1010 – Consulado da Portela (SP) recolhe composições históricas para registro em seu Acervo Musical

“Se for falar da Portela, hoje não vou terminar!” (Monarco)

O Acervo Musical, projeto do Consulado da Portela de São Paulo, está requisitando a amigos, aos admiradores, aos compositores portelenses e seus parceiros o envio de composições históricas que possuam para registro em uma única plataforma. O objetivo da campanha é garantir o acesso à perpetuação da memória da Águia Altaneira e da enorme comunidade que representa a atual campeã do Carnaval de 2017 (o título foi dividido com a Mocidade Independente de Padre Miguel) tanto no Rio de Janeiro, quanto no Brasil e no resto do mundo.  Para participar basta fazer o cadastro visitando o linque http://www.consuladodaportelasp.com.br/acervo/logar.php

As fichas já catalogadas informam Biografia, Dados Artísticos, Obras e Discografias, ao lado de uma foto em moldura esférica de cada nome entronizado, além das fontes das citações; o navegante poderá ao visitá-las comunicar erros por meio de um formulário online e, ainda, imprimir todas as fichas.

A de Paulo da Portela, por exemplo, revela que o compositor nasceu da união de Joana Baptista da Conceição e Mário Benjamin de Oliveira. Como o pai era figura ausente, durante a infância passada nos bairros cariocas da Saúde e Estácio de Sá, Paulo recebeu cuidados da mãe, criado junto com um irmão mais velho e uma irmã mais nova. Ainda moleque, já ralava em uma pensão para complementar a renda doméstica. E também chegou a entregar marmitas em domicílio, antes de, mais moço, encarar o batente como lustrador de móveis.

Em 1920, Paulo e a família se mudaram para uma casinha de vila, em Oswaldo Cruz, hoje corresponde ao número 338 da Estrada da Portela. Nessa época, ele começava a participar de atividades carnavalescas junto com Heitor dos Prazeres, integrando o Bloco Moreninhas de Bangu. Em junho de 1939,  subiu ao altar com Maria Elisa dos Santos, mas a união durou somente até 30 de janeiro de 1949 quando o tirou de cena um baque no coração.

Até o momento em que redigíamos esta atualização, o Acervo já disponibilizava letras de 625 canções, elencadas em ordem alfabética e com recursos de áudio para serem executadas online. Já o time de compositores ultrapassava 400 ilustres; junto ao nome deles está desatacado o número de colaborações de cada um: até Angenor de Oliveira, o Cartola, que declarava abertamente seu amor pela verde e rosa Mangueira, em tese uma das rivais da Portela, figura no panteão azul e branco, ao lado entre outros de bambas como Aldir Blanc, Paulinho da Viola, Paulo Cesar Pinheiro, Capinan (José Carlos Capinan), Carlinhos Vergueiro, Elton Medeiros, Chico Anysio, Hermínio Bello de Carvalho, Ivor Lancellotti, Eduardo Gudin, Martinho da Vila, Jamelão, Mano Décio da Viola, Teresa Cristina, Toquinho, Zeca Pagodinho e o recordista Candeia (Antonio Candeia Filho, que morreu em novembro de 1978, deixando como legando espantosas 120 contribuições), seguido pelo também já desencarnado João Nogueira, autor de 105, e por Paulinho da Viola, com 91.

 

Candeia é o recordista de letras disponibilizadas no Acervo portelense. Ao lado dele os fãs e admiradores da Águia Altaneira podem acessar, ainda, composições de Teresa Cristina, Capinan, Toquinho, Tuco Pellegrino, Aldir Blanc, Paulo da Portela e Alvaiade, entre outros bambas.

Entre as 5 composições mais acessadas, a líder do ranking era Madalena, pérola de Tuco Pellegrino e Monarco gravada em Na Contramão do Progresso. Depois as preferências apontavam, nesta ordem, Amor Interesseiro/Interesseira e  Doce Recordação (ambas de Bubú da Portela e Casquinha da Portela); Coração Ordena (Alvaiade e Paquito); e a Maioral do Terreiro (Velho da Portela)

O Diretório de Composições dos Baluartes Portelenses e seus parceiros é uma idealização de Paulo Rubim de Toledo, o presidente do Consulado da Portela de São Paulo, que também responde pelo desenvolvimento e supervisão do Acervo, em parceria com o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (fonte de cerca de doze mil verbetes e em constante atualização, a versão online do Dicionário Cravo Albin é uma obra de referência para os estudiosos da música popular brasileira) e o Instituto Cultural Cravo Albin (sociedade civil, sem fins lucrativos, presidida por Ricardo Albin, com sede na cidade do Rio de Janeiro, criada em 2001, com a finalidade de promover e incentivar atividades) e colaboração do Consulado da Portela do Rio Grande do Sul , Arthur Sousa Brito, Grupo Portelamor, Jardel Augusto de Lacerda,  Paulo R.Toledo, Thiago e Vitor Queiroz.

A Portela é recordista de títulos do Carnaval carioca, jamais deixou de entrar na avenida e está na história, ainda, por moldar os desfiles na forma como transcorrem atualmente

Altaneira e soberana

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela,  fundado em 11 de abril de 1923 em Oswaldo Cruz, bairro da zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, é o recordista de títulos do Carnaval carioca, com 22, contando a conquista deste ano, celebrada após 33 anos de jejum. A Águia Altaneira jamais deixou de entrar na avenida e está na história, ainda, por ocupar o posto mais alto do pódio do primeiro concurso de escolas de samba (não oficial) em 1929, organizado por Zé Espinguela. De lá para frente, moldou os desfiles na forma como transcorrem atualmente, protagonizando grandiosa contribuição para o samba carioca e para a cultura brasileira.

De acordo com a Revista da Portela publicada em 1972, as origens da supercampeã remontam à antiga freguesia de Irajá, criada em 1644, que se estendia por uma vasta região ocupada por fazendas consideradas o celeiro da colônia e, posteriormente, da corte real. Esta imensa área, ao longo dos séculos XVIII e XIX, chegou a ter 13 engenhos de açúcar produtivos e importantes economicamente. Entre eles, talvez o mais próspero, merece destaque o engenho do Portela, cujos escravos, no labor do dia-a-dia, contribuiriam para engrandecer a região que se estendia da fazenda do Campinho até o Rio das Pedras, e que, mais tarde, herdaria o nome do boiadeiro e mercador mais famoso da localidade: Lourenço Madureira.

Em fins do século XIX e início do século XX, a economia da região, amparada principalmente na força do trabalho escravo, entrou em crise. Os antigos latifúndios foram aos poucos repartidos por pessoas pobres que fugiam das reformas urbanas que eram promovidas no centro da então Capital da jovem República Brasileira. O trem, chegado em 1890, trazia diariamente grandes contingentes de pessoas desprovidas de qualquer bem material para os já conhecidos subúrbios. Especialmente, merece destaque a brava população que, enfrentando todos os tipos de dificuldades, ocupou a região próxima ao Rio das Pedras, por meio da antiga estação de Dona Clara. Mais tarde, a ainda incipiente localidade, que herdou o nome do rio vizinho, receberia o definitivo nome de Oswaldo Cruz, em homenagem ao famoso sanitarista, falecido em 1917.

Desta forma, fugidos e perseguidos, como infelizmente é hábito em nossa história, os negros trouxeram sua música, sua dança, sua religião e sua inigualável forma de enfrentar a dor se valendo da arte para a “roça”. Estes negros, muitos deles vindos de outras partes do Brasil, sobretudo de Minas Gerais e do antigo Estado do Rio, plantaram a semente da batucada nas festas da região. O cavalo tornou-se o principal meio de transporte, mas imensos valões dificultavam a passagem dos moradores. Não havia água, luz ou qualquer tipo de conforto já comum nos bairros mais abonados da cidade. O antigo engenho cedeu espaço e nome para a principal via da região: a estrada do Portela.

Contudo, se o cenário encontrado no novo bairro era hostil, agressões maiores aqueles negros (ex-escravos e seus filhos) já tinham enfrentado em suas vidas de dor e sofrimento. Se a senzala e o banzo eram combatidos com cantos e danças, formas de manter vivas as tradições herdadas de seus ancestrais na mãe África, as dificuldades no novo ambiente não receberiam tratamento diferente. A humilhação e o aviltamento que os negros excluídos e esquecidos pela sociedade racista e desumana sentiam eram combatidos em forma de arte, música e expressões de uma cultura que insistia em se auto-afirmar, apesar de tudo. Assim, como num passe de mágica, surgem as belas poesias dos primeiros sambistas de Oswaldo Cruz.

Os primeiros portelenses foram verdadeiros alquimistas. Magos capazes de transformar dor em arte, e sofrimento em notas musicais. A dificuldade, em suma, foi a matéria-prima das primeiras composições da Portela.

Como é característico de toda comunidade carente, o corpo social amenizava as dificuldades e compensava a falta de opções de lazer no bairro. Oswaldo Cruz tornou-se um lugar de relações humanas sinceras, onde a amizade, de fato, existia. Vivia no bairro quase uma imensa família, pois os muitos problemas cotidianos eram por todos compartilhados.

Esta integração foi fundamental para a história da Portela, pois possibilitou uma vida social marcada por festas religiosas, batucadas e Jongo, manifestação cultural herdada dos antepassados escravos. O Jongo, como expressão tipicamente rural, encontrou nas regiões periféricas de Madureira e de Oswaldo Cruz um campo fértil para a preservação quase intacta de sua forma mais pura e original.

Segundo Antônio Caetano, o primeiro bloco surgido em Oswaldo Cruz foi fundado por Paulo da Portela e se chamava Ouro sobre azul. Não era um bloco de samba, e sim de marcha-rancho. O samba só chegaria a Oswaldo Cruz no bojo das festas religiosas na casa de “seu” Napoleão José do Nascimento, pai do lendário Natal, que contava com a presença de Dona Benedita, velha senhora que vinha do Estácio acompanhada de Brancura, Baiaco, Ismael Silva e outros bambas que estavam desenvolvendo este ritmo no morro de São Carlos. Graças a este intercâmbio, o samba chegou, finalmente, à “roça”. Assim, não demorou muito para Oswaldo Cruz se tornar um dos mais importantes redutos do novo ritmo carioca.

Dona Esther 

Muito importante também para a história do que viria a ser a Portela foi a vinda de Dona Esther para o bairro. Festeira e já acostumada a brincar o Carnaval, a casa desta senhora logo se tornaria o centro da vida social do bairro. Pelo quintal de Esther passaram alguns dos maiores nomes da nossa música: Donga, Pixinguinha, Roberto Silva. Outros, como Candeia, tiveram os primeiros contatos com o ritmo que os tornariam famosos nas animadas reuniões da rua Adelaide Badajós .

Segundo o próprio Candeia em seu livro Escola de samba, a árvore que esqueceu a raiz, a figura de Dona Esther sempre esteve cercada de admiração e mistério. Muitos acreditavam que esta senhora era dotada de poderes mágicos.

Verdade ou não, o importante é que dona Esther fundou um bloco muito famoso na região: o Quem fala de nós come mosca, um dos principais embriões da Portela.

 


As 5 canções mais acessadas no Acervo Portelense (clique no linque em azul claro para ouvi-las)

         Madalena ( Monarco/ Tuco Pellegrino)
         Amor Interesseiro / Interesseira (Bubú da Portela/Casquinha da Portela)
         Doce Recordação (Bubú da Portela/ Casquinha da Portela)
         Coração Ordena (Alvaiade/Paquito)
5°         A Maioral Do Terreiro (Velha da Portela)

 


Leia também no Barulho d’água Música:

875 – Bamba de São Paulo para quem Nelson Sargento tira o chapéu, Tuco Pellegrino lança “Na contramão do progresso”

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