A música e a cultura brasileira perderam na madrugada de quinta-feira, 27, mais uma de suas luzes: o maranhense Papete, nome artístico do cantor e compositor José de Ribamar Viana. Embora tenha causado comoção entre amigos e fãs, fora da mídia do entretenimento formadora de opinião mais uma vez a notícia foi completamente ignorada, repercutida apenas em notas rápidas ou por meio de matérias protocolares. A exceção quem promoveu coube aos blogues especializados, cujos autores se dedicaram a fornecer mais informações sobre a carreira de Papete, nascido em Bacabal, a 240 quilômetros de São Luís, capital do Maranhão. A morte, por insuficiência cardiorrespiratória, encerrando a batalha que ele travava contra um câncer de próstata, colheu-o em São Paulo, aos 68 anos, em um dos leitos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Papete se afirmou no cenário nacional como uma das principais referências do Maranhão por conta de sucessos e de uma postura que em 40 anos de estrada marcaram e influenciaram sucessivas gerações, como Bela Mocidade, Boi da Lua e Coxinho. Bandeira de Aço, um dos 23 álbuns que legou ao país, é o mais famoso da discografia (marcado por maracas e pandeirões, instrumentos característicos nas festas de São João do Maranhão), originalmente prensado pela gravadora Marcus Pereira e que ao completar 35 anos foi relançado com novos arranjos. Esta intensa produção permitiu, por exemplo, que Papete fosse eleito um dos melhores percussionistas do mundo na década dos anos de 1980, período durante o qual por três vezes encantou a plateia do Festival de Jazz de Montreux, promovido na Suíça (1982/1984/1987). A sua vasta obra, mais recentemente, ficou mais rica com o lançamento do livro Os Senhores Cantadores, Amos e Poetas do Bumba Meu Boi do Maranhão, que resgata a história dos cantadores de bumba meu boi do Maranhão por meio de belos registros fotográficos, discos e personagens.
O corpo de Papete, 48 horas depois do óbito, deveria ser cremado no Cemitério Jardim da Paz e as cinzas soltas sobre o Rio Mearim, em Bacabal. Antes de ser levado ao velório, o esquife conduzido em carro do Corpo de Bombeiros percorreu trajeto de 10 quilômetros a partir da Casa do Maranhão, no Centro de São Luís. O cortejo atraiu pessoas próximas e populares e à medida em que o veículo passava muitos acenavam em despedida, batiam palmas ou cantavam as músicas do ídolo devotando ao cantor justo reconhecimento. “Na ilha de São Luiz tem um boizinho chamado Barrica, alegria de todas as pessoas que no mês de junho gostam de brincar à luz da fogueira na Terra e das estrelas no céu. Barrica emociona traz a esperança de que nossa brincadeira há de durar para sempre, como para sempre há de durar o valor de nossa gente”, gravou Papete, em 1989, na introdução de Rompendo Fogo, canção de Wellington Reis que abre o disco homônimo.
Leia mais sobre Papete em http://www.walneybatista.com.br/2016/05/homenagens-marcam-despedida-ao-musico.html.
Vale a pena, também, conhecer o que se escreveu sobre ele e está reproduzido no blogue Criatura de Sebo, do qual pode-se baixar em MP3 Rompendo Fogo e Planador:
Papete, ou José de Ribamar Viana, nasceu em Bacabal (MA) em 1947. Iniciou sua carreira atuando como cantor na Rádio Gurupi, em São Luís do Maranhão, aos 13 anos de idade. Autodidata, dedica-se ao violão e à percussão, o que o levará a acompanhar vários trabalhos musicais em shows e gravações como o de Rosinha de Valença, Marília Medalha, Hermeto Pascoal, Oswaldinho da Cuíca, Toquinho e Vinicius, Benito de Paula, Inezita Barroso, Diana Pequeno, Renato Teixeira, Almir Sater, César Camargo Mariano, Rita Lee, Sadao Watanabe, Angelo Branduardi, Andreas Wollenweider, Ornella Vanone e Alex Acuña, entre outros.
Em 1974, participou do LP Música popular do Centro-Oeste, lançado pela etiqueta Marcus Pereira. Gravou, pelo mesmo selo, o LP Papete, berimbau e percussão. Em 1975, participou do Festival Abertura (TV Globo). Gravou, com a cantora Ornela, o disco Uomini, premiado, em 1977, como Disco do Ano. Por esse trabalho, foi apontado pela critica italiana como o melhor percussionista do mundo.
Papete grava o LP Planador com uma ampla diversidade de estilos, alinhando perfeitamente a música nordestina e a viola caipira. A cópia do LP que possuo veio com um folheto datilografado e apócrifo que não sei se a acompanha originalmente (coisas da vida em sebo), mas reproduzo aqui, pois define bem seu estilo*.
“Papete arrasta você para um universo de sons incomuns, luminosos ou sombrios, que lembram uma entrada pelos matos, um avanço em que o sol brinca de esconde-esconde, um serpentear de um riacho e, de repente, uma cachoeira. Manifesta sua força quando toca uma singela modinha, na beira da calçada, antes que a lua apareça ou quando participa de ‘folia de Reis’. Fala, de perto à parcela de sangue selvagem de cada um, provoca um chacoalhar de sentimentos, surpreende você, confunde um pouco, depois lhe permite um enriquecimento da consciência. Pode ser uma ‘brincadeira’ bastante séria: ‘Dou um doce a quem souber’… Reescreve um tempo para Papete, ouça-o várias vezes e você saberá”
* Nota do Homem Traça, produtor do blogue Criatura de Sebo
“Papete foi inspiração para toda essa gama de artistas que apareceram depois dele, é uma grande referência, não só para a música, mas como para a cultura, folclore” afirmou Chiquinho França, um dos amigos que desde a confirmação da passagem se mobilizam para prestar homenagens ao cantor. Em 10 de abril, a TV Cultura levou ao ar uma de suas últimas aparições públicas, gravada para o programa Sr.Brasil, de Rolando Boldrin.
2 comentários sobre “884 – Brasil perde Papete, ícone da música e do folclore do Maranhão; cinzas são lançadas em rio de Bacabal”