Belchior, um dos mais consagrados, inspirados e lúcidos cantores e compositores da música popular brasileira motivou o portal de notícias 247 a produzir, em 23 de maio do ano passado, uma matéria especial que teve por mote os 39 anos do álbum Alucinação, que hoje, portanto, já se aproxima dos 40. A empreitada para escrever sobre o disco e o cearense de Sobral que ao vencer o IV Festival Universitário da Música Brasileira em agosto de 1971, concorrendo com Na Hora do Almoço, iniciou a trajetória que o firmaria entre as mais fulgurantes estrelas da constelação da música nacional foi confiada a um jornalista com nome de poeta. Khalil Gibran, então, começou recordando em seu texto no qual nos apoiaremos que Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior, teve infância simples, de menino do interior. Porém, a Sobral da sua meninice era uma cidade repleta de sons, cores e poesia que iluminariam seu imaginário. Para ajudar, o contato com a música começou dentro da própria família: o pai tocava sax e flauta, enquanto a mãe cantava no coro da igreja local.
Belchior recorda-se que havia na cidade uma emissora de rádio que repercutia a programação por sistema de alto-falantes. O garoto que além de encarnar o cantador de feira e atuar como repentista absorvia o que ouvia de artistas como Ângela Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney enquanto seguia bandas de música e os tradicionais grupos do Nordeste compostos por sopros e percussão, uma atração em muitas cidades interioranas; paralelamente, já adorava as pinturas das várias igrejas de Sobral, revelando também sua inclinação para as artes plásticas. Em Fortaleza, para a qual migrou deste universo mágico em 1962 devido aos estudos, Belchior entrou para o Liceu do Ceará, do qual sairia para um mosteiro em Guaramiranga antes de ingressar em faculdade de Medicina, também na Capital. Entre 1965 a 1970, apresentou-se em vários festivais de música no Nordeste.
É nesta altura de sua vida que Belchior trava contatos com o movimento artístico que efervescia na cidade e se torna íntimo do grupo no qual militavam entre outros Fausto Nilo, Fagner, Ednardo, Rodger, Cirino, novos amigos nos quais viu pela primeira vez a possibilidade de compartilhar sua veia artística. Em meio à criativa boemia fortalezense do início da década dos anos 1970, aponta Gibran, Belchior trancou a faculdade de Medicina para por os pés na estrada. A retirada desta vez o trouxe ao Rio de Janeiro, em 1971. Motivado pelo título do Festival Universitário, lançou compactos em 1971 e 1973; em 1972, Mucuripe, em parceria dele com Fagner, “estourou” na voz de Elis Regina, arando o terreno para o bolachão Mote e Glosa (1974).
A cantora gaúcha teve papel fundamental na consolidação de Belchior. Elis Regina lançou Falso Brilhante, em 1976, e neste que é um antológico disco de todo nosso cancioneiro incluiu Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais, duas das mais emblemáticas criações do cearense que entre o estetoscópio e o microfone optou pelo segundo objeto. Impulsionado pela Pimentinha, conforme recorda Gibran, a Polygran entrou no jogo e lançou, em agosto de 1976, Alucinação, disco que de uma vez por todas tirou Belchior do lugar comum e fez dele mais do que um apenas um rapaz latino-americano.
As faixas de Alucinação foram reproduzidas em larga escala por emissoras de televisão e de rádios e embalou shows por todo o Brasil de tal forma que até hoje o público ainda canta A Palo Seco, Apenas Um Rapaz Latino Americano, Como Nossos Pais, Fotografia 3×4, e além de todo o restante do disco, claro, a faixa título com bordões tais quais a minha alucinação é suportar o dia a dia e/ou e meu delírio experiências com coisas reais e versos como um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha…
Em sua matéria Kalil Gibran destaca ainda que Belchior é um compositor dotado de sutilezas poéticas que fazem sua obra encantadora. Para o jornalista, “as composições emocionam e gozam de uma liberdade que, por vezes, podem ser comparadas às genialidades de Fernando Pessoa e de Bob Dylan”. Se o cantor queria mesmo que seus versos, “feito faca, cortassem a nossa carne, conseguiu”, emenda Gibran. “Porque a juventude do nosso coração é perversa e nos faz sofrer, perceber que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. E sentindo a ausência do cantor nos palcos como sua imensa legião de fãs de sucessivas gerações também reclama, o autor do texto do 247 arremata: mesmo “sem dinheiro no bolso”, buscando não o que a cabeça pensa, mas o que a alma deseja, Belchior soube compreender e cantar, como poucos, a nossa solidão, o nosso som, a nossa fúria e a nossa “pressa de viver”.
Belchior nos legou uma vasta discografia, que amigos e leitores podem baixar, em Mp3, do blogue Quadrada dos Canturis. A relação lá disponível não traz, porém, o álbum duplo que Belchior gravou em parceria com a revista Caras, em 2004, com 31 faixas a partir de poesias de Carlos Drummond de Andrade (Itabira/MG). Os dois discos saíram encartados em livro contendo gravuras do tamanho de uma capa de vinil. As imagens expressam como o olhar de Belchior retrata o autor de Sentimento do Mundo e Amar se Aprende Amando. A apresentação dos editores para As várias caras de Drummond comenta que:
“Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em julho de 1987, um Carlos Drummond de Andrade abatido e desesperançoso declarou acreditar que seria esquecido tão logo nos deixasse. Dezessete dias depois, ele nos deixou. Mas, ao que tudo indica, não foi esquecido. No ano em que Drummond completaria 101 anos, a Editora Caras, em parceria com o cantor e compositor Belchior, prova que a amarga profecia da última entrevista estava totalmente equivocada. No livro, 31 retratos e 31 poemas de Drummond dividem harmoniosamente as páginas. Nos CDs, os poemas se tornam música pelas mãos talentosas de Belchior. Aliás, canções e retratos são do cantor e compositor cearense. À maneira prosaica do maior poeta brasileiro do século XX e, para muitos, de todos os tempos, o número 31 refere-se singelamente ao dia do seu aniversário: 31 de outubro.”
[1971] Compacto
[1974] Mote e Glosa
[1974] Um Concerto a Palo Seco
[1976] Alucinação
[1977] Coração Selvagem
[1978] Todos os Sentidos
[1979] Era Uma Vez Um Homem e Seu Tempo
[1980] Objeto Direto
[1982] Paraíso
[1984] Cenas do Próximo Capítulo
[1986] Um Show – 10 Anos de Sucesso
[1987] Melodrama
[1988] Elogio da Loucura
[1990] Trilhas Sonoras
[1991] Acústico
[1992] Carrero
[1993] Baihuno
[1993] Personalidade
[1995] Um Concerto Bárbaro
[1996] Vicio Elegante
[1999] Auto Retrato
[2002] Pessoal do Ceará
[2008] Sempre
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