“Dentro dos discos há muitos sentimentos de bem-querer envoltos em melodias e versos”, revela o autor que subirá ao palco do Sesc Palladium cercado de filhos, irmãos e amigos da carreira que já soma mais de duas décadas
Neste 16/9, as tradicionais audições dos sábados pela manhã aqui na redação do Barulho d’água Música começaram com Nativo — sétimo disco da obra do mineiro Wilson Dias, cantor e compositor natural de Olhos d’água e, atualmente, radicado em Belo Horizonte (MG). Com direção da Picuá Produções Artísticas, o álbum duplo (um disco cancioneiro, outro totalmente instrumental) será lançado na quarta-feira, 19 de setembro, no Grande Teatro do Sesc Palladium, a partir das 20h30, coroando a maturidade do violeiro de 55 anos que “sabe de sua própria existência, aprendeu a partir de si e para consigo mesmo”, confirmando o pensamento do português Boaventura de Sousa Santos, como bem observou a conterrânea de Dias, Déa Trancoso. Nativo é, portanto, um autorretrato, o relato de origens e de heranças — ou ainda conforme Déa Trancoso definiu no encarte do álbum a “cartografia de um preto velho” – que tem o cuidado de inclusive trazer na capa a única foto existente na família de Antônio de Jesus e Dona Terezinha Dias, os pais do autor.
“Por dentro dos discos há muitos sentimentos de bem-querer envoltos em melodias e versos”, contou Wilson Dias.“Toda a minha relação com a música, todo o meu processo criativo é um exercício de armazenar esses sentimentos sutis. A religiosidade presente na cultura popular também me propicia isso. Eu tenho que estar bem com minha arte porque, só assim, posso oferecer bem-querer”, sintetizou o nativo de pai que rezava para curar as pessoas e de mãe dona de fé inabalável.

A imagem dos pais de Wilson Dias, único retrato de ambos que a família possui, dá alma ao novo trabalho fonográfico do violeiro que (nos) mergulha em suas raízes e conta com a participação de filhos, da esposa e de irmãos para revelar ao Brasil um pouco mais de sua sabedoria, influências e as belezas de sua origem sertaneja
O álbum de canções, quase todas autorais, foi pensado palavra por palavra, reescrito e encaixado para criar sentido entre o passado do compositor e o presente conturbado do país. Vozes especiais foram convidadas para o trabalho Titane encena a teatral Punhadim, Lislie Fiorinni dá leveza à Maraô, e Rubinho do Vale, que participa em Rala Coco, reforça essa herança cultural do Vale do Jequitinhonha, de onde vem também Wilson Dias.
Já o disco instrumental é uma inspiração continuada, que veio das audições de Mucuta, primeiro CD instrumental de Wilson Dias. “Surgiu uma viola de sertão, mas também clássica, com pífanos e rabecas, numa espécie de sintonia com o Movimento Armorial”, relata o autor, referindo-se à iniciativa capitaneada por Ariano Suassuna no Nordeste do Brasil.
Nativo é família na origem e no destino. Wallace Gomes e Pedro Gomes, filhos de Wilson Dias, fazem arranjos e direção musical do trabalho. A outra filha, Ana Tereza, se junta à mãe Nilce Gomes nas rezas. Irmãos e irmãs do violeiro fazem coro, cantam ladainhas. O disco flui ao sabor de rica e eclética instrumentação que, além das violas deste artista mítico, reúne bandolim, rabeca, acordeon, flauta, percussão, bouzouk, zabumba, pandeiro, triângulo, baixo, violão, violão de 7 cordas e bateria, com ilustres participações dos familiares e mais André Siqueira, Paulo Fróis, Carlinhos Ferreira, Gustavo Guimarães, Gladson Braga, Camila Rocha, Lucas Viotti, Titane, Lislie Fiorinni, Thiago Delegado, Rubinho do Vale, Brenda Andrade e Robson Júnior — os irmãos de Wilson (Geraldo Dias, José Arlindo, Ana Ismar, Maria Enilde e Maria Neuza — cantando ou acompanhando com seus instrumentos músicas e canções do autor — e em parceria com João Evangelista Rodrigues e Rodrigo Salvador — cujas sonoridades nos transportam às memórias mais profundas de nossa ancestralidade.
Angústias, crenças e belezas
Muitos elementos contribuem para a formação e o desenvolvimento de um artista, para forjar as características do seu trabalho e definir seu relacionamento com sua cultura, bem como traçar o perfil de seu público. É o conjunto destes elementos articulados dialeticamente ao longo de toda uma carreira que garante o nome que carrega e sustenta suas conquistas em termos estéticos e de mercado. É este o caso de Wilson Dias, nativo do Vale do Jequitinhonha, lugar especial, porque é ponto de partida de uma trajetória de sucesso.
Wilson Dias herdou desse pequeno celeiro cultural e trouxe para a arte as benéficas influências da vida em comunidade, da cultura e da arte popular, em suas manifestações tanto religiosas, quanto profanas. Enriquecido pelo berço onde nasceu, Wilson Dias cresceu aberto para a vida e livre para experimentar e se enriquecer ainda mais culturalmente, com todas as influências e experiências oriundas do folclore e da seresta mineira.
O Vale do Jequitinhonha fica entre o Sul da Bahia e o Leste de Goiás e é local consagrado por sonoridades ímpares, terra de mestres, e entre outras manifestações populares, do congado, por exemplo. Naquela porção brasileira está abrigado o Sertão físico e mítico que Guimarães Rosa revelou ao mundo e que artistas dotados da sensibilidade de Wilson Dias captam por meio de serestas, toadas, cocos e tantas outras tradições que marcam a musicalidade que está na alma da obra do autor e revela-se em Nativo. Wilson Dias também é atento às histórias e aos causos que ocorrem no Norte de Minas, o que dá ainda mais sabor às músicas que ponteia em sua viola caipira — que, por sua vez, despertam tanto para a dança, quanto revelam boa parte do folclore e das lendas do Jequitinhonha.
Em mais de 20 anos de carreira, pode-se, enfim afirmar que Wilson Dias quando toca e canta evoca e retrata não apenas as angústias e as belezas do sertanejo e do seu lugar no mundo — gente que desde pequena tem de sobreviver do próprio suor e fazer valer a valentia, traço inato do caráter inato que não mata a doçura, muitas vezes cercada pelas contradições entre o idílico e o tortuoso — mas faz reboar, ainda, a fé e o louvor em crenças e em santos — com os quais a existência ao menos se torna suportável — os quais servem de lenitivo para a hora em que se está diante de um açude seco ou outras ameaças, e renovam, com desmesurada alegria, a esperança quando a campina flora.
“Nativo é a cartografia e um Preto Velho. Wilson Dias confirma o pensador português Boaventura de Sousa Santos: sabe de sua própria existência”, aponta Déa Trancoso, que assim prossegue: “Aprendeu a partir de si e para consigo mesmo”, observando mais adiante: “o artista maduro reparte suas iluminuras autóctones: suas consciências adquiridas. Vê e sabe dizer o que vê, alegrando Deleuze Foucault. Nativo é o lufã dos devires.” Déa Trancoso é outra expressiva artista oriunda do Jequitinhonha, natural de Almenara, cidade conhecida por Princesinha do Vale desde que se tornou emancipada de Araçuai.
Titane, Rubinho do Vale, Brenda Andrade e Lislie Fiorinni são convidados especiais para o show de lançamento do disco Nativo que levará ao palco Wilson Dias (voz e viola caipira), Edson Fernando (bateria/percussão), Gladson Braga (percussão) Lucas Viotti (acordeon), Pedro Gomes (baixo) Wallace Gomes (violão) Pablo Malta (bandolim/violão 7 cordas) e Leonardo Macedo (flauta).
Lançamento de Nativo, com Wilson Dias, banda e convidados
Quarta-feira, 19/09, Horário: 20h30
Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1046, Centro, Beagá, MG)
Ingressos: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia) na bilheteria e no site http://www.ingressorapido.com.br/ Informações: 31 98515-7122
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