O compositor, arranjador e multi-instrumentista André Siqueira, natural de Palmital (SP), atualmente radicado em Londrina (PR), é um dos finalistas do Prêmio Profissionais da Música (PPM). Caso consiga superar os concorrentes e fature no final deste mês o troféu de Melhor Artista da categoria Instrumental, o músico espera conseguir maior projeção para sua obra em cuja carreira solo se destacam dois álbuns. O mais recente, Catamarã, de 2016, deriva de bem-sucedida campanha virtual (crowdfunding) para financiá-lo. O disco é composto por nove faixas, conta com apresentação de Egberto Gismonti e uma regravação de Chovendo na Roseira (Tom Jobim). Nesta semana, Catamarã passou a fazer parte do acervo do Barulho d’água Música ao lado de lithos, o primeiro do músico doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) com a tese A sonata de Deus e o diabolus: nacionalismo, música e o pensamento social no cinema de Glauber Rocha.
Catamarã trabalha com novas linguagens no universo da música brasileira, a partir de improvisações e de arranjos para sopros, cordas e percussão e entre outros nomes conta com a participação da cantora mineira Titane. O repertório flerta com técnicas composicionais da música do século 20 e a cultura popular brasileira de matriz rural, buscando a releitura do modernismo dos anos da década de 1920 e também, uma atualização da corrente nacionalista, deixando transparecer a vivacidade e força de nossa música.
O nome escolhido por Siqueira para batizar o seu segundo disco remete às embarcações com dois cascos (vulgarmente chamadas “bananas”), cuja propulsão ocorre à vela ou por motor e que se destacam por elevadas estabilidade e velocidades em relação aos barcos monocascos. Estas características, sublinha Siqueira, deixavam europeus de queixos caídos quando, em viagens pelo mar, chegavam à Polinésia, onde as catamarãs têm origem. “As informações que eu procurava desde o início nas considerações , uma história tradicional, com princípio, meio e fim, eu não achei”, apontou Egberto Gismonti no encarte de Catamarã. “Achei outra coisa com a mesma valia e dimensão da desejada história”, prosseguiu o autor de Palhaço, clássico do álbum Mágico, que o guitarrista carioca gravou com o baixista Charlie Haden e o saxofonista Jan Garbarek (1979/1980). Achei a trilha sonora de um sonho, que não tem princípio, meio e fim. Tem o sonho que carrega, a reboque. a desobrigação da história com princípio, meio e fim.”
André Siqueira já havia atingido um universo sonoro particular quando finalizou a gravação de lithos. Os diálogos entre os músicos surgiram em improvisações nas quais os sons inusitados da guitarra portuguesa e da viola caipira se materializaram em construções musicais que flertam com o Jazz e com matrizes da cultura popular brasileira. A ideia de improvisação utilizada parte da liberdade que transcende clichês e busca uma real interação na construção musical, em tempo real; lithos reúne composições instantâneas que abarcam vários estilos e tendências musicais, da música modal ao século XX. O músico destaca que se interessa tanto pelo processo de improviso que considera suas criações mais próximas de roteiros a serem seguidos do que uma obra fechada. “Não sei nem se são composições, são proposições musicais.”
Além do doutorado já mencionado, André Siqueira é mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escola na qual desenvolveu pesquisa sobre os procedimentos composicionais do italiano Giacinto Scelsi. Formado em Música pela Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR), atualmente é docente da instituição e responsável pelas disciplinas de Harmonia e Contraponto, Arranjo e Percepção. Foi coordenador da Pós-graduação em Música (2008- 2010) e professor na habilitação de Arranjo Musical. É autor do livro Giacinto Scelsi: improvisação, orientalismo e escritura, lançado pela EDUEL em 2011, no qual discute os procedimentos composicionais e a biografia do compositor italiano. Em 2011 ministrou a conferência A voz do morro: samba e resistência cultural no âmbito do Colóquio Internacional “Voci dal margine. La letteratura di ghetto, favela, frontiera realizado em maio na Universidade de Siena (Itália) e publicado no livro de mesmo nome em janeiro de 2012.
Flautas, guitarra elétrica, violões, viola caipira, contrabaixo e guitarra portuguesa são alguns dos vários instrumentos que André Siqueira utiliza como meio para a construção de sua escritura musical. Em sua trajetória pontificam experiências diversas em cultura popular e pesquisas em Música Contemporânea renderam convites para gravar com vários músicos, participar de diversas mostras e festivais e à seleção pelo programa Rumos Itaú Cultural/Música (categoria Coletivo) no biênio 2010-2012 dentro do qual, em março de 2012, participou de um show em comemoração aos 25 anos do Instituto Itaú Cultural tocando com Gilberto Gil. Em 2009, integrou o Circuito Syngenta de Viola, ocasião na qual dividiu o palco com Paulo Freire e Levi Ramiro e que resultou em um álbum com violeiros de todo o país e no qual Siqueira, junto com Zeca Collares, assina a faixa Brincando com as crianças e utiliza viola de 14 cordas.
Em novembro de 2009, André Siqueira participou do projeto Vozes de Mestres – Festival Internacional de Cultura Popular, realizado em Natal (RN), junto com a cantora Déa Trancoso e com Egberto Gismonti. Dois anos antes participara da gravação do DVD Violeiros do Brasil, com produção de Myrian Taubkin, acompanhando Pereira da Viola; dentro deste projeto já dividiu palco com Almir Sater, Pena Branca, Paulo Freire e Ivan Vilela entre outros.
André Siqueira também lecionou violão e improvisação na Universidade Federal de Ouro Preto (MG) e no Projeto Arena da Cultura da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (MG), entre 2004 a 2007. Em 2006, abrilhantou o 2º Festival de Cinema de países de línguas portuguesas, na cidade de Lagos, Portugal. Foi diretor artístico e curador do projeto Viola Popular realizado em Belo Horizonte, ainda em 2006, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e com patrocínio da Natura Musical, no qual “mestres” de cultura popular compartilharam o palco com músicos que utilizam linguagens contemporâneas. Em 2005, tornou-se finalista do Prêmio Syngenta de Viola Caipira, realizado no Teatro Alfa (SP). Em 2001, participou do III Mercado Cultural, realizado na cidade de Salvador (BA). Atua como produtor/diretor musical e arranjador nos trabalhos de Déa Trancoso, Luca Bernar, Pereira da Viola, Rodrigo Delage, Rubinho do Vale, Titane, Wilson Dias e Zeca Collares, além de seu próprio trabalho como compositor e instrumentista no qual música brasileira e improvisação surgem como elementos principais.
Linguagens afinadas
A discografia de André Siqueira conta ainda com Afternoon Improvisation que resulta de uma sessão de improvisação livre realizada em conjunto com o violonista Camilo Carrara. Duas horas de performance, gravada no estúdio da Faculdade Cantareira em São Paulo por Ricardo Marui e lançada em 2014 no formato digital pela Tratore. Os caminhos percorridos pelos dois violões mostram uma grande afinidade de linguagem entre os dois músicos e nos leva a pensar que essa música poderia ter surgido a partir de um texto fechado e não do improviso. Em vários momentos a sincronia é tão grande que as idiossincrasias desaparecem e o que resta são as texturas dos dois instrumentos em um constante diálogo musical.
Festa será do DF
Os vencedores do Prêmio Profissionais da Música, que neste ano chega à terceira edição, serão divulgados nas noites de 28 e 29 de abril no Cota Iate Clube, situado em Brasília (DF).
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