O Sesc Pinheiros promoveu na noite de quarta-feira, 25, a penúltima rodada da Série Erudita Viola em Concerto, projeto que desde agosto, com curadoria do violeiro, compositor e professor Ivan Vilela procura levar o público a um mergulho ao universo da viola, desde suas origens seculares até o contexto contemporâneo, desdobrando-se numa série de concertos, palestras e masterclasses que desvendarão o instrumento. Ivan Vilela recebeu desta vez Lia Marchi, para uma nova conferência, e, depois, o palco coube ao Duo Arcoverde, formado pelos pernambucanos Adelmo e André Arcoverde, pai e filho. Antes da apresentação dos Arcoverde, Vilela comentou que por conta das festas natalinas a última sessão da Série está antecipada para 9 de dezembro, a partir das 19 horas. Naquela data a conferência terá por tema O caipira, modos de ser e de não ser, com José de Souza Martins. O show reunirá o Duo Catrumano, dupla formada por ex-alunos de Vilela, os violeiros Rodrigo Nali e Anderson Baptista.

Foto: Nubia Abe
Lia Marchi, cineasta, pesquisadora, professora e produtora, abordou em sua palestra o tema Entre Brasil e Portugal: viola e tradição. De acordo com Lia, no Brasil e em Portugal, a viola percorre profundezas de sentidos na (e da) vida das comunidades onde faz música, considerados singularidades e pontos comuns. Nos dois países, viola e violeiro conduzem pelo tempo as histórias e as memórias da tradição. Lia Marchi, a partir de 1998, criou e coordenou o projeto Tocadores, importante iniciativa de documentação e de divulgação de tradições musicais populares e registrou mais de 160 artistas no Brasil e em Portugal. Já em 1999 fundou a Olaria Projeto Arte e Educação onde atua como diretora artística coordenando a realização de diversos projetos. Em seus livros e filmes o rico universo das comunidades tradicionais e dos sons e sentidos das culturas locais estão sempre em foco.
O violeiro Adelmo Arcoverde é natural de Serra Talhada (PE) mas reside desde 1969 em Nazaré da Mata, no mesmo estado. É professor do Conservatório Pernambucano de Música há mais de 30 anos e leciona nas cadeiras de Violão Popular e Viola de Dez Cordas, este idealizado e implantado por ele. Gravou O Convertido (2012) e Mensageiro (2013), eleito o melhor álbum instrumental pela Associação dos Cantores e Intérpretes de Pernambuco. Em 2015 executou os Concertinos 01 e 02, de sua autoria, para orquestra, com a Orquestra Sinfônica do Conservatório Pernambucano de Música. Costuma protagonizar apresentações bem humoradas e didáticas, transformando seus concertos, individuais ou à direita do filho André, em profundas narrativas que remetem aos temas dos poetas cordelistas e aos desafios do repentismo; pode-se dizer que os shows de ambos são verdadeiras contações de histórias transmitidas por vinte cordas que tanto podem repercutir peças populares, como eruditas, trazendo aos ouvintes notas de músicas caipira, barroca, renascentista, de fado, de maracatu, de baião, e ainda pitadas mouras, entre outras sonoridades.
“Procuro tocar as violas sempre de modo universal, minhas obras refletem várias culturas. Recebi influência dos repentistas, mas também cresci ouvindo rock e algumas bandas inglesas contribuem para minhas criações”, disse Adelmo, deixando claro: “tudo o que faço é espontâneo, nunca imito ninguém”. Adelmo Arcoverde, de fato, não precisa. É referência de viola nordestina no Brasil, não concorre com Heraldo do Monte, nem Elomar Figueira de Melo entre outros bambas ao quais no mínimo se iguala e orgulha-se por enriquecer o seu currículo com o honroso convite para ser o primeiro violeiro a tocar no pomposo e fechado circuito do Free Jazz Festival.
Na trajetória de Adelmo Arcoverde consta ainda que andou dividindo palcos e quartos com expoentes como Turíbio Santos e Renato Andrade. Do ilustre filho de Abaeté (MG), por sinal, conta ter aprendido para encantar plateias como dominar os toques da chamada viola dinâmica afinada em “Rio Abaixo” –, entre outros conhecimentos que gosta de compartilhar e segredos que, fazendo cara de mistério, conta ter prometido ao amigo: jamais contará a ninguém!
(N.R.: Corre entre os violeiros alentada lenda que Renato Andrade teria ficado digamos… ali, ali com certa entidade cujo nome conta mais de duas centenas de variações e de sinônimos, alguns tão temidos ao ponto de sequer poderem ser pronunciados nas rodas! Este sinistro amigo seria o mesmo ou um parente daquele que desencruzilhou caminhos para um norte-americano do Mississípi e mostrou ao referido dito cujo, Robert Johnson, as manhas para virar rapidamente o mítico bluesman que ainda hoje é! Amém? Valha-nos Nossa Senhora?
Não se sabe, claro, o fundo de verdade que haveria nestas narrativas, outras similares são corriqueiras e até certo ponto facilmente contestadas e derrubadas tamanha é a ingenuidade ou elementos de exagero que contêm. Mas em se tratando de Adelmo Arcoverde fique destacado: ele mesmo demonstra crença pelo menos em anjos, tema recorrente em suas composições (vide o título e o nome de algumas faixas do premiado Mensageiro) e afirma que todos, ao virem entre os mortais, portam mensagens divinas. Ocorre, entretanto, de alguns querubins gostarem mesmo é de sacanear ou de perturbar o receptor, quando não é este quem inferniza a missão do enviado celestial, é…)