil, agora desvendados em diferentes formatos: shows, bate-papos musicais, debates e palestras.
Ao invés de promover abordagens tradicionais, Marcatti prefere convidar músicos, documentaristas, diretores de cinema, ativistas culturais e pesquisadores da cultura popular que em comum nutrem um modo de olhar aprofundado e amplo sobre o Brasil e promovem trabalhos de pesquisa e resgate das nossas mais entranhadas tradições. Com cada um dos participantes, Marcatti aborda aspectos do universo cultural brasileiro, de nossas trajetórias, continuidades e rupturas; daquilo que sem nenhuma pretensão definidora poderíamos chamar de identidades brasileiras, no plural, com a vantagem dos exemplos serem pontuados no calor da prosa, ao vivo, pelo som dos instrumentos, muitos artesanais, e pela apresentação de outras formas de expressão cultural.
Serviço:
Projeto Imagens do Brasil Profundo recebe Trio José
Concerto com músicas do álbum Puisia, declamação de poemas do autor mineiro e exibição do documentário Meu Canto é Saudade: a poesia de Seu Juca da Angélica (12 minutos)
Convidados: Paulo César Nunes (poeta), Victor Mendes (violeiro), Danilo Moura (violonista) e Diógenes Miranda (cineasta)
Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, 94, Centro, a menos de 1.000 metros das estações República e Anhangabaú da linha 3-Vermelha do Metrô.