878 – “Chamamento”, álbum de viola caipira de Fábio Miranda (DF): chapéu no goleiro antes do grito de gol

Há algum tempo  é corrente a expressão “o Brasil é um celeiro de craques”, guardando referência com uma manifestação cultural das mais típicas em Pindorama, o futebol.  Hoje, entretanto, o esporte bretão por aqui está mais para atividade lucrativa e científica do que hedonista ou idílica. De tão maçante que se tornou o que antes afirmava-se com toques de arte, teme-se que tenha sido quebrado um encanto do qual éramos fartamente beneficiários e aquinhoados, com direito a passarmos incontáveis vezes pela fila. Consequência desta desdita: já rareiam peladeiros fabulosos, arteiros pela macunaímica nata, aqueles que ainda podem ou tentam surpreender com um drible de nos deixar de boca escancarada, improvisando do nada um lançamento despretensioso em cujo desfecho a senhorita, após amortecida no peito do atacante, ganha o caminho que a aninhará à rede; personagem assim, capaz ou interessado em ser protagonista de um lance impensado ou improvável que vire o jogo e nos arrebate, quando pinta rapidamente é rapinado pelo mercado externo. E, quem diria, até em negócio da China acaba envolvido!

Mas vamos mudar a frase, dando a ela um sentido mais completo, que abarque outras tradições tupiniquins. “O Brasil é um celeiro de talentos” permite-nos muito mais abordagens, linca-nos a conteúdos ainda mais maravilhosos que se renovam evitando riscos de esvaziamentos e de extinção ou negociatas. A regra pode ser posta a prova e não contraria, por exemplo, no campo musical, seara na qual sempre brotam nomes que jamais nos deixam com cara de quem perdeu o rumo, atropelado por um expresso alemão em alta velocidade. É verdade que a industria do entretenimento se esforça muito  jogando contra ou escalando mal, bota para escanteio aos bicões o que é genuinamente e brasileiramente lindo, mas felizmente há artistas que peitam o técnico, desafiam este esquema tático mercadológico e põem em campo trabalhos que nos arrebatam como Jairzinho chapelando o goleiro.

Um deles chama-se Fábio Miranda (Brasília/DF), jovem músico que há pouco lançou Chamamento, oferecendo-nos mais um excelente álbum de viola caipira.  Em entrevista concedida à plataforma digital do Jornal de Brasília (DF), Fábio Miranda se revelou “transformado” pelo instrumento de dez cordas e quer mostrar ao país o som que agora influencia a vida que leva. Chamamento é o segundo disco da carreira solo, produzido pelo Beco das Corujas Produções Culturais e realizado com o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). A maioria das canções costura parcerias com o paulistano, radicado na capital da República, Adalberto Rabelo Filho, e ao contrário do que se verifica em Caravana Solidão (2012), Chamamento se destaca pelas participações de  músicos que têm ligações estreitas com Fábio Miranda. Assim, em 18 faixas desfilam desde jovens compositores de Brasília como Paulo Ohana, Gabriel Preusse, Rafael Miranda, Lidi Satier, Henrique Neto, Paula Zimbres até músicos consagrados, tais quais Marcos Farias, Gonçalo Aquino (conhecido como Sivuquinha de Brasília) e o DJ Jamaika.

 

Para Fábio Miranda, o contato com a viola caipira é bilhete para um mundo antes desconhecido. “Ela foi a porta de entrada para uma forma sensível de se enxergar a vida, de se relacionar com as pessoas, de escuta para outras sonoridades, de respeito pelas falas dos velhos e de se enriquecer o imaginário”. Além daqueles convidados, o time do álbum vem reforçado pela presença de Badiá Medeiros, Zé Mulato, Marcos Mesquita, Roberto Corrêa, Aparício Ribeiro, Cacai Nunes, e Ricardo Vignini, alguns bambas da viola que reforçaram o sertanecimento de Fábio Miranda. “Fui movido pelo espírito agregador da música e chamei todo mundo, saiu daí a ideia do título do álbum”, explicou o violeiro ao portal candango. As canções do disco encontram ainda inspiração em mestres caipira como Teddy Vieira, Lourival dos Santos, João Pacífico, Serrinha, Goiá e outros.

Acrescente-se que Chamamento possui também sonoridade moderna, influenciada pelas vivências de Fábio Miranda em Brasília, antes de fixar casa em São Paulo, incluindo a passagem pela banda Judas, do Planalto Central. Essa contemporaneidade pode ser percebida pela participação do DJ Jamaika,  rapper da Ceilândia. “Jamaika foi um ícone musical para mim”, afirmou. “O hip hop foi muito importante na minha adolescência e o Jamaika e o irmão, Kabala, são referência para quem curte esse movimento. Um ídolo participando do projeto de um fã é um gesto bastante significativo”.

Fábio Miranda, atualmente, integra a Orquestra Filarmônica de Violas, em Campinas (SP), e desenvolve em São Paulo pesquisas e trabalhos de ensino coletivo de viola em escolas de música e em centros culturais como a Fábrica de Cultura. É professor de viola caipira, formado em viola pela Escola de Música de Brasília (DF) e lecionou na Escola de Choro Raphael Rabelo (DF). Desenvolve mestrado em música na Universidade de São Paulo (USP).  Ainda  em Brasília, concebeu e formou o grupo Roda de Viola, explorando o repertório do cancioneiro caipira no formato popularmente conhecido como “orquestra de violas”. Formado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) também atua como diretor musical e músico de cena em peças de teatro e produções audiovisuais, algumas premiadas em festivais nacionais e internacionais.

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