996 – Juliana e João Paulo Amaral apresentam “Açoite” como atração do Composição Ferroviária em Poços de Caldas (MG)

A voz marcante de Juliana Amaral e a viola vigorosa de João Paulo Amaral serão atrações neste domingo, 10 de setembro, em Poços de Caldas, cidade do Sul de Minas Gerais. Os irmãos levarão ao público que prestigia o projeto Composição Ferroviária o espetáculo Açoite, baseado no nome do quarto álbum de Juliana (selo Circus) disco de 2016 cuja direção musical e arranjos couberam a João Paulo. Marca registrada em todas as edições do projeto Composição Ferroviária, o show de abertura sempre é reservado a músicos locais e começa às 10 horas, no pátio da estação da antiga rede Mogyana. Para esta nova rodada, os produtores Wolf Borges e Jucilene Buosi convidaram Jesuane Salvador, intérprete que  oferecerá à plateia um repertório que contempla da MPB ao Jazz.

A coexistência do antigo e do novo pode ser entendida como um emblema brasileiro: o moderno não extingue o arcaico, mas dele se alimenta; herança colonial, açoite contemporâneo – tudo desigual e combinado. Deste casamento nascem e persistem as tradições culturais brasileiras em toda sua complexidade, entre elas manifestações como o samba e a música caipira. E o encontro das pesquisas de Juliana e de João Paulo Amaral busca, de diferentes modos, entender essas tradições sob um prisma reflexivo, constitui o mote para o projeto Açoite, trabalho dos mais elogiados pelos críticos. “Juliana Amaral levanta a voz em Açoite para retratar um tempo de guerra: por vezes, Açoite soa até como um disco de tempos idos, remetendo às sombras das décadas dos anos 1960 e 1970”, apontou, por exemplo, o jornalista musical Mauro Ferreira. “Mas o tempo de guerra gira num instante e eis que chega a roda viva da vida, carregando ‘açoite’ e a viola para cá – para os sofridos dias de hoje”, conclui Ferreira em sua revista virtual Notas Musicais.

As canções 13, entre inéditas, composições próprias e regravações do álbum  de 68 minutos pretendem provocar tensão em relações como tradição x modernidade e campo x cidade, por exemplo. Assim, tanto do ponto de vista poético, quanto do musical, a eletricidade que leva ao choque vem conduzida pelo repertório, cujos fios   entrelaçam “açoites” que há sucessivas gerações perturbam a convivência e a interação social, destacando temas como solidão, abandono, violência, desamor, não-pertencimento, entre outros. Atingir este propósito impôs contornar vários desafios e um dos mais complicados — gravar a releitura da monumental Matita Perê (Tom Jobim/ Paulo César Pinheiro), cuja orquestração original parecia indissociável da composição – pôs à prova a maestria e a técnica de João Paulo para conceber um colorido arranjo para viola caipira.

Para reverenciar o cancioneiro caipira os irmãos também não tiveram escolha das mais fáceis. As selecionadas contemplaram Rio de Lágrimas, joia de raro lirismo composta por Tião Carreiro, Piraci e Lourival Santos, e Padecimento, moda de viola de Carreirinho, seguida de modo tradicional em dueto por Juliana e João Paulo. Tom Zé contribuiu com Carta, canção que versa sobre as distâncias, os abandonos, aquilo que não podemos ou não conseguimos dizer. Um trem para as estrelas, de Gilberto Gil e Cazuza, recebeu arranjo que combina ijexá e funk para denunciar que navios negreiros ainda singram por nossos mares sociais. Há ainda Léo, rara parceria de Milton Nascimento (uma das principais referências da cantora) com Chico Buarque, e Vassalo do Samba, samba de beleza extraordinária de Ataulfo Alves.

Um dos grandes compositores contemporâneos, Douglas Germano, está presente em Açoite com as  inéditas Cosme (samba rápido que empresta de Mário de Andrade o cenário de Pauliceia Desvairada), Marcha do Homem Bala (que fala sobre o Carnaval, nosso açoite primordial) e Pra Rua (letra oportuna que Germano escreveu para Juliana Amaral musicar, inaugurando a parceria dos dois). Desvão, música de Juliana para poema de Humberto Pio, parceiro de música e de vida; Gases Puro, canção de Lincoln Antonio para fala de Stela do Patrocínio que está no espetáculo Entrevista com Stela do Patrocínio – no qual Juliana atua há mais de dez anos; e Brado Aberto, tema instrumental composto por João Paulo Amaral completam a trilha.

Composição Ferroviária é uma iniciativa da Mecenaria Brasil para a qual os produtores Wolf e Jucilene contam com patrocínio da Codemig, do Governo de Minas e o apoio das Secretarias de Cultura e Turismo de Poços de Caldas, de empresas locais da iniciativa privada como Cristais Cá D’oro, Tenda do Habibi, Cuccina Francesco, Startoutdoor, e Poços de Caldas Convention & Visitors Bureau. Em 17 concorridas edições desde 2014 já levou a Poços de Caldas Paulinho Pedra Azul, Leila Pinheiro, Claudio Nucci, Fátima Guedes, Ceumar, Kleiton e Kledir, Filó Machado, Zé Renato, Sergio Santos, Tavito, Tavinho Moura, e a comédia musical Curso de Porte e Postura, Grupo Tarumã, Quarteto Cobra Coral, Daniel Gonzaga, Titane e Túlio Mourão, Tunai e Wagner Tiso.

Intensidade e sutileza

A cantora Jesuane Salvador, destacada para a abertura do show Açoite, já atuou ao lado de expoentes da cultura e da música brasileira como Vânia Bastos, Luís Fernando Veríssimo, Gilvan de Oliveira e Guinga, que a definiu como “um presente das Gerais”. O trabalho que impressionou o cantor e compositor carioca reflete sofisticada mescla de elementos genuinamente brasileiros – como o samba, o baião, a bossa nova e os tambores e harmonias de Minas – ao Jazz.

Nos passos que traça de Minas Gerais ao Brasil, Jesuane Salvador busca dar voz a grandes compositores, valorizando arranjos e a lapidação de repertório. A cantora que por ser filha de músicos iniciou carreira ainda na adolescência aprendeu a explorar todas as possibilidades de seu canto em interpretações que dosam intensidade e sutileza.

A compreensão do diálogo entre diferentes artes a levou, também, ao teatro e à atuação em espetáculos cênico-musicais. Estreou espetáculos que uniam música à dança e teatro aos 17 anos, no espetáculo Retratos, do gênero teatro de revista. Atuou também e produziu os espetáculos Pietá (obra de Milton Nascimento, com a Companhia de Dança Gisa Carvalho), Feminina Voz (com Vânia Bastos e Márcia Tauil), Matrizes Africanas (com a Companhia de Dança Gisa Carvalho e Grupo Étnico Congo de Ouro); Da minha Terra (com participação especial de Guinga); Beleza é Fundamental (com o diretor e ator Giovanni Dias, da Companhia Bella de Teatro); Uma rosa para Noel – 100 anos de Noel Rosa,(com direção de Daniel Vianna), entre outros.

Por ter total compreensão da personalidade de sua música, Jesuane é reconhecida  pelo público e pela imprensa e recebe convites para trabalhos com importantes maestros e orquestras paulistas e de Minas, atuando, por exemplo, em eventos como o Vozes do Mundo (Moçambique) e participando de festivais de jazz e música brasileira, além de apresentações em centros culturais e destaque em veículos como Folha de São Paulo, ITeia, Ministério da Cultura, além dos principais canais especializados em jazz no Brasil.

Mas é na cultura popular de raízes negras e utilizando a arte como ferramenta de inserção social que Jesuane revela sua mais nítida vocação. Há anos pesquisa danças, vestimentas, histórias míticas e reais, cânticos e toda a musicalidade da herança dos negros bantos através do Congado Mineiro, tema sobre o qual é autora de um livro reconhecido pelo Intituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por servir de inspiração para o musical Matrizes AfricanasLevando ao palco toda essa mescla de leituras que culmina em emoção, a cantora ingressou na Escola São Paulo de Teatro para entender mais do universo da dramaturgia e aplicar estes conhecimentos à sua forma de cantar e de sentir cada palavra, harmonia, rítmica, sons e silêncios que compõem sua música e interpretação.

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