1017 – Débora Leite reverencia Clara Nunes no Centro Cultural Cine São José, em São Roque (SP)*

* Com matéria publicada na revista Retrospectiva 2017 do jornal O Democrata

Clara Nunes, uma das mais consagradas cantoras e intérpretes da música brasileira de todos os tempos, será homenageada pela cantora Débora Leite  na noite de 27 de janeiro, a partir das 20h30, no palco do Centro Cultural Cine São José, situado em São Roque, aprazível cidade do Interior paulista a menos de 60 quilômetros da Capital. Clara Guerreira, que partiu bem antes do combinado, com 41 anos incompletos e no auge do sucesso, deixou para o público que a estimava uma obra composta por ritmos como afoxés e sambas, com fartas referências aos orixás e aos elementos da natureza, além de tributos à Portela, de compositores do naipe de Paulo César Pinheiro, João Bosco, Aldir Blanc e Chico Buarque, entre outros “bambas”. Deste cativante repertório, Débora escolheu canções como Conto de Areia e Canto das Três Raças, que apresentará acompanhada por Rodrigo Ferreira, ao violão, e o percussionista Manu Neto.

Débora Leite em foto de arquivo pessoal

A são-roquense Débora Leite canta desde criança, estimulada pelo ambiente familiar no qual a música sempre esteve presente. A paixão pelos ritmos brasileiros tais quais MPB, Bossa Nova e Samba a levou às aulas de canto e a demonstrar seus dotes em clubes de serestas, palcos de bares e de restaurantes. “Muito curiosa,  sempre quis saber sobre a histórias dos compositores e dos cantores que deram forma às músicas que tanto me encantavam”, contou ao Barulho d’água Música. “Encontrei  ao pesquisar material riquíssimo, personagens incríveis do nosso cancioneiro”, continuou.  “Fui fazendo um esforço de reunir histórias e canções as quais planejava interpretar e, agora, estou pondo em prática estes projetos. Homenageio a cada vez um artista importante, interpretando músicas que marcaram sua carreira, intercaladas por pequenos textos explicativos para que aqueles que ainda não o conhecem sejam apresentados ao trabalho dele”.

No mesmo palco em que fará o tributo a Clara Nunes, Débora Leite já reviveu, por exemplo, “A Pequena Notável” Carmem Miranda, ao lado do violonista Matheus Pezzotta, em dezembro. Débora Leite forma, também, com o violonista André Vincentin Rivera, o  Brasilis.

Brasilis, de São Roque

Adeus precoce

Clara Francisca Gonçalves Pinheiro (Paraopeba/MG, 12 de agosto de 1942/ Rio de Janeiro/RJ, 2 de abril de 1983), além de  uma das maiores e melhores intérpretes do país, pesquisava a música popular brasileira, nossos ritmos e folclore e com esta bagagem viajou para muitos países representando a cultura do Brasil. Conhecedora das músicas, danças e das tradições afro-brasileiras, converteu-se à Umbanda e incorporou elementos de religiões de matriz africana em canções e vestimentas. É detentora do recorde de interpretação de canções dos compositores do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, sua preferida, e tornou-se a primeira cantora brasileira a vender mais de 100 mil cópias, derrubando tabus segundo o qual mulheres não conseguiam vendas expressivas dos discos que lançam.

No início da década de 1960, Clara conheceu Aurino Araújo (irmão do cantor Eduardo Araújo), que a apresentou a muitos artistas. Por influência do produtor musical Cid Carvalho adotou o nome artístico Clara Nunes, sobrenome da mãe; Pinheiro é do compositor Paulo César Pinheiro, com o qual foi casada. Em 1960, já com o nome de Clara Nunes e ainda ganhando a vida como tecelã,  venceu a etapa mineira do concurso A Voz de Ouro ABC, com a música Serenata do Adeus, composta por Vinícius de Moraes e gravada anteriormente por Elizeth Cardoso. Na final nacional do concurso realizada em São Paulo, Clara Nunes obteve o terceiro lugar com a canção Só Adeus (de Jair Amorim e Evaldo Gouveia). Começava, assim, a estrada que a projetou nacionalmente e fora do país, amparada em 16 álbuns autorais, mais um  gravado ao vivo três anos antes da prematura morte.

Corria 5 de março de 1983 quando Clara Nunes se submeteu a uma aparentemente simples cirurgia de varizes, que desencadeou reação alérgica a um componente do anestésico. Por conta de uma parada cardíaca, permaneceu durante 28 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro. Durante este período, contra ela assacaram especulações repercutidas nos meios de comunicação sobre as causas reais da internação — entre elas inseminação artificial, aborto, tentativa de suicídio. Já à madrugada do sábado de Aleluia, 2 de abril de 1983, a poucos meses do 41º aniversário, atendeu ao chamado de Beira Mar, transmutou-se em ser de luz e se foi embora deste mundo de ilusões: Clara estava declarada morta, em razão de um choque anafilático.

A sindicância aberta pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) do Rio de Janeiro à época, mais tarde, foi arquivada, o que alimentou por muitos anos suspeitas sobre as causas do óbito. O corpo velado por mais de 50 mil pessoas na quadra da Portela baixou à sepultura  no Cemitério São João Batista em solenidade acompanhada por legião de fãs e amigos. Para eternizá-la, a rua  do bairro Oswaldo Cruz na qual fica a sede da Portela recebeu seu nome, deixando de ser denominada Arruda Câmara.

Renascimento

Um sonho está virando realidade em São Roque e fazendo muita gente encontrar semelhanças na vida real com a trama de Cinema Paradiso, premiadíssimo cult de Giuseppe Tornatore (1988). Em maio de 2017, os irmãos Arthur e Maria Sílvia Bembom (Sissi), netos de Vasco Barioni, anunciaram a reconstrução do tradicional Cine São José, fundado em 19 de março de 1951 pelo avô, com 1.200 lugares, e desativado desde 1998.

Após alguns meses de muito trabalho e dedicação, em 15 de setembro do ano passado chegou a hora de inaugurar oficialmente a primeira etapa do Centro Cultural Cine São José. Depois de semanas funcionando em sistema de testes, o Café Bar do Centro Cultural Cine São José já acolhe moradores e turistas, o que muito agradou Sissi. “Nestes últimos dias pudemos sentir o quanto a cidade está envolvida com a história do cinema”, disse Sissi aO Democrata ( jornal da cidade que, também em maio, completou 100 anos sem jamais deixar de circular!). “Já sabíamos, mas só de ver o letreiro ligado e pessoas chorando ao entrarem aqui, realmente sentimos estar no caminho certo.” A neta de Barioni ainda completou dizendo: “É muito legal devolver isso pra São Roque, este espaço com um fim cultural, que era um grande sonho do meu avô. Será uma alegria compartilhar com todos!”

O Café Bar abre às sextas-feira e aos sábados, das 12 horas à meia-noite, e aos domingos entre 8 e 12 horas. Com elementos de temática vintage fiéis aos originais escolhidos por Vasco Barioni, o projeto tem assinatura de Arthur, que é arquiteto. O aconchegante espaço – que no domingo, 13 de janeiro, inaugurou o serviço de brunch, com direito a exibição de uma seleção de desenhos da Pixar— oferece cardápio variado. À tarde funcionará como café e à noite a proposta é atender como bar que venderá petiscos e o hambúrguer artesanal. “Fizemos muitos estudos, cenários e financiamentos. Decidimos que o melhor projeto seria aquele que mantivesse o espaço da forma mais original possível e que realmente trouxesse vivências culturais a seus frequentadores”, arrematou Arthur.

O projeto, ao todo, contemplará seis etapas, a partir do Café Bar, com capacidade para 90 lugares. O Museu é o próximo passo. O acervo trará informações e curiosidades sobre cinema, histórias de São Roque e do estado de São Paulo, além da própria trajetória do Cine São José. “O saguão do Museu já está sendo preparado e um acervo de mais de 3.000 itens está catalogado e higienizado para ir para os expositores”, adiantou Sissi.

Depois o público ganhará o restaurante, com acesso integrado à Sala Multiuso, abrigando 500 lugares. O fecho são as duas salas de cinema, com 100 lugares cada, e um Pub. Todo o espaço contará com acessibilidade.

Arte revela como ficará a fachada do Cine São José depois que, restaurado, voltar a atender aos moradores e aos turistas com o Centro Cultural, em São Roque

Para concretizar tudo o que foi idealizado nos mais de 1200 metros quadrados do cinema, os irmãos Barioni calcularam que os investimentos atingirão cerca de R$ 15 milhões, cifra que, no início, desanimou-os. “Mas resolvemos entrar de cabeça e fazer com que o projeto se desenvolva a partir do Café Bar e este seja o polo captador para as próximas etapas. Se nosso avô, sozinho, naquele tempo foi determinado e colocou cada tijolo com lágrima, suor e sangue, como ele mesmo dizia, porque nós, que temos mais possibilidades a nosso favor, não vamos conseguir?”

O cardápio do Café Bar é dos mais tentadores, com hambúrgueres, lanches, porções e um “mini cardápio da Tia Íris” [irmã de Vasco Barioni] com massas artesanais e produtos que se completam com um imperdível copo gelado da famosa groselha servida por ela nos bons tempos de cinema. “Não será só um Café Bar: queremos que a pessoa viva uma experiência diferente toda vez que passar por lá”, exclamou Arthur.

A programação contará com quatro eventos mensais, e todos promoverão inserções culturais.

 

O Cinema na Rua levará exibições gratuitas, uma vez ao mês, à Rua Professora Rosina de Oliveira, dependendo do aval da Prefeitura. A ideia é colocar cerca de 250 cadeiras na rua e o projetor.

Trivia Night também ocorrerá mensalmente. Trata-se de um jogo de perguntas e respostas sobre cinema utilizando um aplicativo que já está em desenvolvimento.

O Movie Dinner foi planejado para agitar o Café com a presença de um Chef, convidado para a preparação de pratos inspirados em um filme.

O Taba Cacique, evento tradicional que já fazia parte das manhãs de domingo no local, voltou a ser oferecido na manhã de 13 de janeiro, com a presença do Barulho d’água Música. O público-alvo são as crianças, para as quais não faltarão animação, palhaços, mágicos, rodas de contação de histórias e diversas atividades durante o brunch, servido entre 8 e 12 horas.

“Vamos abrir espaço para os artistas e apoiadores e contamos com toda a população. Vamos transformar o Cine São José no espaço cultural que nosso avô sempre sonhou para São Roque”, comemoram Sissi e Arthur. “Depois de quarenta e sete anos volto ao meu antigo bar, não como proprietária, mas como freguesa, e faço questão de ser a primeira freguesa pagante. A emoção é muito grande, voltar ao bar onde passei toda a minha juventude e fui muito feliz, obrigada Senhor”,  declarou Íris.

Serviço:

Show em tributo a Clara Nunes
Débora Leite,  Rodrigo Ferreira (violão) e Manu Neto (percussão)
27 de janeiro, 20h30
Centro Cultural Cine Clube São José
Rua Rui Barbosa, 370, Centro, São Roque
Entrada Franca

Leia também no Barulho d’água Música:

1010 – Consulado da Portela (SP) recolhe composições históricas para registro em seu Acervo Musical
1008 – Grupo de São Roque (SP) grava álbum de serestas e serenatas para comemorar cinco anos de atividades
896 – Diogo Oliveira e Cesar Pereira preparam álbum clássico com obras autorais e de compositores brasileiros como Liduíno Pitombeira

2 comentários sobre “1017 – Débora Leite reverencia Clara Nunes no Centro Cultural Cine São José, em São Roque (SP)*

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.