A Charrua Produções Artísticas convocou um dos mais premiados e conceituados violeiros da atual safra paulista, Noel Andrade, e a banda com mais anos de estrada do blues nacional, a Blues Etílicos, para um tributo ao ícone da música brasileira e da cultura popular, Tião Carreiro. A homenagem ao Rei do Pagode, por meio do blues, do rock, e da música caipira, está programada para começar às 21h30 deste sábado, 16 de abril, na Comedoria da unidade Belenzinho do Sesc de São Paulo. O ingresso já está à venda e custa entre R$ 6 e R$ 20. O endereço é rua Padre Adelino, 1.000, a uma caminhada leve da estação Belenzinho da linha 3 Vermelha do Metrô.
Noel Andrade é natural de Patrocínio Paulista, interior de São Paulo, e há mais de dez anos oxigena o meio regional, como cantor e pesquisador da música e dos costumes do campo que busca em suas composições as particularidades e a simplicidade da vida cabocla, o cotidiano do camponês e da terra onde vive. Já está gravando um novo álbum e é autor de Charrua, álbum que reúne 11 canções próprias e de outros artistas como Luís Perequê, Rosinha de Valença, Francisco Nepomuceno, Elpídio dos Santos, Godofredo Guedes e Chico Lobo. Já dividiu o palco com Renato Teixeira, Dércio Marques, Bocato e Katya Teixeira, entre outros, e confiou a mixagem de Charrua a Ricardo Vignini, outra expressão da viola caipira. O instrumento de dez cordas predomina em harmonia com harpa, tambores, berimbau, rabeca, clarinete, trombone, flauta, sanfona e cello, entre outros instrumentos. Em 2013 aumentou a coleção de prêmios que ganhou na temporada levando para a estante a estatueta do 3º Prêmio de Excelência de Viola Caipira.
Blues Etílicos é sinônimo da marca mais forte do blues nacional desde que a banda foi criada no Rio de Janeiro, em 1985. Formada por Flávio Guimarães, Greg Wilson, Otávio Rocha, Pedro Strasser e Cláudio Bedran vem produzindo nestas mais de três décadas extensa obra autoral, além de gravar homenagens às suas principais influências registradas em doze álbuns musicais e um DVD. O mais recente disco, o que comemora 30 anos de carreira, foi gravado ao vivo no teatro do Sesc Santo Amaro, em São Paulo. Entre as doze faixas, onze são autorais de diferentes álbuns como Tiro de Largada e Puro Malte, que se somam às inéditas Let it Rain, Solidão dos Bois e à releitura de Freddie King, na música San Ho Zay, além do resgate de Safra 63, parte do primeiro LP, lançado em 1987.
Se o blues hoje no Brasil ostenta um mercado consolidado com inúmeros festivais que recebem a cada ano atrações nacionais e internacionais, muito se deve ao Blues Etílicos desde que seus integrantes toparam enfrentar a desconfiança dos que julgavam improvável uma banda de blues profissional decolar no país. Contra narizes torcidos, aliaram a densidade do blues, a energia do rock e o balanço da música brasileira e provaram que os críticos é quem não entendem do riscado, quando não são “apenas” mal intencionados. O estilo próprio delicia plateias por meio de solos eletrizantes, ajudou a manter a produção em alta e vem influenciando já pelo menos duas geração de músicos e produtores de shows, cativando o público crescente e já suficiente para esgotar sucessivamente as cargas de ingresso reservados às bilheterias.
Tião Carreiro é o nome artístico adotado pelo José Dias Nunes, nascido em Montes Claros (MG) em 13 de dezembro de 1934. Cantor e instrumentista da autêntica música sertaneja, fez parte de várias duplas, entre as quais a que formou com Pardinho, e influenciou várias outras a seguirem o estilo do qual é precursor, o Pagode. Este ritmo, anterior em muito ao rótulo criado pelo mercado do samba e que dele se apropriou, é ousado por utilizar a viola caipira como base em seu ponteado. “O verdadeiro pagode, o criado pelo Tião Carreiro, é um contraponto entre o violão e à viola caipira, cantado em dueto e com letras que promovem canções épicas e bem humoradas, que narram a história de heróis que o sertão do Brasil abriga”, disse Noel Andrade.
Por conta do seu brilhantismo com a viola em mãos, Tião Carreiro ganhou o apelido de “Rei do Pagode”. O ritmo e seu criador mereceram capítulo à parte e inúmeras citações elogiosas do jornalista dos mais tarimbados no assunto José Hamilton Ribeiro em Música Caipira: As 270 maiores modas. À página 163, por exemplo, Zé Hamilton introduz o assunto observando que “o pagode de viola é o tipo de música que possibilita virtuosismo no instrumento, exigindo grande habilidade do tocador”. Ainda conforme o jornalista e escritor, “é ritmo esperto tanto na música como na letra, tende para o gracioso e encerra, também, certa bravata”. O mineiro, prossegue o autor do livro, merece a condição de majestade a começar por sua notória capacidade de dedilhar as dez cordas, “culminando com sua criatividade no tema e nas letras, além de sua capacidade de ‘garupa’, quer dizer, de entrar em parcerias” que o colocaramem estúdio lado a lado, por exemplo, com Bambico, Tião do Carro e o próprio Pardinho.
“Além de bom violeiro – e boa pessoa-, era também compositor”, emenda José Hamilton, que coloca Tião Carreiro no time dos patriarcas, ou seja, da primeira geração da música caipira ao lado de contemporâneos que formam “um esquadrão de ouro” como Cornélio Pires, Raul Torres, Teddy Vieira, João Pacífico, Vieira e Vieirinha, Tonico e Tinoco, Carreirinho, Mario Zan e José Fortuna, mais o “quadrado mágico” formado por Sulino, Palmeira, Serrinha e Angelino de Oliveira. E não apenas pagodes constam na seleção de músicas que têm Tião Carreiro ao menos como um dos autores. A lista contempla deste gênero, por exemplo, Chora Viola, em parceria com Lourival dos Santos, mas consagra, ainda, Rio de Lágrimas, outra perola do cancioneiro caipira, assinada também por ambos e Miguel Lopes Rodrigues, o Piraci. Para quem não sabe, Rio de Lágrimas é a popular canção sobre o rio de Piracicaba, aquele que vai sair do seu leito quando chegar a água dos olhos de alguém que chora.
Entre algumas curiosidades que marcam a revolucionária história de Tião Carreiro José Hamilton destaca que ele, o violeiro, tinha fama de bravo e recebeu por esta característica o apelido “Deus carrancudo da música caipira”, pespegado pela escritora Rosa Nepomuceno. Pagode, dele e Carreirinho, foi tema de novela, e Hoje eu não posso ir, novamente com Lourival dos Santos, foi a música escolhida por amigos e parentes para ser cantada no momento em que seu caixão baixava à terra no cemitério localizado no bairro da zona Oeste paulistana Lapa, em 16 de outubro de 1993. Zezinho, Palmeirinha, Lenço Branco, Zé Mineiro foram outros apelidos de José Dias Nunes, e além de Pardinho (Antônio Henrique de Lima, nascido em São Carlos/SP), ele fez duplas com Lenço Verde, Lenço Preto, Coqueirinho, Tietezinho, Carreirinho, Paraíso e Praiano.
Antes de Tião Carreiro, viola era apenas dama de companhia de violões, e não se destacava a não ser em arranjos ditos mais simples, como cateretês e cururus. Depois dos feitos do filho de Montes Claros, o instrumento passou a ter destaque nas melodias, conversando com uma congênere em duetos. Por estas e outras colaborações e virtudes, Tião Carreiro levou a viola inclusive à academia, por meio da tese pioneira do também violeiro, cantor e compositor João Paulo Amaral, que escolheu abordar a vida e a obra do Rei do Pagode em Mestrado em Música na Universidade de Campinas.
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