A cantora, compositora e escritora Socorro Lira é uma das finalistas do 28º Prêmio da Música Brasileira, que será entregue aos vencedores de 2017 em 19 de julho, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A paraibana de Brejo do Cruz radicada em São Paulo concorre ao troféu de Melhor Cantora Regional com a catarinense de Joinville Ana Paula da Silva (Raiz Forte) e a paraense Dona Onete (Banzeiro) com o livro-álbum Cores do Atlântico — lançado pelo selo Pai Música para Espanha e Portugal em 2010 e com edição brasileira em 2016 pela Latus Editora (UEPB) –, obra que apresenta uma nova perspectiva sobre as cantigas de amigo a partir de uma dupla dimensão, a teórica e a musical. No primeiro caso, Cores do Atlântico oferece inédita argumentação sobre a origem de uma tradição oral, sustentada por mulheres, conforme tese defendida pela holandesa radicada na França Ria Lemaire. Do ponto de vista musical, consegue-se moderna abordagem da melodia das cantigas por meio da integração de sonoridades galegas, portuguesas, africanas com ritmos brasileiros como ciranda, samba, batuque, baião, congo, aboio e toada nordestina, revelando um rico patrimônio comum a três continentes banhados pelo oceano.
As faixas do álbum contam com os arranjos do brasileiro Jorge Ribbas e participações das Cirandeiras de Caiana de Crioulos (AL), de Margareth Menezes, e de Cida Moreira. Eneida Marta, da África, colabora com ritmos da Guiné-Bissau entre os quais Gumbé, Morna ou Singa. João Afonso e Teresa Paiva respondem pela expressão portuguesa e a sonoridade da gaiteira do Porto. Leilía e Uxía Senlle representam a Galiza e recriam cantigas medievais galego-portuguesas outrora entoadas por mulheres.
Especialista em Literatura Medieval da Universidade de Poitiers (França) Ria Lemaire ficou responsável pela face literária do álbum e escreveu em Cores do Atlântico um trabalho de divulgação das cantigas de amigo como as primeiras mostras do patrimônio cultural galego-português que nos chegaram por via acadêmica: os primitivos cantos de mulheres. Por esta ótica, Ria oferece uma releitura do contexto e do significado destas cantigas como expressões de uma tradição oral que se manteve viva no território de origem, bem como nos demais lugares até onde chegou, seja por ocasião do processo de colonização e/ou levada por imigrantes.
Uma coleção de lâminas do artista Quique Bordell, de Lugo (Galiza), encomendadas para cada uma das 15 cantigas do disco, ilustra a luxuosa edição. O estilo de Bordell utiliza diferentes técnicas de colagem, com uma proposta vanguardista sobre as letras das cantigas de amigo. O artista é uma das referências mais interessantes da arte galega moderna e a obra dele vem sendo relacionada com a de Antoni Tàpies (Barcelona/Espanha) ou a do mestre Jean Dubuffet (Le Havre/França). A capa de Cores do Atlântico é de autoria do artista plástico brasileiro Anderson Augusto, que desenhou uma mulher que canta e cria cantigas e que traz, no próprio corpo, a função de ligar os continentes e os laços por vezes quebrados.
A adaptação e a versão das letras das cantigas medievais, assim como as melodias, são de autoria de Socorro Lira, com as colaborações de Gonzalo Navaza e Ria Lemaire.“As cantigas eram cantadas por mulheres, na atual euro-região Galiza-Norte de Portugal, há mais de 900 anos, transcritas por jograis e trovadores galegos e portugueses que assumiam a autoria”, declarou Socorro Lira. A pesquisa e a gravação foram custeadas com recursos da própria Socorro, entre 2006 e 2010; com apoio da Organização Não-governamental (ONG) galega Ponte nas Ondas!
O livro conta com um texto introdutório da professora Maria do Camiño Noia Campos (da Universidade de Vigo), aqui transcrita em sua língua original:
“Cores do Atlántico é, en definitiva, unha obra diferente, innovadora, da que gozarán os espíritos abertos; mais é tamén unha creación transgresora que, talvez, chegue a escandalizar as conciencias dos académicos tradicionais que non gustan de innovacións. Pois, ademais da ousadía de darlle ás mulleres a autoría das composicións paralelísticas, a obra subverte a cultura canónica ao fusionar a lírica medieval cos ritmos afrobrasileiros.
Porén, a mestizaxe cultural das composicións do vello mundo galego-portugués vén enriquecer a cultura peninsular con evocadoras sonoridades de mundos distantes que proxectan o noso patrimonio galego-portugués cara a un futuro de universalidade.”
Periferias, sertão e floresta
Socorro Lira ganhou como Melhor Cantora o Prêmio da Música Brasileira em 2012 pelo álbum Lua bonita – Zé do Norte 100 anos e no ano passado esteve entre as indicadas, na mesma categoria, por Amazônia entre águas e desertos. Antes de embarcar para o Rio de Janeiro de onde espera voltar com a nova conquista, cantará para o público paulistano nesta sexta-feira, 14 de julho, a partir das 21 horas, apresentando-se na rua Clélia 285, em casa de espetáculos situada no bairro da Lapa. Ao lado da percursionista Cássia Maria, Socorro Lira protagonizará Minha Canção, show no qual seguirá repertório autoral que aborda temas reveladores das paisagens natural, humana e social, enfocando ainda aspectos relacionados à cultura brasileira, à existência e à fragilidade com que a vida se apresenta nas periferias das grandes cidades. “Periferias no plural”, enfatiza Socorro, “pois também são abatidas as populações que vivem nos interiores do país, do sertão à floresta, nas fronteiras.”
Para mais informações e compra de ingressos há o telefone 11 2628-4211.
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