“O Brasil não conhece o Brasil”, em uma adaptação do refrão que remete às Querellas do Brasil, na qual Aldir Blanc e Maurício Tapajós escreveram “O Brazil não conhece o Brasil” para a canção imortalizada por Elis Regina em Transversal do Tempo (1978), é um bordão difícil de contestar em qualquer campo ou assunto artístico-cultural que se ponha em debate na roda. Para ficar apenas no vasto terreiro da música de Pindorama, a se julgar pelas playlists da maioria das emissoras de rádio, ainda vale mais por estes trópicos a frase original de Blanc e Tapajós, aquela com “z”. Em um país que embora apresente variedade de estilos e de ritmos – que vão do samba ao caipira, do baião ao chamamé, do fandango ao xaxado, do choro ao Clube da Esquina –, tem prevalecido a porcaria movida tanto a jabá, quanto pela preguiça de programadores — se ruins ou sonsos, mesmo, pouca diferença faz. Entretanto, desde que a internet passou a oferecer ferramentas não apenas para divulgar, mas também compartilhar obras e carreiras, os hábitos de consumo e de produção de música vêm mudando, possibilitando a criação de públicos mais críticos, pluralistas e exigentes. E nesta onda blogues e serviços de streaming conseguem democratizar e oferecer (a baixos ou totalmente sem custos) não apenas novidades e lançamentos que a mídia teima em desprezar, sobretudo os alegadamente “independentes”, deixando disponível na rede para serem baixados em tablets, computadores e celulares conteúdos dos mais diversificados, ecléticos e muito, muito bons.
O Terra Brasilis é um exemplo dos mais ricos neste nicho da blogosfera dedicado à espalhar música de qualidade e dar um totó na mesmice midiática. Álbuns ainda cheirando à recente prensagem ou tão antológicos quanto raros de cantores, duplas, grupos e bandas de vários estados e estilos brasileiros, garimpados por Daniel Lamounier Paim e compartilhados com amigos e seguidores, alimentam inclusive este Barulho d’água Música — que mais uma vez recorrendo a esta mina destaca nesta atualização o trabalho do grupo manaura Imbaúba, nome que remete à árvore que do solo devastado brota, também conhecida como Mãe-da-terra. Da família das Cecropiáceas, produz um fruto macio e doce muito apreciado por aves, morcegos, bicho preguiça e outros animais. Desse símbolo de resistência e inspirado nele surgiu a proposta de o grupo repercutir nas composições matizes sonoras da Natureza que vão de ritualísticas tribais e nuanças do canto dos pássaros ao etéreo bailar de árvores seculares da Amazônia. O resultado é uma projeção sinestésica de ritmos e de sons orgânicos que promovem a perfeita comunhão dos sentidos.
Propondo sensações ainda não vividas, mas pulsantes no seio da floresta, no coração do caboclo e concebidas para disseminar o respeito ecológico, em uníssono o Imbaúba canta, ainda, a esperança e a razão de ser das coisas, a voz engasgada da Natureza devastada, a dança dos banzeiros, o singrar dos rios, a voz da cabocla lavadeira; canta a humanidade esquecida e o zunir espectral das matas: canta, enfim, a voz do homem disposto a escrever uma nova página de preservação da vida.
Fundado pelo poeta Celdo Braga, o Imbaúba reúne os músicos Rosivaldo Cordeiro, João Paulo Ribeiro, Roberto Lima e Sofia Amoedo. O repertório, basicamente instrumental e acústico, revela composições próprias compostas a partir de sonoridades orgânicas: vale captar e registrar, por exemplo, trinados de pássaros, farfalhar de folhas, do remo e do barulho da água sendo ‘esgotada’ da canoa entre tantos sons e ruídos que ocorrem na floresta, temperados pela magia e pela mística que emanam do universo amazônico. Com este perfil, o Imbaúba já lançou cinco álbuns autorais e uma coletânea e dois discos autorais e vem trilhando sua trajetória dentro e fora do Brasil, oferecendo concertos até mesmo para autoridades que visitam o Amazonas, uma delas, Charles, o príncipe herdeiro do trono inglês, em 2009.
A poesia do Imbaúba, em síntese, verte da pena de um nativo vocacionado em cantar a Amazônia, lastreada em sua vivência ribeirinha, mas igualmente engajado à literatura universal. Formado em Letras pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Celdo Braga nasceu em Benjamin Constant (AM), cidade a 1.118 quilômetros de Manaus, na fronteira com o Peru. É membro da União Brasileira de Escritores com carreira musical que completou em julho 35 anos marcada pela atuação, também, junto ao grupo Raízes Caboclas (projeto artístico-musical já extinto, também centrado na temática amazônica, anterior ao Imbaúba) e, mais recentemente, o novo Projeto Gaponga.
O contato de Celdo Braga com a arte começou quando ele tinha apenas 11 anos, ainda em Benjamin Constant. Na escola, participou e tirou o primeiro lugar de um concurso com o poema Faça o bem sem olhar a quem. Aos 15 anos, o jovem conheceu outro poeta, argentino (de cujo nome não se lembra mais), que o incentivou a singrar os rios da poesia. Já seu pai “de criação”, como ele se refere ao nordestino que o criou, estimulou-o a ir adiante neste caminho por meio da literatura de cordel. Hoje, as próprias vivências e raízes o ajudam a escrever e compor.
João Paulo Ribeiro, natural de Parintins (AM), adquiriu vasta experiência atuando em festivais e com artistas, em âmbito regional e nacional, como membro do Imbaúba ou músico convidado em outras formações. A bateria é seu instrumento básico, bateria, mas Ribeiro é admirado pela capacidade de misturar os sons de vários outros de percussão e pela forma particular de executá-los, inclusive os de criação artesanal própria.
Rosivaldo Cordeiro Santana, violonista nascido em Manaus, iniciou seus estudos em violão aos 11 e com 14 anos de idade já tocava em bandas da cidade. Um ano depois, já dominava com a mesma habilidade outros cordofones como cavaquinho, charango, bandolim, banjo, guitarra e violãode 7 cordas, passeando assim por todos os ritmos inerentes aos instrumentos. Hoje além de músico de destacado prestígio, membro do Grupo Carrapicho, do Imbaúba e líder do grupo de choro Jacobiando, é produtor musical e arranjador com vários registros fonográficos.
O paraense de Santarém João Roberto Pereira Lima começou a carreira musical em corais de igreja, aos 10 anos. Aos 14 matriculou-se na escola de violão e passou a cantar como acompanhante em eventos musicais e festas da cidade. Ao desembarcar em Manaus, em 1998, ingressou na banda Coquetel e seis anos mais tarde iniciou a carreira solo, tendo como marco a participação no Fecani. Roberto Lima tornou-se atração também em casas noturnas e bares temáticos manauras e além da participação nos álbuns do Grupo Imbaúba, lançou Olha já – Nas águas do amor – Cantando poemas de Celdo Braga.




Com esta Missa Amazônica, tecida pelo talento do grupo Imbaúba, nossa terra, nossas águas, nossos frutos, nossos animais, encantados e nossa gente, sobem ao céu como orvalho da manhã. As palavras, os ritmos e sons da floresta penetram em nosso coração, como a chuva que fecunda a terra. E, assim, acontece o maravilhoso encontro:
“Deus conosco e nós com Deus”. São canções de louvor pela criação, de pedido de perdão ao Criador e de amor às criaturas. Canções de compromisso e de denúncia, de alegria e de festa. Canções que fortalecem a comunhão, que fazem reviver a esperança.

A vida a todo instante solicita mudança e transformação para perpetuar, no compasso do tempo, a existencia de cada ser.
Natal Amazônico, obra poética e musical do Grupo Imbaúba, metaforiza o espírito transformativo cristão, expresso nas singelas imagens de um Natal permanente, espelhado em cada flagrante da existência, como nos lembra o poeta Alcides Werk: No reino das amazonas/ há Natais todos os dias/ que vêm rolando dos Andes/ nas águas brancas e frias./ Nas copas das piranheiras/ nos frutos dos araçás/ nos ninhos dos japiins/ nos gestos dos animais./ Há Natais todos os dias/ nas orquídeas nos tajás.
Um olhar atento à vida perceberá no nosso Natal Amazônico a mensagem do Beija-flor trazendo seu Menino Jesus e, Nele, a paz tão sonhada por todos os povos.

Embarque nessa canoa e tente perceber nas nuances de cada nota a paisagem encantada que esta obra enfeixa.
Coletânea, produzido por Celdo Braga, em novembro de 2012
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