1-Vasilha feita com a casca de plantas cucurbitáceas.(cabaças)
2-Planta da família das Cucurbitáceas(Lagenaria Vulgaris).Porongo
O Barulho d’água Música vem sendo embalado por novidades fonográficas recentemente lançadas, aprovadas com louvor e com mais dez pontos de bonificação nos testes de excelência da redação: nunca antes na história deste veículo ouvimos tanta música de qualidade, material de incontestável contribuição para nosso cada vez mais precioso acervo e que tem deixado o quarteto Pablito Neruda, Leopoldo Rogério, Maria Júlia e Abigail Cristina visivelmente felizes! A mais recente aquisição, enviada de Pongaí (SP), chegou com o remetente Levi Ramiro, uma saudação particularíssima nos desejando saúde e paz e um “som purunguístico”. Purunga, álbum despachado no interior do envelope, é o nono da carreira do violeiro, compositor e artesão, um dos mais respeitados nas rodas da música caipira e regional. Mais do que gravar 17 inéditas músicas (entre as quais quatro instrumentais), Levi Ramiro procurou revelar aos amigos e fãs etapas da confecção de uma nova viola [neste caso feita de cabaça], ilustrando o encarte com fotos de Adriano Rosa nas quais aparece em sua oficina particular manuseando ferramentas e dando vida ao instrumento.
Adriano Rosa também é coautor da letra de uma das faixas, a #16, Folia: Cores do Cerrado. O mestre das lentes, por sinal, integra um seleto time de convidados para fechar o disco, seleção que inclui o violeiro Gustavo Guimarães, autor do projeto gráfico. Além deles, cantam, tocam, fabricaram instrumentos utilizados ou foram parceiros de composição de Levi Ramiro durante a gravação do Purunga Ricardo Vignini, Thomas Rohrer, Manu Saggioro, Nanah Correia, Cláudio Lacerda, Giovanni Guimarães, Magrão, Paulinho do Pandeiro, João Arruda, Norberto Motta, Paulinho Faria, Fabrício Conde, Paulo Freire, Consuelo de Paula, João Evangelista Rodrigues, Zé Esmerindo, Paulo Cesar Nunes, Aidê Fernandes, uma afinada Orquestra de passarinhos cujo solista é a Siriema, João Bá, Josiane Gioacomini, André Ferraz, Diovani Bustamante, e Toshiro.
Natural de Uru, pequena cidade do interior paulista, atualmente radicado em Pirajuí, o violeiro e artesão Levi Ramiro migrou do violão popular para a viola, adotando-a como principal instrumento, em 1995. Com a mudança, absorveu um universo cultural que veio de encontro às próprias raízes, motivo pelo qual ampliou a produção musical, tanto na arte de tocar, quanto na de fabricar o instrumento. Com base nos valores caipiras e misturando elementos que formam nossa Música Brasileira, Levi Ramiro celebra em suas composições a poesia e a simplicidade da vida interiorana. Tem composições gravadas por: Ana Salvagni, Matuto Moderno, Dércio Marques, Paula Veloso, Tânia Grinberg, Jorge Curuca, João Carlos e Maurício, Duo Catrumano (Elias Kopcak e Rodrigo Nali), Carlos Vergalin, Valdir Verona, João Arruda, Zé Esmerindo e demais parceiros. Suas composições com temas voltados à preservação da natureza foram usados como trilha no vídeo educativo Cerrado, o berço das águas, produzido pelo Instituto Ambiental Vidágua (Bauru/SP).
Participou na direção musical dos discos As liras pedem socorro (Socorro Lira), Sentimento matuto e Capim dourado (Júlio Santin), Canto das horas (Adriano Rosa), Lufada em Viola de Cocho e Viola e sentimento (Daniel de Paula), Estilo Caipira (Mauro Silva e Oliveira), Viagem violeira(Carlos Vergalin), Viola de Lua (Luciano Queiroz) e Cavaleiro Macunaíma (João Bá).
Violeiro, por Josiane Giacomini
As cordas de uma viola são como os trilhos de um trem… Têm linhas de escape, de recuos, breques… improvisos. E neste território quem faz a viagem define a toada que vai levar. Algumas vezes a linha é reta. Noutras, há inúmeras idas e vindas para se chegar ao mesmo lugar. Para alguns, as imagens da janela vão além das paisagens… Às vezes, num rincão escondido no pé da serra, um saber genuíno se apresenta e ensina. Com o compositor, músico e artesão de instrumentos Levi Ramiro a vida sempre foi assim…
Fazer e tocar viola não são coisas dissociadas. Pelo menos não na vida de Levi Ramiro. É tudo junto, no mesmo balaio. Mas, claro, ainda tem as casualidades (ou será destino?).
“Certa vez, andando pela avenida São João, em São Paulo, entrei em um sebo”, diz. Podia não ter encontrado nada, mas deu de cara com o livro Cocho Mato-grossense: um Alaúde Brasileiro, da professora e pesquisadora Julieta de Andrade. “Fiquei curioso, comprei e depois me encantei com o livro”.
Veio a inspiração. “Partindo do princípio da fabricação da viola de cocho, pensei em fazer uma viola caipira escavada de uma madeira só”. Não deu outra. “Comprei pontas de pranchas de cedro, caixeta, freijó e outras madeiras mais leves. Desenhava o contorno da caixa de onde sairia o fundo e a lateral escavava primeiro, depois cortava o contorno. Em seguida, na sequência, colocava tampo, braço, escala, trastes, cavalete, tarraxa etc…”.
Acabou por fabricar cerca de 45 violas escavadas, de diferentes tamanhos e formas. “Usei também a fórmica para fazer fundo e lateral. Fiz três violas de fórmica. Cabeça, cabaça/ Basta uma letra e o pensamento vira som.
Os tipos de matéria-prima empregados por Levi Ramiro na confecção de suas violas também chamam a atenção. E, outra vez, ele seria instigado por um livro (Viola Caipira, do músico e pesquisador Roberto Corrêa). “Foi a primeira vez que vi uma viola feita de cabaça”.
“Sempre fui encantado pelo trabalho simples e objetivo do artesão matuto, intuitivo, sem muito padrão, aquele que não tem muitos recursos nem ferramentas, não faz acabamento requintado e usa muito do que a natureza tem”, resume.
Foi desta forma que começou a fabricar a viola de cabaça. “Por ela ser assim, totalmente despadronizada, é na fabricação que eu tenho que mudar algumas coisas, criar algumas estruturas, porque a cabaça não tem o volume e a lateral de um instrumento normal”.
E apesar das dificuldades que a feitura de um instrumento de cabaça impõe, esse material, também chamado de purunga, porongo, cuia… proporciona um corpo surpreendente para um instrumento, em função das “diferentes formas, pela beleza orgânica e estética que apresenta, o que particularmente me atrai”, confessa Levi Ramiro.
É que a ausência de um padrão pré-definido permite, segundo ele, que apareçam “diferentes timbres e poucas características básicas na sonoridade”.
O ofício de Levi Ramiro, como ele mesmo define, “tem muito de querer traduzir a natureza do som, a espontaneidade, de não estar contaminado por uma questão mercadológica”. Em três frases: “ Sou desse jeito. De sentir a música. Acredito nisso”.
Os instrumentos usados na gravação do álbum Purunga foram fabricados por Levi Ramiro, exceto: vaso de cerâmica, que pertence a João Arruda, usado na faixa Jandaíra; calabash, vinda de Mali (África), que pertence a André Rass, usada nas faixas Flor do Guapé, Purunga, Zé Limeira num afoxé lá em Tietê e Realejo de cantigas; Pandeiro, fabricado por Paulinho do Pandeiro, usado nas faixas Pegapacapá e Zé limeira num afoxé lá em Tietê; chocalhos, fabricados por Thoshiro, usados na faixa Diz aí, Curupira.
Simplesmente maravilhoso a arte de Levi Ramiro. Parabéns à Barulho D’Água por esse texto primoroso e super informativo. Abraços à todos e viva a viola brasileira !
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