O programa Ensaio ficou sem seu timoneiro e idealizador Fernando Faro, que morreu na noite de domingo, 24 de abril, vítima de infecção pulmonar, aos 88 anos, em São Paulo. Jornalista, produtor musical e diretor também conhecido por Baixo, Fernando Faro dera entrada há três meses acometido por desidratação no hospital onde veio a óbito. O velório se estenderá até por volta das 17 horas quando o corpo deverá ser sepultado no Cemitério do Araçá. De acordo com nota publicada em redes sociais assinada pela produção do programa, o Ensaio começou em 1969, na extinta TV Tupi. Entre 1972 e 1975, virou MPB Especial e passou a preencher a grade da TV Cultura. Ainda nesta canal da Fundação Padre Anchieta, em 1990, retomou o nome original e desde então pôs no ar pelo menos 700 edições.
As entrevistas que Faro promovia primavam pelo registro intimista dos músicos, sempre enquadrados em luz baixa, a partir do rosto (close) e em luz baixa. Baixo, cuja voz se ouvia ao fundo, também valorizava intervalos de silêncio entre as respostas e as canções que cada convidado apresentava. O nome Ensaio, de acordo com ele, evocava “certa informalidade, pois o artista errava e podia voltar, sem problema”. Ainda de acordo com o timoneiro “em meu vocabulário de TV há pausa, silêncios”, linguagem que ele aprendeu a valorizar depois de ler o sociólogo Marshall McLuhan. Para o canadense criador da expressão “o meio é a mensagem”, que se propôs a analisar e explicar os fenômenos dos meios de comunicação e sua relação com a sociedade e para o qual aqueles são uma extensão do homem, “o plano geral, em televisão, nada mostra nada: só o close – o big close, pode revelar algo”, conforme ponderava Faro.
O nome de Fernando Faro está vinculado também ao Divino, Maravilhoso, marco do Tropicalismo exibido pela TV Tupi entre outubro e dezembro de 1968, durante o qual Caetano Veloso e Gilberto Gil recebiam convidados como Gal Costa e Os Mutantes. E ele idealizou, ainda, programas como Hora da Bossa e TV Vanguarda e como produtor ajudou a desenvolver as carreiras de Ney Matogrosso, Dorival Caymmi, Chico Buarque e Marcos Valle. Dentre as entrevistas que apontava como destaque no Ensaio menciona as que ouviu Elis Regina, Adoniram Barbosa, Vinicius de Moraes, Tom Zé, Chico Buarque, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Baden Powell, Fundo de Quintal, Toquinho, Dorival Caymmi, Tim Maia, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Maria Rita, Beth Carvalho, Renato Teixeira, Dominguinhos, Ney Matogrosso, Cauby Peixoto e Emicida.
“A TV brasileira perde um grande profissional: nosso querido amigo Fernando Faro”, lamenta em mensagem publicada por redes sociais o parceiro de TV Cultura, Rolando Boldrin. “A música brasileira perde a sua maior referência, e o céu ganha um Anjo da nossa música”, conclui o Sr. Brasil.

Fernando Faro (em pé) dirige um dos primeiros programas Ensaio, ainda na TV Tupi (Foto: Divulgação)
Fernando Abílio de Faro dos Santos, natural de Aracaju (SE), nasceu em 21 de junho de 1927, como neto de dono de engenho. Ainda criança ficou órfão do pai, que morreu durante uma partida de futebol. Após a perda de Abílio da Costa Santos, mudou-se com o restante da família para Laranjeiras (SE) e depois para Salvador (BA), antes de desembarcar em São Paulo. No novo Estado planejou cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), mas trancou a matrícula no terceiro ano e ingressou no Jornalismo. É um dos precursores da televisão brasileira, em operação desde o começo da década dos anos 1950, e fez parte da redação da TV Paulista como foi diretor e autor de textos para teleteatro. O apelido “Baixo” herdou do novelista Cassiano Gabus Mendes (1929-1993).
Texto extraído do painel da televisão brasileira desde os seus primórdios, montado Portal Imprensa, que cobre o período até 2010. Para saber mais acesse http://portalimprensa.com.br/tv60anos/index.asp
Errante diletante
Desde seus tempos de criança, em Laranjeiras, interior de Sergipe, de quando tem as primeiras lembranças do engenho do pai no início da década de 1930, Fernando Faro é um colecionador de histórias. Conversar com ele significa, portanto, ouvir episódios saborosos sobre o sertão Nordestino; sua chegada em São Paulo; os poucos anos na faculdade de direito do Largo São Francisco; o trabalho como repórter e editor em periódicos como A Noite e O Movimento; o início da televisão no Brasil. Além de muitos “causos” sobre uma enorme variedade de artistas da MPB, como Chico Buarque, Beth Carvalho, Cartola, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, Aracy de Almeida…
Muitas dessas passagens estão na sessão “Perfil” da revista Imprensa (n° 260). Outras estão nos vídeos e links a seguir, com trechos da entrevista concedida à revista; clipes do programa Ensaio de fases variadas (incluindo a época em que se chamou MPB Especial) e o famoso texto de autoria de Faro para o show Trem Azul, de Elis Regina, em 1981. O artista e designer Elifas Andreatto falou à Imprensa sobre esse episódio marcante envolvendo o amigo Fernando Faro e Elis Regina. O produtor e jornalista fora chamado para dirigir o show da cantora e, no meio do processo, se desentenderam. Faro saiu do espetáculo, mas como a produção já estava adiantada, deixou um texto para a cantora ler em off [com o microfone desligado] em determinado trecho do show, conforme previsto. Elifas Andreatto conta que eram palavras em homenagem à televisão, que cresceu muito nos anos 1970 e ajudou a popularizar a carreira de Elis. Segundo o designer, responsável pela cenografia do espetáculo, a cantora gravou o off entre lágrimas emocionadas, o que a fez chamar o amigo de volta e fazer as pazes. O texto citado por Andreatto é este a seguir:
“Agora o braço não é mais um braço erguido num grito de gol. Agora o braço é uma linha, um traço, um rastro espalhado em brilhante. E todas as figuras são assim: desenho de luz, agrupamentos de pontos, de partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais. E assim – dizem – recontam a vida. Agora retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue, afinam os ossos em fios luminosos e aí estou, pelas casas, pelo salão, pelas cidades, parecida comigo. Um rascunho. Uma forma nebulosa, feita de luz e sombra. Como uma estrela. Agora eu sou uma estrela.”