730 – Coisa Fina homenageia mestres como Jacob do Bandolim e Moacir dos Santos em álbum novo, apresentado no MCB (SP)

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O Barulho d’água Música recebeu gentilmente cedido por Daniel Nogueira um exemplar de Coisa Fina, segundo álbum do grupo paulistano homônimo integrado por ele e mais um punhado de amigos. A formação que em agosto do ano passado entrou no estúdio já era naquela ocasião maior do que um time de futebol e no começo deste ganhou o reforço de Igor Pimenta, cujo contrabaixo logo se entrosou à bem temperada “cozinha” desta afinada e espetacular big band. Há dez anos tocando entre outros temas de pontas de lança como Jacob do Bandolim, Laércio de Freitas, Theo de Barros, Guinga, Mozar Terra, Moacir Santos e, agora, no mais recente CD, vestindo a camisa de compositores de novíssima geração como Henrique Brand, o Coisa Fina literalmente encheu em São Paulo o palco do Museu da Casa Brasileira (MCB) na manhã do domingo, 15, e enquanto apresentava as músicas do disco que leva o selo Sesc pôs várias pessoas para dançar, ainda com mais entusiasmo durante Assanhado, de Jacob do Bandolim.

Pianista, compositor, arranjador e produtor musical Benjamin Taubkin profetizou a cena quando escreveu em uma das páginas do encarte: “uma das funções mais importantes de uma banda é botar o povo para dançar — o que se confirmará na faixa Assanhado”. Taubkin aponta que este disco tem uma das facetas mais importantes de uma big band tupiniquim: a orquestra de gafieira, que volta a nos aproximar da ginga e do futebol, ponderando que temos em profusão em nossa terra, mas muitas vezes esquecemos, suingue, leveza e muita competência. “No território do imaginário, a Big Band é o futebol de várzea da música brasileira: um lugar de paixão e doação em que a arte está preservada sem qualquer cálculo planejado em relação aos aspectos comercias ou qualquer estratégia que não seja a pura e simples paixão por realizar a criação e a vivência a partir de um grupo.”

Benjamin Taubkin lembra que o Projeto Coisa Fina surgiu há alguns anos impulsionado pela redescoberta da música de Moacir Santos, que deixou o grupo de jovens instrumentistas “encantado com a sofisticação e ao mesmo tempo a profunda conexão rítmica com a tradição afro-brasileira” que o maestro pernambucano estabeleceu em sua obra. Principalmente entre os anos 1960 e 1970, prosseguiu o pianista, Moacir Santos inaugurou uma escola com inovações, descobertas e riquezas acumuladas. “É uma música toda escrita, mas que ao mesmo tempo soa como se estivesse sendo criada naquele momento — é assim um paradoxo e um encantamento”.

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A partir do piano Fábio Leandro, Bira Júnior, Walmer Carvalho, Matheus Prado, Diogo Duarte e Daniel Nogueira (Fotos: Marcelino Lima/Acervo Barulho d’água Música)

O desafio que o Projeto Coisa Fina encarou, matou no peito e soube por a rolar sem quiques ou bicudas, ainda para Benjamin, preparou os músicos muito bem para o segundo trabalho (o primeiro é todo dedicado a Moacir dos Santos)  e eles saíram em busca de novas referências, não somente pondo em campo a obra de outros luminosos compositores e arranjadores da música brasileira, mas também apontando alguns caminhos futuros. “Isso se estabelece logo na abertura: Alforria [Henrique Band] é um olhar contemporâneo das possíveis sonoridades de uma big band no Brasil, sem deixar de fazer menção à herança de Moacir Santos que, aliás, está presente na adaptação de Amalgamation. Nela, a base nunca estabelece um padrão comum, está sempre em movimento, movendo a terra por baixo, alterando e enriquecendo a melodia e os contracantos. É uma das revoluções deste grande compositor”.

Danilo Santos de Miranda, diretor Regional do Sesc São Paulo, também destaca neste lançamento do selo “a interação entre a nova geração de músicos e os consagrados”, frisando que  Moacir Santos é um dos maiores compositores e arranjadores da música instrumental brasileira, dotado de um apurado senso estético. “Partindo de sua origem nordestina, criou inusitada fusão entre as sonoridades africanas e as harmonias jazzísticas, resultando em uma música extremamente inventiva”.

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Igor Pimenta, na foto maior, depois Odirlei Machado (trombone); Maurício Caetano (bateria); Ivan Andrade (sax alto); Douglas Antunes (trombone); Marcelo Lemos (guitarra) e Amilcar Rodrigues (trompete)

O Projeto Coisa Fina captou. Inicialmente, seus membros pretendiam apenas levar para novas plateias a música pouco conhecida do mentor que fez carreira nos Estados Unidos, conforme Miranda. “Esse mergulho na obra de Moacir Santos acabou rendendo outros frutos: além de um disco em homenagem ao maestro e shows ao redor do mundo, criou também no grupo o desejo de promover outros compositores brasileiros e, ao mesmo tempo, incentivar a produção de novos autores”. E na condução desta tarefa composições de nomes consagrados como Mozar Terra, Theo De Barros ou Jacob do Bandolim ganharam novos arranjos ao lado de temas do jovem Henrique Band ou Marcelo Vilor, numa acertada tabelinha que além de homenagear nossos mestres abre espaço para que a tradição da música instrumental continue viva. Arremate indefensável, direto onde a coruja dorme, gol de placa que mais uma vez confirma palavras de Taubkin: “a música sempre vence”.

O segundo disco do Coisa Fina visita também outras importantes referências do cancioneiro nacional, como o clássico dos clássicos Asa Branca em arranjo assinado pelo pianista Fábio Leandro, que sugere um estudo de possíveis cores, harmonias e timbres. Durante o show no MCB este blogueiro teve a nítida impressão de ouvir notas de O Trenzinho do Caipira, de Heitor Villa Lobos, mesclando-se à pintura de Humberto Teixeira e de Luiz Gonzaga. Fábio Leandro mostrou-se surpreso com a observação, disse que se ocorreu de fato esta “mistura”, teria sido sem querer. Pode ser. Ou o time é tão bom e tão entrosado que mesmo quando um dos músicos, digamos, “erra” e sai dos trilhos ameaçando o andamento da composição, os demais, atentos ao lance, não deixam a bola cair ou passar pelo vão das pernas: com pronta cobertura ao amigo, o espetáculo prossegue sem a menor possibilidade de um frango por se a cacarejar…

O Coisa Fina tocou no MCB com Ivan Andrade (sax alto, clarinete, flautim); Walmer Carvalho (sax tenor, sax, soprano, flauta); Daniel Nogueira (sax tenor, flauta); Bira Júnior (sax barítono, clarinete, flauta); Amilcar Rodrigues (trompete, flugelhorn); Diogo Duarte (trompete, flugelhorn); Odirlei Machado (trombone); Marcelo Lemos (guitarra); Fábio Leandro (piano); Igor Pimenta (contrabaixo acústico); Matheus Prado (percussão) e Maurício Caetano (bateria). Abdnald Santiago (trombone baixo) e Rafael Ferrari (contrabaixo acústico) participaram da gravação do álbum homônimo.

Do Pajeú, uma de suas mais belas flores

Moacir Sntos

Natural de Flores, no Sertão do Pajeú (PE), Moacir Santos (1926-2006) ganhou notoriedade internacional pelo virtuosismo e por ser um dos mais inovadores maestros do século XX, ao reunir elementos do jazz, do samba e do maracatu, entre outras vertentes da musicalidade negra. Coisas (1968) é o seu disco mais emblemático, considerado por críticos do mundo inteiro como item fundamental em qualquer discoteca. Este título e outros da discografia de Moacir Santos estão disponíveis no blogue Quadrada dos Canturis. O Barulho d’água Música ainda sugere Ouro Negro, de Mário Adnet e Zé Nogueira em reverência a Moacir Santos com participações de Milton Nascimento, Ed Motta, Joyce, João Bosco e Gilberto Gil.

Linque com arquivos dos álbuns de Moacir Santos:

http://quadradadoscanturis.blogspot.com.br/2014/04/moacir-santos-discografia-completa_19.html

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