1274 – Com Bruno Sanches e seu belo disco Do Barroco às Barrancas do Rio, abrimos os trabalhos em 2020

Solista inventivo, cantor e arranjador, violeiro recentemente vencedor do Prêmio Mimo é considerado pelo professor e pesquisador Ivan Vilela, seu mestre na USP, um músico completo, “aquele que pensa, toca, cria e recria”, elevando a viola um universo sonoro cada vez mais amplo. 

O Barulho d’água Música retoma os trabalhos após a passagem das festas do final de 2019 e nesta primeira atualização de 2020 apresenta aos amigos e seguidores o premiado violeiro paulista Bruno Sanches, nascido em Regente Feijó, “Cidade Pérola da Alta Sorocabana”, situada na região de Presidente Prudente, a cerca de 550 quilômetros a Oeste da Capital do Estado, a cidade de São Paulo. Compositor, cantor, pesquisador e arranjador que se dedica à música desde os 12 anos de idade, Sanches foi destaque em outubro de 2019 e em agosto de 2018 dos programas Sr.Brasil e Revoredo, na TV Cultura e na Rádio USP FM (de São Paulo e de Ribeirão Preto), respectivamente convidado por Rolando Boldrin e pelo maestro José Gustavo Julião de Camargo, e, em ambas as ocasiões, falou sobre a carreira, os projetos e o álbum Do Barroco às Barrancas do Rio. Com 11 faixas instrumentais que mesclam composições próprias com obras de Gaspar Sanz, J.S. Bach, Carreirinho, Dorival Caymmi, Paulo Cesar Pinheiro e Guinga e Augustin Barrios, o disco tem direção artística do professor, pesquisador e compositor violeiro Ivan Vilela, do qual Sanches foi aluno na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

Antes de se render à viola caipira como seu principal instrumento de trabalho, Bruno Sanches se dedicava ao violão clássico. Com ela nas mãos, o músico de espírito andejo, que viaja por tempos e lugares diversos através de suas composições, arranjos e interpretações” e que “busca conhecer a alma brasileira através da música, da devoção a São Gonçalo, dos fandangos e das folias”, conforme ele mesmo o define, tem encantado plateias executando por meio das dez cordas desde modinhas imperiais a MPB e rock, acrescentando com genialidade novas identidades à viola e revelando a versatilidade do instrumento que já incorpora importantes elementos de brasilidade, mas é constituído, também, por raízes latinas e euroamericanas, expandindo assim seu alcance multicultural e sua inesgotável capacidade ancestral de dialogar com gêneros e ritmos de várias partes do mundo.

Por esta habilidade com a viola caipira, Bruno vem sendo aplaudido nos concertos que protagoniza em cidades do interior de São Paulo e abrilhantou edições do Festival Internacional Encuentro de Amigos Latinoamericanos Itá Unidos por el Canto, no Paraguay, e Fiesta de la Música, em Santa Fé, Argentina, entre outros eventos fora do país. E também coleciona prêmios, como o do 5º Mimo Instrumental e o do Tributo ao Mestre Zé Mira, por um edital em São José dos Campos, cidade do interior paulista, ambos em 2018.

Bruno Sanches é recebido no palco do Sr.Brasil por Rolando Boldrin (Foto: Daniel Kersys) 

Ao inquestionável talento como solista, inventivo e de total domínio do contraponto entre voz, viola e percussão — que toca com os pés, utilizando recursos tecnológicos como pedal de loop e sonoplastia Bruno Sanches soma aos shows a declamação de poemas e a narração de causos para contextualizar e criar a ambiência para as músicas do repertório com o qual brinda o público. Do Barroco às Barrancas do Rio leva-nos por uma viagem de 65 minutos de um tempo a um lugar na qual diversas experiências estéticas flertam, namoram e geram frutos. O álbum é o resultado de quase dez anos de dedicação à viola de dez cordas, usando o instrumento e sendo usado por ele para fazer música, sem fronteiras, explicou Bruno. “As gravações foram feitas em um casarão localizado na zona rural de Cotia, cidade da Grande São Paulo, portanto o reverb escutado é totalmente natural. A escolha desse ambiente proporcionou a captação sutil de ruídos internos e externos, então a audição do álbum com fones de ouvidos e olhos fechados oferecerá uma experiência envolvente, pois passarinhos, cigarras, grilos, respirações e movimentos criam climas incríveis ao longo do disco.”

Do Barroco às Barrancas do Rio está disponível para audição integral na página eletrônica do autor (clique aqui e ouça), nas plataformas digitais e poderá ser encomendado por um dos endereços de contato dele abaixo informados e pelos quais Bruno Sanches também poderá ser localizado para eventos e shows. Além do álbum instrumental, lançou Caipira Urbano (2015), disco com o Ser Tão Trio (Bruno Sanches, viola caipira e voz; Bruno Menegatti, rabeca e voz; e Giovanni Matarazzo, violão), assina vários documentários e trilhas sonoras; entre 2013 a 2019 lecionou Viola Brasileira na Escola Municipal de Artes Professora Jupyra Cunha Marcondes, em Presidente Prudente e, atualmente, é professor online de violada. Com o amigo Fábio Miranda, idealizou o movimento Violada – Circuito Autoral das Violas Brasileiras e em 2018 foi escolhido para participar do disco Viola Paulista 1, produzido pelo Selo SESC, com direção de Ivan Vilela.

Do mestre, com carinho 

Foto: Adriano Rosa/Campinas (SP)

Por Ivan Vilela

Os elementos culturais sempre nos mostram a sua resistência e uma resiliência notável.

A viola, proveniente de Portugal em fins da Idade Média veio se transformando e se adaptando a todas as realidades que se lhe apresentaram ao longo dos tempos e dos lugares onde se fixou no mundo lusófono.

No Brasil, de instrumento acompanhador de cantores nas cidades até metade do século XIX, migrou para o campo e só depois, junto ao êxodo rural que ocorreu em grande parte do país, retornou às cidades para se adaptar a uma nova ordem e cumprir a sua função de ser um instrumento mais que idiomático, de ser um instrumento utilizado na sua potencialidade.

Desde que Renato Andrade pegou na viola para tocar ela nunca mais foi a mesma e se fez familiar nas salas de concerto de várias partes do mundo.

É certo que o conhecer e catalogar todas as formas de tocar que se desenvolveram no Brasil ajudaram as novas gerações a explorarem o instrumento de uma nova maneira, trazendo a ela todos os requintes interpretativos de um mundo que agora partilha uma música global.

O disco que o ouvinte tem às mãos refaz toda essa história da viola. Do Barroco à Música Popular Brasileira.

Bruno Sanches teve sua formação primeira no violão e durante o curso de licenciatura em música na USP migrou para o bacharelado em viola, onde foi meu aluno. Digo de passagem, um aluno brilhante.

No bacharelado em viola não formamos apenas um intérprete, mas também um arranjador apto a fazer versões de outras músicas a partir de gravações, partituras ou de sua própria cabeça. Formamos também compositores. Todo violeiro deste bacharelado compõe, arranja e interpreta.

Bruno ainda se aprofundou na cultura popular pela via do Fandango que foi pesquisar durante anos nos arredores de Itapetininga e com o qual faz agora um Mestrado.

Assim se moldou, a meu ver, um músico completo. Aquele que pensa, toca, cria e recria.

Neste disco de rara beleza criativa e interpretativa, Bruno passeia por Gaspar Sanz e Bach chegando a Caymmi e Guinga, isto sem deixar de fora as composições próprias que surgiram na síntese de todo este aprendizado. O cuidado nas execuções se manifesta em cada nota, em cada dinâmica, em cada toque. Bruno realmente nos conduz por um belo caminho através da música que brota de seus dedos.

Mais uma joia que atira a viola rumo a um universo sonoro cada vez mais amplo.

Adiante Bruno! 

Repertório detalhado pelo autor, faixa a faixa

1- Catira do Vale (Bruno Sanches)

Compus essa música no período em que morei no Vale do Paraíba. Homenagem ao caipira, especialmente ao povo piraquara.

2- A Jangada Voltou Só (Dorival Caymmi)

Dentre as músicas do impecável disco Canções Praieiras, de Dorival Caymmi, escolhi essa para compor um arranjo instrumental, em homenagem a seu autor.

3- Canários (Gaspar Sanz)

Essa música foi originalmente composta para a guitarra barroca, instrumento que possui um parentesco muito próximo com a viola de dez cordas. Fiz essa adaptação/versão em busca de sua sonoridade ancestral.

4- Elementais (Bruno Sanches)

Com minha viola, sobre águas e em meio às árvores, o vento me soprou em cada nota. Seria o saci?

5- Capricho Perfumado (Bruno Sanches)

A primeira parte dessa música foi inspirada pelo Capricho Árabe, de Francisco Tárrega. A segunda parte foi inspirada pelo convívio com minha companheira, perfumista, que completa minha vida e que, com as filhas que me deu, compôs o melhor perfume em meu jardim.

6- Prelúdio da Suíte I para Violoncelo (J. S. Bach)

O estudo da obra de J. S. Bach reflete profundamente em meu modo de tocar e compor para a viola de dez cordas, principalmente no que diz respeito ao uso de contrapontos. Das muitas músicas que já estudei desse compositor, essa foi a escolhida para prestar-lhe homenagem.

7- Boi Soberano (Carreirinho, Izaltino Gonçalves e Pedro Lopes)

A moda de viola é uma modalidade da canção caipira em que o mais importante é a história contada, pois nela a música está a serviço do texto, no entanto, Boi Soberano é uma moda com música tão bonita, que me inspirou essa fantasia sobre sua melodia. Uma moda de viola que virou música instrumental.

8- Senhorinha (Guinga e Paulo César Pinheiro)

Singela e sofisticada. É assim que escuto esta canção de Guinga e Paulo César Pinheiro. Minha homenagem à MPB urbana, que muito me influencia, e a esses dois compositores, que muito admiro.

9- Enlace (Bruno Sanches)

Música inspirada em um concerto realizado pelo violeiro Ivan Vilela e pela alaudista Mouna Amari, um encontro sublime da viola brasileira com seu mais remoto ancestral, o oud.

10- ¡Ha, Che Valle! (Agustin Barrios)

Essa adaptação/versão é um tributo a Agustin Barrios e ao Paraguay. Sou um grande admirador da cultura musical deste país.

11- Amantikir (Bruno Sanches)

Composta no Bairro Gomeral, em Guaratinguetá, na casa dos amigos Pedro e Vera, entre dois pequenos rios que se encontram na Serra da Mantiqueira. Foi música novamente soprada pelo vento, mas também trazida pelas águas da “Serra que Chora”. 

LEGADO AOS CAIPIRAS

A Casa de Cultura Zé Mira é um espaço destinado à divulgação da música caipira raiz idealizada pelo próprio Zé Mira e inaugurada em 15 de março de 2004É a primeira casa de cultura do Brasil a divulgar a música caipira de raiz. Zé Mira, o José Alves de Mira,  falecido em agosto de 2008,  é considerado um dos ícones da cultura popular do Vale do Paraíba.  Nasceu em 1924, em Cristina (MG),  e veio para São Paulo na década dos anos 1940. Morou em Jambeiro e, mais tarde, em 1969, fixou-se em São José dos Campos.

Foi tropeiro, agricultor, lavrador, pedreiro, compositor, Mestre das Folias de Reis, do Divino e do Moçambique e, principalmente, violeiro. Sua vida foi contada no livro Nas Trilhas de Zé Mira, um caipira mira o Vale do Paraíba, pela jornalista Lídia Bernardes, também  já falecida. Zé Mira deixou sua casa como legado para a cultura caipira, um imóvel de pau-a-pique, com paredes barreadas, fogão a lenha e teto protegido por legítimas telhas de coxa. Com um amplo rancho, palco e moderno aparelhamento de som, os violeiros do Vale do Paraíba e do Sul de Minas Gerais, dentre outras cidades e Estados, revezam-se em animadas rodas de viola, apresentando o melhor da música caipira. Localizado defronte ao Parque Burle Marx (Parque da Cidade), na região Norte de São José dos Campos, o prédio, cedido pela EDP (Bandeirante Energia), tem 2.677 m².

Leia também no Barulho d’água Música:

1088 – Jackson Ricarte (CE) é atração na Mora Mundo, em mais uma rodada do circuito “Violada”

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