Dez canções de arranjos artesanais e sonoridade armorial compõem o álbum Canteiro de Alumiá, de Ricardo Dutra e Quinteto Aralume, lançado em agosto de 2019, no Teatro Martins Pena, na cidade de São Paulo, com participação da cantora Letícia Torança e apresentação do violeiro, pesquisador e compositor Ivan Vilela, professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). O disco, disponível nas plataformas digitais, foi o escolhido para abrirmos neste dia 25 de janeiro mais uma rodada das audições matinais que promovemos aos sábados aqui no boteco do Barulho d’água Música. Chamado de “trovador contemporâneo”, o compositor, cantador e instrumentista Ricardo Dutra, com o Quinteto Aralume, de maneira poética e imbuídos de lirismo melódico, abordam nas faixas do álbum histórias do povo brasileiro e a natureza que os rodeia, unidas ao refinamento artesanal dos arranjos que bebem nas fontes do Quinteto Armorial.
A inspiração para a parceria que resultou em Canteiro de Alumiá surgiu depois que Dutra assistiu a uma aula espetáculo do Quinteto Aralume, que realizava homenagem a Antonio Madureira, líder do Quinteto Armorial, grupo que fez sucesso na década de 1970, ao criar uma música erudita brasileira de raízes populares. O Quinteto Armorial nasceu no contexto do Movimento Armorial, idealizado pelo escritor Ariano Suassuna, no Recife e se espalhou pelo Brasil, contando ainda com a participação do brincante Antonio Nóbrega.
“Fui tomado por uma sensação estética e histórica da música dos trovadores, foi uma experiência luminosa que me deu outra perspectiva da música do cancioneiro antigo, uma ideia central do disco, do cultivo à luz, do canteiro que você cultiva, que você planta a luz, e essa luz é a música, é o canto”, disse Madureira após ouvir o álbum, em seu depoimento transcrito no encarte do disco. “E o próprio nome Aralume, que pela etimologia seria uma junção de uma luz numa pedra num altar, neste disco, é o próprio ato de arar a luz.”
O nome do álbum e do espetáculo Canteiro de Alumiá, projeto que recebeu apoio do Edital Música da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, mereceu uma explicação dos próprios músicos. A palavra canteiro, afirmaram, traz diversos significados: o canteiro de obra, o canteiro de cantaria (arte de talhar pedra), e também o canteiro de flores, sendo a flor um elemento poético bem utilizado nas letras das canções. “Todos estes canteiros formam o Canteiro de Alumiá, um lugar de tarefa e lapidação desta obra musical, que alumia com o encanto das canções que nele brota e fecunda.”
O Quinteto Aralume promove uma proposta de música brasileira fora dos cânones, “erudito” e “popular”, onde reverberam os timbres da cultura popular na formação de um conjunto de música de câmara. Mesclando o universo da pesquisa, interpretação e criação musical, propõe um caminho próprio para a realização da música instrumental brasileira. Formado em Setembro de 2015, com estreia no Colóquio Internacional sobre Literatura de Cordel realizado pelo Instituto de Estudos Brasileiro da Universidade de São Paulo (USP), o Quinteto Aralume nasceu com a proposta de realizar uma música instrumental brasileira em sintonia com a música armorial. Com a sonoridade do violão, da viola brasileira, do violoncelo, da rabeca, de flautas e de pífanos, o grupo mescla pesquisa, interpretação e criação musical.
Em novembro de 2016, o grupo homenageou Antonio Madureira em aula espetáculo do compositor no auditório do SESC Vila Mariana, abrindo caminho e espaço para a trajetória artística do conjunto. Depois, em 2017, recebeu junto com Dutra a premiação de criação artística com o projeto Ricardo Dutra e Quinteto Aralume, contemplado pelo Edital de Apoio à Criação Artística-linguagem Música da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, possibilitando a criação do espetáculo Canteiro de Alumiá, contando com a participação especial da cantora Letícia Torança.
O conjunto absorveu em seu repertório a pesquisa desenvolvida por Francisco Andrade, um dos membros do Aralume, no Instituto de Estudos Brasileiros da USP, que resultou na dissertação de mestrado Quinteto Armorial: Timbre, Heráldica e Música. Mesclando o universo da pesquisa, interpretação e criação musical, o repertório abarca a timbragem da tradição medieval com a música contemporânea.
Integrantes do Canteiro de Alumiá e do Quinteto Aralume
Bruno Menegatti (Rabeca)
Nascido em Santo André, em 1985. Mestre em música pela USP, realizou pesquisa sobre as Bandas de Pífanos da Bahia (2012). Graduou-se em licenciatura em música pela mesma instituição (2009). Como compositor realizou trilha para espetáculos de teatro em projetos da Companhia do Latão e da Velha Companhia. Foi contemplado no Edital da Funarte Prêmio Interações Estéticas 2009 e realizou o projeto no Ponto de Cultura Sons de Canudos (BA). Foi formador do curso de sonoplastia da SP Escola de Teatro (2012 a 2014) e integra diversos grupos, o Embira Duo, com o violonista Anderson Chizzolini, um duo com o poeta e cantador Zacarias de Oliveira, o duo Calango Cego com o pianista Gustavo Sarzi e o Ser Tão Trio.
Enrique Menezes (Flautista)
Compositor, Doutor em Musicologia pela USP ,com Mestrado e graduação em composição na mesma instituição. Ganhou o primeiro lugar no Programa Nascente na categoria Composição Erudita e na categoria Composição Popular, tendo recebido a bolsa de composição desse programa em 2013. Atua também como intérprete, tendo acompanhado, entre outros, figuras da música popular como Dona Inah, Monarco, Elton Medeiros, Carlos Lyra, Eduardo Gudin, Ná Ozzetti, Toninho Ferragutti e Alessandro Penezzi. Em 2015 recebeu convite para ser pesquisador em dois ciclos do Centro de Formação e Pesquisa do SESC-SP para falar sobre Mário de Andrade e a música.
Francisco Andrade (Viola e violão)
Iniciou os estudos de música aos 11 anos com o mestre violonista Fernando Presta. Posteriormente, estudou com os violonistas Ruy Weber, Everton Gloeden, Roger Eon e Paulo Porto Alegre. Em 2003 incorporou o estudo da viola brasileira tendo aulas com os violeiros Ivan Vilela, Vinícius Alves e Zeca Colares. Foi idealizador do grupo Quarteto Pererê, tendo dirigido os álbuns Ebulição (2004) e Balaio (2008). Na área cultural, colaborou na idealização do Ponto de Cultura Pilar do Sul, atuando como professor, pesquisador e diretor da premiada Orquestra de Violões MultiVozes. Desenvolve trabalho de pesquisa e criação musical com o Quinteto Aralume, duo Ionan Andrade e parcerias com o compositor Ricardo Dutra e a cantora Letícia Torança. Sob a coordenação do mestre violeiro Ivan Vilela, atualmente integra o projeto Madureira Armorial Romançal, dedicado à organização das partituras da música de câmara do compositor Antonio Madureira. É mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP, com a dissertação Quinteto Armorial: Timbre, Heráldica e Música.
Ionan Daniel (violoncelo)
Estudou com grandes músicos, tendo como seu grande mentor o violoncelista polonês Zigmunt Kubala. A experiência acumulada como músico determinou sua atividade como regente. Nesta caminhada, adquiriu técnicas de regências com professores que são referência no Brasil, como Muriel Waldiman e o atual orientador Maestro Carlos Moreno. Internacionalmente, participou de masterclasses com Marosi e Kurt Mazur. Realizou concertos como solista na Sala São Paulo junto à Orquestra do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde foi professor. Lecionou também nos Conservatórios Villa-Lobos e Souza Lima, além do extenso trabalho sociocultural no Projeto Guri. Hoje, à frente da Orquestra Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri da Universidade Metodista de São Paulo, realiza intenso trabalho com os jovens músicos e na formação de talentos na Região do ABC.
Thiago Moretti estudou violão erudito com Henrique Pinto e Everton Gloeden na Escola Municipal de Música de São Paulo. Formado em regência coral pela Etec de Artes, desenvolve trabalhos com o Coral Universitário Mackenzie.
Ricardo Dutra é especialista em educação musical, bacharel em música com habilitação em violão erudito, compositor, cantor, multi-instrumentista, artista educador e pesquisador da cultura popular tradicional do Brasil. Lançou seu primeiro disco autoral, Xamã, em 2006, e é fundador do Romanço, grupo musical com o qual produziu o DVD Romanço ao Vivo (2010), nome que segue sugestão do escritor Ariano Suassuna. Participa como músico-cênico em espetáculos da Companhia da Tribo e realiza trabalhos de contação de histórias solo e com a Companhia Ginga e Prosa. Compõe trilhas para dança e teatro e também atua como diretor musical.
“Ricardo Dutra, qual um menestrel, canta o que seus olhos veem e o seu coração sente construindo uma narrativa que busca um mundo mais sensível, idílico, onde a natureza em seu equilíbrio seja a verdadeira regente de todas as relações”, escreveu Ivan Vilela. “Numa espécie de evocação a todos os cantadores, o encontro de Ricardo com o Aralume celebra musicalidades presentes no Brasil de Dentro”, emendou o professor, encerrando com elogios ao disco no qual “criação e a busca sonora se confundem com o viver e com o sonho da construção de um mundo mais humano.”
Ana Eliza Colomar é flautista, violoncelista e saxonista formada pela Escola Municipal de Música de São Paulo, tendo expressiva participação no cenário musical paulistano, tanto na música erutida, quanto na popular. Integrou a Orquestra Experimental de Repertório, a Sinfônica de Santo André, entre outras, mais os grupos de teatro do Ornitorrinco, XPTO nas funções de instrumentista e arranjadora. Acompanhou os cantores Rita Benedito, Edson Cordeiro, Thiago Pethit, Tiê, Socorro Lira, Gereba, Renata Fioti, entre outros e é integrante do grupo Mawaca há 18 anos. Também dirige o projeto de samba e choro Dedo de Moça e Orumalé, dedicado a pesquisa poética de cânticos dos orixás.

Foto: Marcelino Lima/Acervo Barulho d’água Música)
A cantora gaúcha Letícia Torança iniciou sua carreira na cidade do Rio Grande (RS). Neta do músico e baterista Wilson Carvalho, suas descobertas musicais começaram em casa. Sua formação passou pelo balé, sapateado, dança contemporânea, canto e piano. Estudou canto no Conservatório de Belas Artes em Rio Grande e, mais tarde, na Universidade Federal de Pelotas (RS). Produziu seus espetáculos em Teatros e Casas de Cultura de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, classificando-se entre os dez finalistas do 2º Festival de Música e Poesia Fearg. Ao longo de sua carreira vem sendo apoiada pela crítica em importantes jornais regionais. Em 2006, integrou o Projeto Jazz na Caixa, promovido pela Caixa Econômica Federal, em São Paulo. Em 2008, participou do 39º Festival Nacional da Canção, em Minas Gerais. Participou do grupo Encanto de Cordas. Fez participações em espetáculos do Quarteto Pererê, Evandro Gracelli, Jardim das Horas dentre outros. Além de atuar como professora de canto, vem se apresentando em São Paulo, Salvador, Porto Alegre.
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