981 – Clareza, despretensão e singularidade são marcas de Bernardo do Espinhaço (MG), compositor das montanhas e dos sertões

O Barulho d’água Música volta os holofotes novamente para Minas Gerais e apresenta aos amigos e seguidores Bernardo Puhler, cantor e compositor atualmente morador de Belo Horizonte, oriundo de Santana do Riacho, cidade situada entre as serras do Cipó e do Espinhaço. Esta segunda cadeia montanhosa, localizada no Planalto Atlântico, estende-se por Minas Gerais e Bahia, é  formada por terrenos proterozóicos ricos em jazidas de ferro, manganês, bauxita e ouro e passou a compor não apenas o nome de cair na estrada, mas a identidade artística e a alma do trabalho do músico que assina como Bernardo do Espinhaço. Ainda menino, entre os oito e os nove anos, conforme puxa pela memória, Puhler já compunha e cantava, ensaindo, assim, os primeiros passos para a trajetória que já conta com seis álbuns inspirados nas montanhas e nos sertões — dos quais três autorais e os demais gravados com o grupo Músicas do Espinhaço. Pela ordem, os títulos são Um Disco pra Serra do Espinhaço (2003); O Encontro das Cordilheiras (2010); Jardim do Mundo (2011); Janelas (2013), O Alumbramento de um Guará negro numa noite escura (2014); e Manhã Sã (2015).

Quem os dois mais recentes álbuns para rolar pela primeira vez nota semelhança entre os timbres vocais do autor deles e do conterrâneo Ladston do Nascimento (Ladston do Nascimento, em breve, merecerá uma matéria exclusiva). A música que Bernardo do Espinhaço compõe, entretanto, é das mais particulares e chegou a ser classificada por um jornalista como MPMMúsica Popular de Montanha, desdobrando-se as iniciais. De fato a utilização de instrumentos de sopro como flautas transversais em algumas das faixas remete a templos orientais, faz lembrar tanto sonoridades presentes na new age music, quanto em cantos indígenas e ancestrais — valores que emolduram, também, por exemplo, composições da cantora, arranjadora e multiinstrumentista Priscilla Ermel. Bernardo do Espinhaço declara que gosta da denominação MPM, mas observa: os estilos que mais o agradam, inspiram e poderiam melhor definir a obra que assina transitam entre a MPB, o indie e o folk. 

 

“O Clube da Esquina é uma influência eternamente residual: a ele se misturam boa parte da produção indie brazuca e gringa contemporânea”, comentou Bernardo em contato com o Barulho d’água Música. “Mais recentemente tenho escutado muito figuras como Justin Vernon (Bon Iver), S. Carei, Sufjan Stevens, Nick Mulvey, Alt-J, James Vincent McMorrow, que são de fora”, prosseguiu. “No Brasil, escuto Cícero, Carne Doce, Versos que Compomos na Estrada e os colegas aqui de Minas: Rafael Martini, Alexandre Andrés, Antônio Loureiro e Kristoff Silva, entre outros”.

Em novembro, Bernardo do Espinhaço deverá desembarcar em Sampa para  apresentações em busca de ampliar um pouco mais a projeção dele para além dos roteiros que traça no estado natal — em especial por Beagá e as cidades do Espinhaço, entre as quais estão Ouro Preto, São João Del Rei, Sabará, Serro e Catas Altas. Raros, os discos que já gravou podem ser comprados durante os shows (vendas pela internet estão encerradas devido aos reduzido estoques). Outro caminho é baixá-los do portal eletrônico do músico ou curti-los em plataformas de streaming como Deezer e Soundcloud. O portal Em Canto Sagrado da Terra disponibiliza boas cópias de Guará negro… e Manhã Sã no formato MP3, acompanhados pelos textos abaixo, extraídos da página eletrônica do cantor e compositor.

 

Resistência guarnecida de esperança

Nascido num alto de serra entre as águas mansas da Cordilheira do Espinhaço, Bernardo agora assina o nome das montanhas que permeiam suas canções. Paisagens de pedras, flores, rios e os povos isolados do sertão ocupam onipresentes a linguagem do músico. Bernardo é um homem interessado pelas lonjuras. De lá ele traz o violão, a viola caipira, o acordeão e a flauta transversal. Mas sua linguagem musical converge pra contemporaneidade e o músico soma sem temor programações eletrônicas, guitarras e toda parafernália capaz de distorcer e modificar o som, tornando-lhe visceral e próprio.

 

Entre 2003 e 2013 foi o criador e o principal compositor do Músicas do Espinhaço — banda com a qual lançou três discos e teve o maior número de apoiadores e recursos recolhidos por meio de um projeto de música na história do crownfunding em Minas Gerais. Bernardo é parceiro de artistas como o fundador e letrista do Clube da Esquina Márcio Borges e do irmão de Márcio, Lô Borges, e do cantautor cearense Joaquim Izidro. Está também muito relacionado às causas ambientais, participando ativamente de diversos movimentos pela criação de parques e projetos de sustentabilidade nas montanhas brasileiras.

Presente em diversas listas de melhores discos de 2014, O Alumbramento de um Guará Negro numa Noite Escura, o primeiro exclusivamente autoral de Bernardo do Espinhaço, é, como se lê, uma ode ao noturno. Propositadamente contrastado com o antecessor, Manhã Sã, serve-se do sol para acontecer. O set inicial do disco, com cinco canções, é solar e percussivo, repleto de programações eletrônicas, assinadas pelo próprio músico, mas também por GA Barulhista, nome frequente nas trilhas de teatro e dança em Minas. Com a temática recorrente de Bernardo, sempre emoldurada pelos estonteantes cenários da Serra do Espinhaço, e os baixos jazzistas oitavados de Frederico Heliodoro, estas canções iniciais se apresentam plurais. Cidades devastadas pela mineração, a simplicidade de um menino entregue aos prazeres num banho de rio ou a paixão erotizada pelos adornos da natureza são alguns dos temas presentes.

Mais acústico e ralentado, o segundo set propõe densidade, porém igualmente ensolarado e acessível. Momento ideal pra ser preenchido pelo pianista e arranjador Rodrigo Lana, e também pela rica concepção rítmica de Gustavo Campos e Rafael Furst. Num momento, o poeta Manoel de Barros é o alvo lírico de umas das canções, noutro o tom confessional do amor fraterno, em canção feita para seu pai e avô. O pico do Itacolomi, em Ouro Preto, o Parque Nacional Sempre-vivas e a Chapada Diamantina são alguns dos lugares retratados.

Nas 12 faixas, todas de sua autoria, Bernardo canta, toca violão, viola caipira, piano, flauta transversal, baixo, percussões e assina programações eletrônicas. Conta também com a presença dos notáveis talentos da nova cena musical mineira Alexandre Andrés, Frederico Heliodoro, Rodrigo Lana e Yuri Vellasco. O disco  foi gravado, mixado e masterizado pelo próprio Bernardo sob a supervisão de César Santos, Arthur Damásio e Kiko Klaus. No encarte, utiliza fotografia de André Dib, referência em imagens de montanhas no Brasil.

Canções e temas instrumentais se sucedem conduzindo o ouvinte a um universo ermo e misterioso. A proposta no entanto, cede espaço para abordagens curiosas. Enquanto a faixa Aracy discursa sobre a vida da segunda esposa de Guimarães Rosa, Pam oferece reflexão a respeito da dependência de medicamentos ansiolíticos.

5 comentários sobre “981 – Clareza, despretensão e singularidade são marcas de Bernardo do Espinhaço (MG), compositor das montanhas e dos sertões

  1. Seu trabalho é um garimpo valioso, Daniel, tem ajudado demais na missão do blogue de divulgar trabalhos independentes! Admiro-me de teu “fôlego”! Um abraço e siga nos brindando com estas raridades e obras, primas, sim senhor!

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