Disco lançado em São Paulo traz 12 composições do mineiro que ajudou a projetar o cantor e compositor Elomar — que o define como “o último menestrel” –, é seguido por vozes marcantes da música regional e tem destacada importância para a cultura popular latino-americana
A cantora Dani Lasalvia e os violonistas Cao Alves e João Omar lançaram na noite de sábado, 20 de outubro, Recantos – ao Apanhador de Cantigas, com o qual reverenciam a memória e a obra do mineiro de Uberaba Dércio Marques, violeiro, cantor, compositor e pesquisador dos mais emblemáticos e representativos da música brasileira. O trio recebeu amigos e admiradores no palco da galeria Itaú Cultural, em São Paulo, para o tributo a Marques, falecido em 2012, em Salvador (BA).
Recantos – ao Apanhador de Cantigas é uma das homenagens mais expressivas ao cantor e compositor desde a passagem de Dércio Marques. O disco reúne 12 faixas e revisita composições consagradas da discografia e outras que compunham o repertório dele, apresentadas na cantoria que contou com direção artística de Cao Alves. O público recordou criações de expoentes como Heitor Villa-Lobos (Ária, Cantilena, Bachianas Nº 5) e Elomar Figueira de Mello (Curvas do Rio) desfrutando de um marcante encontro entre os instrumentos de cordas com as cantigas — tanto no concerto, quanto no disco –, que possibilita uma experiência musical apurada, reunindo a formação erudita com a riqueza popular. Também constaram do programa Anjos da Terra (parceria de Dércio Marques com Paulinho Pedra Azul), a autoral Voo Noturno, a cantiga de domínio público Riacho de Areia, Le Tengo Rabia al Silencio (Atahualpa Yupanqui) e um pot-pourri com Tema do Canindé (Dércio Marques), Lambada de Serpente (Cacaso/Djavan) e Palhas de Milho (Capenga/Vermelho/Patinhas).
Dércio Marques deixou como maior legado uma grande escola que transcende a composição musical e poética e propõe, ainda, uma postura mais íntegra e solidária de viver, voltada tanto para a preservação da natureza, quanto para o aprimoramento espiritual de cada indivíduo, sem deixar de lado o engajamento político e social. Legou à cultura popular brasileira 13 álbuns, todos produzidos após e apoiados em extensas pesquisas sobre as raízes musicais brasileiras (bebendo em fontes como as toadas e as Folia de Reis) e ibero-americanas (entre outras, interpretou canções do violonista argentino Atahualpa Yupanqui).
A importância de Dércio Marques para as tradições populares e a música brasileiras equivalem à merecidamente conquistada por baluartes como Câmara Cascudo, Ariano Suassuna, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Chico Buarque, entre outros; para a América Latina Dércio Marques tem a mesma dimensão dos chilenos Violeta Parra e Victor Jara, por exemplo, ou os argentinos Astor Piazzolla e Mercedes Sosa.
Gravou dezenas de discos, assim como produziu vários outros. Foi o responsável, ainda, pela descoberta e produção de talentos como Elomar Figueira Mello e Diana Pequeno — inspirando também artistas nacionais e estrangeiros ao viajar pelo país para vivenciar e recolhendo cantigas de diferentes localidades como vem fazendo há cinco anos com o premiado projeto Dandô Circuito de Música Dércio Marques a paulistana Katya Teixeira, uma de suas mais combativas seguidoras e multiplicadoras das sementes que ele legou; outros elogiados apóstolos são, por exemplo, João Arruda, Déa Trancoso, Consuelo de Paula, Levi Ramiro e Amauri Falabella, entre os muitos espalhados pelo território nacional. Dércio Marques foi definido por Elomar como o último grande menestrel, e pelo crítico musical e jornalista Julinho Bittencourt uma “enciclopédia viva da cultura popular brasileira”.

Dani, Alves (fotos de cima) e Omar (ao lado da arte da capa do disco) lançaram o tributo a Dércio Marques, como qual conviveram, compuseram, cantaram e tocaram
Dani, Omar e Alves frutificaram na abençoada safra de artistas que foram contemporâneos, conviveram bem próximos a Dércio Marques, com o qual dividiram o palco várias vezes, e assumiram a tarefa de seguir empunhando as bandeiras que ele invocou. Com trajetórias que mesclam referências eruditas e populares, Cao Alves passa, por exemplo, pelo jazz e pela música experimental. João Omar, filho de Elomar, mas com vigorosa obra própria e autoral, além da que divide com o pai, atua em música de concerto e em composições solo, enquanto Dani Lasalvia passeia com sua marcante voz por estilos que vão da música caipira à world music.
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