Sambista morreu na noite de segunda-feira , 16 de abril, depois de três dias internada, e teve o corpo velado na quadra da Império Serrano, sua escola de coração
Marcelino Lima, com Elisa Soupin e Nathalia Castro, TV Globo
A cantora e compositora Dona Ivone Lara, a “Grande Dama do Samba”, morreu na noite da segunda-feira (16), no Rio de Janeiro,onde sofreu no Centro de Tratamento e Terapia Intensiva (CTI) da Coordenação de Emergência Regional (CER) ataque de insuficiência cardiorrespiratória durante internação que começara na sexta-feira (13), justamente no dia em que completou 96 anos. A sambista já tentava se recuperar de anemia e precisou, inclusive, receber doações de sangue, o que tornou seu estado de saúde bastante grave. A nora Eliana Lara, em uma frase, resume a importância de Dona Ivone Lara e o quanto a perda da sogra afetará a música brasileira: “Ela estava sempre procurando um caderninho pra escrever uma música, sempre cantarolando pro neto. Até a última semana estava super bem, embora muito fraquinha, mas com a cabeça estava ótima”. O filho, Alfredo Lara da Costa, também comentou sobre o perfil de mulher forte e guerreira da mãe, que “respirava sempre. “Vai deixar muita saudade, mas sinto muito orgulho do legado que ela deixa”.
O corpo de Dona Ivone Lara será velado na quadra da escola de samba Império Serrano e sepultado ainda hoje, terça-feira, 17. Algumas fontes afirmam que ela teria 97 anos, mas o colunista Mauro Ferreira aponta que a cantora nasceu, na verdade, em 13 de abril de 1922 — não em 1921, ano que teria sido forjado pela mãe da artista, em 1932, para que a garota pudesse ser admitida em colégio interno, cuja idade mínima para o ingresso era 11 anos, conforme está já esclarecido na biografia de Ivone.
Controvérsia à parte, Dona Ivone Lara ganhou o título em vida de a “Grande Dama do Samba”. Oriunda de família de amantes da música popular, ela enfrentou o preconceito por ser mulher e sambista, perseguição que superou com talento ao gravar Sonho meu, quea fez decolar nas paradas de sucesso com Maria Bethânia e Gal Costa. Veio à luz na Rua Voluntários da Pátria, no bairro Botafogo, zona Sul carioca. Primeira filha da união entre a costureira Emerentina Bento da Silva e José da Silva Lara, que, paralelamente ao trabalho, tinham intensa vida musical. José era violonista de sete cordas e desfilava no Bloco dos Africanos, enquanto a esposa, ótima cantora, animava como soprano ranchos carnavalescos tradicionais do Rio, como o Flor do Abacate e o Ameno Resedá – nos quais o marido também era destaque.
Com a morte do pai, quando ela ainda tinha tenros 3 anos, e da mãe, aos 12, a menina passou a ser criada pelos tios e com eles aprendeu a tocar cavaquinho e a curtirr samba ao lado do primo, Mestre Fuleiro. Por esta época, tornou-se aluna de canto de Lucília Villa-Lobos e impressionou o marido da professora, o maestro Villa-Lobos. Aos 25 anos, Ivone Lara subiu ao altar com Oscar Costa, filho de Afredo Costa, presidente da escola de samba Prazer da Serrinha, com quem teve dois filhos, Alfredo e Odir. E na Prazer da Serrinha conheceu compositores que viriam a ser seus parceiros em algumas composições, como Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira. Entre outros sucessos, a sambista compôs Nasci para sofrer, que se tornou o hino da escola.
Pioneirismo na avenida
Com a fundação do Império Serrano, em 1947, passou a desfilar na ala das baianas. Dona Ivone Lara também compôs “Não me perguntes”, mas a consagração veio em 1965, com Os cinco bailes da história do Rio, quando tornou-se a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de escola de samba. Formada em Enfermagem e Serviço Social, com especialização em Terapia Ocupacional, Ivone Lara só largaria o avental em 1977 (dois anos antes, depois de Odir sofrer um acidente de carro, o marido, Oscar, teve um enfarte e morreu). Longe dos plantões médicos, então, abraçou a carreira artística.
Entre os intérpretes que gravaram suas composições destacam-se Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paula Toller, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Mariene de Castro, Roberta Sá, Marisa Monte e Dorina. Dona Ivone Lara também atuou como como atriz, fazendo filmes, e foi a Tia Nastácia em especiais do programa Sítio do Pica-Pau Amarelo. Em 2008, interpretou a canção Mas quem disse que eu te esqueço, parceria sua com Hermínio Bello de Carvalho, para o projeto Samba Social Clube. A faixa foi incluída, no ano seguinte, numa coletânea com as melhores performances do projeto.
Em 2012, ela ganhou homenagem do Império Serrano, no Grupo de Acesso, com o enredo Dona Ivone Lara: o enredo do meu samba. Em 2010, foi destacada com honras no 21ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Em dezembro de 2014, recebeu tributos na 19ª edição do Trem do Samba; um mês antes, participara do primeiro dia de gravações do Sambabook em homenagem à sua carreira da gravadora Musickeria.

Dona Ivone Lara recebe em Brasília, em 2016, medalha da Ordem Cultural (Foto: Beto Barata/PR)
Cantores como Maria Bethânia, Elba Ramalho, Criolo, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Arlindo Cruz, Adriana Calcanhoto e Zélia Duncan fizeram versões de suas canções, enquanto a própria gravou com Diogo Nogueira uma canção inédita, composta com seu neto André. Em 2015, entrou para a lista 10 Grandes Mulheres que Marcaram a História do Rio. Em 2016 recebeu no Palácio do Planalto (DF) a medalha da Ordem do Mérito Cultural.
Dona Ivone Lara, enfim, foi a maior compositora do samba e da música brasileira. Nenhuma outra mulher teve tantas vozes cantando suas músicas ou gravadas como ela. Entre seus principais sambas estão: Alguém me avisou; Acreditar; Tendência; Mas quem disse que eu te esqueço; Samba, Minha raiz; Sorriso de criança; Sorriso negro; Sonho meu e Minha verdade.
2 comentários sobre “1053 – Dona Ivone Lara deixa como legado o título de maior compositora de sambas do Brasil”