
Gregory Andreas, Renato Enoki e Cadu Ribeiro formam o Trio Gato com Fome, que mergulhou no aquário, ou melhor, o baú de Raul Torres e trouxe à tona dez sambas do percussor ao lado de Cornélio Pires da música caipira (Foto: Divulgação)
Quem gosta de música caipira sabe da importância de Raul Torres para a aceitação e o progresso dela como uma das mais autênticas manifestações da cultura popular e das nossas tradições. Mas, como bom brasileiro, Raul Torres também era partidário do samba e o paulistano Trio Gato com Fome mergulhou em uma pesquisa que incluiu viagens a Botucatu, no Interior paulista, terra natal do “Bico Doce”, e desta tarefa resgatou dez obras deste gênero do autor, incluindo a famosa Mineirinha, sucesso gravado entre outros por Doroty Marques, que tantas gerações vêm cantando e que o Trio Gato com Fome resgatou com flauta, cavaquinho e pandeiro, numa levada que mescla choro e marchinha de Carnaval que ficou deliciosa de ouvir!
O disco, segundo do grupo cuja discografia começa com um álbum homônimo, enviado ao Barulho d’água Música pelo músico Cadu Ribeiro, chegou agorin de pouco aqui no Solar da Lageado e está roncando sem parar na vitrolinha da redação do blogue! Sintam só o balacobaco do disco dos três — Cadu Ribeiro (pandeiro, percussão e voz), Gregory Andreas (cavaquinho e voz) e Renato Enoki (violão, violão de 7 cordas e voz): tem participações de Alexandre Ribeiro, Cesar Roversi, Osvaldinho da Cuíca (padrinho do Trio), Milton Mori (direção musical e vários arranjos), Caçulinha, Miltinho Edilberto, Nailor Proveta, Oswaldinho do Acordeom e Paulo Dias, entre outros.
Valerá a pena dar uma corrida e tentar encontrar o disco — busca que avisamos, infelizmente, pode ser cansativa e até infrutífera, pois joias como estas não interessam muito ao mercado e a salvo em lojas maiores, talvez sob encomenda…. Neste caso, o melhor é comprá-lo diretamente do Trio Gato com Fome visitando o portal do grupo na internet ou na página social do Facebook. Garantimos que até o mais exigente ou esfomeado bichano da casa quererá dar um tempo nos potes, parará de miar e se divertirá ouvindo obras primas como Catenguerê, a faixa 6, que traz entre outros versos geniais “Entrei na porta da igreja/fui sair na sacristia/nunca vi igreja sem padre, nem família sem Maria…”
Onde o espírito do interior se mescla às batucadas na Barra Funda: leia abaixo a apresentação de Biancamaria Binazzi para o disco do Trio Gato com Fome dedicado a Raul Torres
“Conhecido nacionalmente como um dos pilares da música caipira e um dos primeiros a gravar este gênero em disco, Raul Torres também deixou urna vasta obra de emboladas, batuques, jongos, marchas, arrasta-pés e sambas gravados desde o início de sua vida artística. Em tempos em que o samba era noticiado como a mais legítima manifestação musical brasileira, Raul Torres entrou na indústria fonográfica como compositor versátil, enriquecendo o mercado do disco com elementos musicais e culturais de uma São Paulo cafeeira, que começava a se urbanizar. Nos mais variados estilos musicais, a obra de Raul Torres fotografa o espírito do interior desde as festas de São João até as batucadas nos cortiços na Barra Funda. Quase oitenta anos depois, de cavaco, pandeiro e violão, o Trio Gato com Fome mergulha no baú de Raul e reafirma o papel do músico caipira na história do samba paulista.
Filho de imigrantes espanhóis, Raul Torres nasceu em Botucatu, em 1906. Aos 16 anos, mudou-se para São Paulo, onde trabalhava como cocheiro na Praça da luz. Pioneiro no rádio, começou a trabalhar na Rádio Educadora Paulista em 1927, interpretando emboladas de sua autoria. No mesmo ano, começou a gravar seus primeiros discos, sempre conciliando a vida artística com as atividades de lenheiro na estrada de terro Sorocabana. Enquanto o samba e as marchas de carnaval cariocas dominavam o mercado fonográfico, Raul Torres também participou do movimento de Cornélio Pires que levou a música caipira para a indústria do disco. Em 1929, Cornélio gravou a primeira série de discos com “material caipira autêntico”. Como a gravadora Columbia temia não vender os discos, Cornélio financiou as gravações com recursos próprios e saiu vendendo de carro pelo Interior. O sucesso foi tanto que a empreitada de Cornélio inaugurou a Era do Disco Caipira. Com o pseudônimo Bico Doce, Raul Torres gravou quatro músicas para a série caipira de Cornélio. Esta movimentação impulsionou Torres a gravar mais modas de viola, eternizando o compositor com obras como Colcha de Retalhos, Cavalo Zaino e Moda da Mula Preta.
Mesmo com a música caipira representando o terceiro maior filão do mercado fonográfico na década de trinta [anos 1930], foi exatamente este o período de maior fertilidade para os sambas de Raul Torres. Em 1934, o compositor gravou a batucada A cuíca tá roncando, que tez enorme sucesso, marcando definitivamente a presença do samba paulista no carnaval do Rio de Janeiro no seguinte. Quando Osvaldinho da Cuíca, padrinho do Trio Gato com Fome, contou esta história, Cadu, Renato e Gregory fizeram as malas e rumaram para uma longa expedição em busca dos sambas de Raul Torres. A partir de conversas com familiares de Raul Torres, colecionadores de 78 rpm. e pesquisadores, visitas a acervos públicos e uma viagem a Botucatu, o Trio voltou para o estúdio com dez sambas na mala. Criando pontes entre o urbano e o rural, o disco Trio Gato com fome — Em busca dos sambas de Raul Torres convida para a roda de samba Milton Mori, Osvaldinho da Cuíca, Paulo Dias, Caçulinha, Proveta, Miltinho Edilberto e Oswaldinho do Acordeon e mostra que não importa se é samba ou moda de viola, porta ou porteira, a musica está no interior.”

O patriarca Raul Torres é o “capitão” do time dos melhores autores da música caipira escalado pelo jornalista José Hamilton Ribeiro
Para saber mais sobre Raul Torres, duas dicas do Barulho d’água Música são as leituras dos livros Eu Nasci Naquela Serra: A História de Angelino de Oliveira, Raul Torres e Serrinha, escrito pelo violeiro Paulo Freire, publicado em 1996 pela Editora Paulicéia, e Música Caipira – As 270 maiores modas, edição revista, completa e ampliada em 2015, do jornalista José Hamilton Ribeiro, publicado pela Realejo Livros.
A obra de Paulo Freire, nas páginas dedicadas a Raul Torres, começa descrevendo o fascínio que as batucadas e o som dos tambores exerciam sobre o biografado quando este ainda era um menino, enquanto Zé Hamilton Ribeiro, como em um time de futebol, dá a Raul Torres a faixa de capitão reconhecendo-o ao lado da galeria de patriarcas da música caipira tais quais Teddy Vieira (“O Artilheiro”), João Pacífico (que formou com Raul a dupla Torres & Pacífico, “O Meio-Campo”), José Fortuna (“O Motorzinho”) e Mário Zan (“O Técnico”) entre outros.
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