Andrea Guimarães, Daniel Muller e João Paulo Amaral tecem em 11 faixas, mais uma vez, um desdobramento singular da música caipira cultivando, ao mesmo tempo, o vínculo essencial com a tradição e a liberdade de recriá-la em novas concepções de arranjo e de interpretação. Disco está na lista dos 100 melhores de 2019
Com Tânia Bernucci
Os 17 anos de formação do trio Conversa Ribeira estão sendo comemorados pelos amigos e fãs de Andrea dos Guimarães, Daniel Muller e João Paulo Amaral com Do Verbo Chão, terceiro álbum da trajetória de meticulosa e entusiasmada pesquisa na qual buscam trazer à superfície joias lapidadas por destacados autores do cancioneiro caipira. Neste novo trabalho, já disponível nas plataformas digitais e lançado após bem-sucedida vaquinha virtual (clique aqui e ouça), o trio tece um desdobramento singular do gênero cultivando, ao mesmo tempo, o vínculo essencial com essa tradição e a liberdade de recriá-la em novas concepções de arranjo e interpretação.
Andrea (voz), Muller (piano e acordeon) e Amaral (viola caipira e voz) entendem do riscado, pois são todos “minhocas de roça” nascidos em cidades interioranas e, fiéis às raízes, elaboram um trabalho repleto do encantamento que o sertanejo vê em tudo onde caem seus olhos e ouvidos, completando esta mágica percepção com a riqueza que também vislumbram no repertório clássico caipira, tanto no que se refere aos conteúdos musicais, quanto à experiência humana.
Em Do Verbo Chão, por exemplo, Pé de ipê, toada de Tonico, arrepia, e, vem acompanha por modas de viola consagradas de Raul Torres (Gostei da morena), Sulino (Herói sem medalha) e, claro, como ela não pode faltar em obras com esta identidade, Inezita Barroso, homenageada pela Moda da Onça, canção de domínio público recolhida pela Rainha da Música Caipira na década dos anos 1940, na cidade de Itapecerica da Serra, hoje um município do anel metropolitano de São Paulo, a pouco mais de 30 quilômetros da Capital. Mas o condão e o apuro retrospectivo do Conversa Ribeira vão além dos pioneiros e dos patriarcas que definiram a abrangência dessa cultura e suas tradições e revela que os três têm mesmo DNA canguaí, como comprovam duas composições de Daniel Muller – dentre elas Cururu Mitológico, baseada em extensa pesquisa sobre mitologias indígenas brasileiras – e, ainda, obras de autores do universo da MPB, mas que não restringem sua produção e também enriquecem a música regional, dotados da sensibilidade que viceja no Brasil profundo. Assim, fazem parte do álbum Atrás poeira (Ivan Lins e Vitor Martins), Folia (Lourenço Baeta e Xico Chaves, gravada pelo Boca Livre) e Olho d’água (Paulo Jobim e Ronaldo Bastos). A conclusão que chegamos é que Andrea, Muller e Amaral, ao lançar este terceiro álbum, manifestam, mais uma vez, a necessidade de preservar a tradição, sem tratá-la como peça de museu, mas como um processo cultural dinâmico.
O trio Conversa Ribeira já apresentou-se ao lado de Guinga, Inezita Barroso, Mônica Salmaso e Paulo Freire, entre outros, e percorreu o país e o Exterior representando o Brasil em festivais no México e em Portugal (Festival Ollin Kan de Culturas de Resistência). Após lançar o primeiro disco, em 2007, foi selecionado no Projeto Pixinguinha (Funarte) e no programa Rumos Itaú Cultural (2008). Recebeu, em 2011, o prêmio Inovação do Festival Voa Viola e, em 2014, o prêmio Cata-Vento, outorgado por Solano Ribeiro, da Rádio Cultura AM, como Melhor Grupo de Música Raiz. Em 2012, dividiu o palco com a Orquestra Municipal de Jundiaí, criando arranjos para incorporar à orquestra de cordas à sua concepção peculiar da música caipira, e com a Orquestra Sinfônica de Sorocaba. Voltaram ao palco da Orquestra Municipal de Jundiaí, em 2017, ao lado de Renato Teixeira.
O segundo álbum, Águas Memórias, é de 2013.
Do Verbo Chão, lançado em novembro de 2019, no palco da Galeria Itaú Cultural, na cidade de São Paulo, foi gravado com recursos próprios e viabilizado por meio de uma campanha de financiamento coletivo para a qual contribuíram mais de 220 pessoas. O projeto gráfico é de Ana Dias, com fotos e Omar Paixão e ilustração de Laura Lydia. O poema Terra Motriz, que ocupa a primeira página do encarte, assim como a crônica que antecede a letra de Pé de Ipê, são de autoria de Daniel Muller.
Entre os cem mais
O álbum novo do Conversa Ribeira está entre os 100 melhores de 2019 na avaliação do jornalista especializado Ed Félix, que produz o portal Embrulhador. Entre 1132 discos que Felix avaliou no ano passado para elencar os cem mais-mais, em sua avaliação Do Verbo Chão aparece em 84º em lista ao lado de nomes como Chico César, Jards Macalé, Alessandra Leão, Ave Sangria. André Mehmari, Ceumar, Fafá de Belém, Zeca Baleiro e Elza Soares.
Tânia Bernucci: (11) 9 99096181-36723967- bernucci@uol.com.br
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Ed Félix, Embrulhador, Chico César, Jards Macalé, Alessandra Leão, Ave Sangria. André Mehmari, Ceumar, Fafá de Belém, Zeca Baleiro, Elza Soares.