Gaúcho Martim César, um dos autores do álbum em parceria com Marco Aurélio Vasconcellos, tem mais de 80 prêmios pelo conjunto da prolífica obra musical e literária
Em 14 de março publicamos matéria especial sobre Além das cercas de pedra, um belo trabalho de registro e de divulgação da música nativista gaúcha, destacando um dos três músicos que gravaram o álbum –, o cantor e compositor Marco Aurélio Vasconcellos, que se juntou ao também cantor e compositor, poeta e escritor, Martim César, e ao violeiro, produtor artístico e arranjador do álbum, Marcello Caminha.
Vasconcellos, que fez parte do grupo Os Posteiros e é uma das vozes mais conhecidas e admiradas do Sul do país pelas emocionadas interpretações do que canta, foi quem enviou à redação do Barulho d’água Música um exemplar do Além das cerca de pedra, que a nós chegou acompanhado de Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira, sucesso anterior dele com César, mais as participações de Caminha (arranjos, contrabaixo e percussão). Elias Barbosa (bandolim) e Rafael Ferrari (bandolim em Sobre os telhados de Lisboa), gravado de março de 2015 a maio de 2016.
Esta atualização vai trazer mais sobre Doze Cantos… e, desta vez, priorizar mais informações sobre a biografia e a carreira de César – o parceiro dele desde 2011, Marco Aurélio, trata-o como “um fenômeno”, explicando que “é difícil encontrar um letrista com tanta categoria, porque as letras dele têm início, meio e fim, conteúdo e, na maior parte das vezes, há mensagem também”, emendou, destacando que “já temos perto de 100 canções juntos”. As canções de Doze Cantos (…), distinguido com dois Prêmios Açorianos em 2018 (categorias Melhor Projeto Gráfico e Disco do Ano), conforme Vasconcellos escreveu na dedicatória que enviou ao Barulho d’água Música, são “uma homenagem aos nossos ancestrais ibéricos, cujo sangue corre nas veias de todos quantos participaram deste trabalho”. Com 13 faixas e um encarte com imagens de locais e edificações históricos de Portugal e de Espanha, Doze Cantos (…) foi gravado entre 6 de março de 2015 a maio de 2016 e lançado em 2 de junho de 2017 no Sesc do Centro Histórico de Porto Alegre.
“Nossas avós foram índias ou negras, porém nossos avôs foram, em sua maioria, nos primeiros anos, portugueses ou espanhóis. Bascos, galegos, açorianos, castelhanos, todos oriundos da península ibérica”, apontou o texto de apresentação do Jornal no Palco em sua versão on-line à época do lançamento, observando que as faixas trazem um “passeio poético” que reúne fados, músicas espanholas, cantigas açorianas e MPB. Em uma das páginas do premiado encarte, Vasconcellos e César escreveram:
“Nós, argonautas deste tempo, saímos então para uma aventura, à usança de Don Quijote; ainda que menos venturosos, por certo, rumo a terras lusas e espanholas, em busca de nossas raízes. Ao encontro de parte delas, obviamente, já que as outras, as mais, estavam cá, no novo mundo; e outras ali, logo ali, na mãe-África. Por terras da Península Ibérica andamos cerca de um mês – embora pudéssemos ficar uma vida, que o olhar e a alma não abarcariam tantos matizes -, para confirmarmos o que já intuíamos e tínhamos como certo: esses lugares, essas gentes, esses costumes, essas canções, essas histórias, sempre estiveram em nós. São partes da nossa concepção de mundo; do nosso modo de ver e viver a vida. E em cada lugar, cada urbe, cada aldeia lusitana, cada pequeño pueblo espanhol, a mesma pergunta surgia dentro de cada um de nós: Reinos lendários da Ibéria, fronteiras da cristandade, se eu não vivi nesse tempo, como é que eu sinto saudade?’”
Este disco e outros de/ou com a coautoria de Martim César (11 ao todo)¹ poderão ser encomendados e enviados para todo o Brasil bastando seguir as instruções ao fazer a (s) reserva(s) na página virtual de César, cujo endereço eletrônico é http://www.martimcesar.com.br/.
O artista é integrante do grupo poético-musical Caminhos de Si, com o qual se apresentou em diversos eventos sociais e literários do Rio Grande do Sul e do Uruguai (fóruns sociais, feiras do livro, saraus literários etc.); bicampeão do prêmio Rua dos Cataventos da Sociedade Mario Quintana de Poesia; vencedor de diversos festivais gaúchos de músicas — tais como o Reponte de São Lourenço do Sul, Martin Fierro de Santana de Livramento, Laçador de Porto Alegre, Círio de Pelotas –, além de festivais nacionais como o Pampa e Cerrado, em Brasília (DF) e o Festival Nacional da Reforma Agrária. Já recebeu mais de 80 prêmios por suas obras musicais e literárias cujos conteúdos trazem críticas a costumes que aprofundam ou perpetuam mazelas sociais ou são alusivos à cultura regional, entre outros temas, tanto no Rio Grande do Sul como no resto do país, fazendo jus a sua indicação como primeiro letrista gaúcho de 2010, conforme apontaram os jurados do Prêmio Açorianos.
Atualmente estabelecido em Jaguarão, município localizado no extremo Sul do país e fronteiriço ao Uruguai, a cerca de 400 quilômetros de Porto Alegre, Martim César é autor dos livros Poemas ameríndios (2000), Poemas do baú do tempo (2001), Dez sonetos delirantes e um Quixote sem cavalo (2009), Sobre amores e outras utopias (2013) e Sob a luz de velas e no terreno da dramaturgia é coautor de O engenhoso fidalgo Don Quijote de la Mancha, uma montagem adaptada da obra imortal de Miguel de Cervantes. Ao final desta atualização poderá ser lido um dos seus poemas mais emblemáticos, Compromisso do Cantor: César o declamou em 29 de dezembro de 2019 no palco do Sr. Brasil, a pedido do apresentador Rolando Boldrin, quando veio à cidade de São Paulo para gravação do programa no Sesc Pompeia, ao lado de Vasconcellos, Caminha e Fábio Santos.
Ainda sobre o disco Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira, segue na integra o artigo publicado naquele 2 de junho de 2017 por Juarez Fonseca na coluna on-line Paralelo 30 do jornal Zero Hora:
O gaúcho e sua raiz ibérica
MARTIM CÉSAR E MARCO AURÉLIO VASCONCELLOS apresentam um disco histórico
“Um dos mais premiados compositores/intérpretes dos festivais nativistas e o principal letrista gaúcho dos anos 2000 unem novamente suas forças e gerações em um arrojado projeto poético-musical: o álbum Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira, que está sendo lançado hoje, às 20h, no Teatro do Sesc (Avenida Alberto Bins, 665). Marco Aurélio Vasconcellos e Martim César inauguraram a parceria em 2011, com Já se Vieram!, disco dedicado ao universo das carreiras de cavalos no interior do Estado. Desta vez vão bem mais longe, mas sem sair do lugar. Escritor e pesquisador de grande erudição sobre a história deste pedaço do mundo formado pelo Rio Grande do Sul, o Uruguai e parte da Argentina, Martim teve a ideia de resumir em música a formação cultural dos habitantes da região no que ela tem de mais remoto, as raízes ibéricas. – Quantos sabem que as receitas de doces que fazem a fama de cidades como Pelotas são açorianas? Que as alpargatas e boinas que muitos gaúchos usam, bem como a tecnologia de construção de mangueiras e pontes de pedra, são de origem basca? Que muitas canções e danças que integram nossa cultura têm origem nos primeiros povoadores? – pergunta Martim. Depois de mergulhar nos livros e deles extrair lugares, paisagens, personagens, lendas e aventuras da dimensão das grandes navegações, ele imprimiu-os nas letras que Marco Aurélio musicou. – Nunca fui fã do fado, até que em certo momento, antes deste trabalho, me dei conta de que minhas composições nativas tinham algo de fado – conta Marco. – Como explicar isso? Atavismo, talvez. E, agora, as melodias iam brotando ao natural, também não sei explicar…
Com tudo pronto, em 2014 os parceiros viajaram para Portugal e Espanha em busca da cor local para depurar o que haviam feito. Andaram pelo Alentejo, o Algarve, Coimbra, Lisboa da Mouraria e Alfama, o Porto, os rios Mondego, Tejo e Ebro, a Galícia, Santiago e seus caminhos, Astúrias, Catalunha, o País Basco, Andaluzia. Sonharam com Cabral, Dom Pedro e Inês de Castro, Colombo, El Cid, Cervantes, singraram o imenso mar – o encarte do CD, com 28 páginas recheadas de fotos da viagem, inclui muita informação extra e citações de Camões, Eça, Saramago, Antonio Machado, Florbela Espanca. Mas não se pense que as canções sejam mero registro histórico – o que já seria interessante. Nada disso. Elas têm vida própria, são moldadas com o olhar, a inspiração, a sensibilidade e o amor de hoje. Martim se supera.

A Torre de Hércules (Farol do Fim do Mundo), em La Coruña, na Galícia, na Espanha, é uma das imagens que ajudaram a premiar o projeto gráfico do encarte..
MELANCOLIA PORTUGUESA, DRAMATISMO ESPANHOL – A música de abertura do álbum, Sobre os Telhados de Lisboa, termina assim: “A nave-mestra deixa o cais/ Com esse olhar de nunca mais/ Que Portugal gravou em mim/ Devo partir, içar as velas/ Rumar ao porto de outras eras/ Singrar o azul do mar sem fim”. Alguns títulos: Velhas Casas de Coimbra, Onde o Vento Faz a Curva, España, Cuando te Nombro, Céus de Castilla y León, Antes de Ser Marinheiro, O Fado se Fez ao Mar. A melancolia portuguesa e o dramatismo espanhol, unidos no Novo Mundo, fazem a essência do trabalho, que se encerra com o humor de Notícias da Terra Brasilis, gaiata versão da carta de Pero Vaz de Caminha, contando ao rei que permanecerá no Brasil para “dar início à mestiçagem”. Aliás, deve ser parente dele o brilhante Marcello Caminha, referência de violonista na música gaúcha, produtor e arranjador do álbum, que chamou para ajudá-lo o não menos Elias Barbosa (bandolim) e Marcello Caminha Filho (baixo, percussão). Uma obra tão significativa, histórica mesmo, merece todos os créditos: produção executiva de Elis Vasconcellos e Martim César, fotos de Elis e Regina Lopes d’Azevedo, projeto gráfico (impecável) da Nativo Design, técnico de gravação Érlon Péricles, masterização do mestre Marcos Abreu. Parabéns!”
N.R.: Este, como os demais álbuns do poeta Martim César (alguns com músicas disponíveis para serem baixadas de forma generosa em sua página eletrônica), comprovam, mais uma vez, como se ainda pudessem restar dúvidas, o quanto este país em seus mais variados rincões, de cultura e identidade diversificadas como talvez em outro não existam, permanece mergulhado em inaceitável obscurantismo.
Não é um fenômeno casual, fortuito, e de resto poderá ser comprovado por vários estudos e publicações, pois há gerações vem de cima para baixo e encontra respaldo não apenas entre fomentadores (públicos e privados) do entretenimento e das atividades culturais, que sobrevive com raras exceções fora dos movimentos que se articulam para quebrar esta resistência midiática, industrial, institucional e, até, em setores acadêmicas.
Uma pena, pois para ficar apenas no linguajar empregado nas letras das poesias-canções da música nativista gaúcha há muito o que se aprender, com o que se arrepiar e para notar que o nosso jeito de falar e, consequentemente, de ser, não é apenas aquele que enfatizam os sotaques e os maneirismos do eixo Rio de Janeiro-São Paulo! É meu rei, vamos deixar de pavulagem: nós temos também tchê, visse? Uai, e não é? O Brasil, minha gente, é mais embaixo, é mais profundo do que “o parquinho”…
Para quem quiser ouvir e apreciar Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira, seguirá abaixo o linque do disco disponível em uma das plataformas de streaming, mas recomendamos que se prestigie os artistas comprando exemplares com eles. Para quem mora na cidade de São Paulo, encontramos oferta do álbum disponível apenas na loja Pop Discos, cujo linque é https://www.popsdiscos.com.br/detalhe.asp?shw_ukey=44645
Compromisso do cantor, Martim César
O cantor deve ser livre/E cantar aquilo que sente/Quem canta ideias de outros, diz a verdade, mas mente!/Cantar é mais que um ofício, uma vocação, um sentimento:/É honrar o compromisso de ter seu povo por centro/Sua voz pode ser pouca/Ser pequena sua plateia/Mas é sua, não de outros/E são próprias suas ideias/De pouco vale o cantor se não entende o que canta/A voz tem bem mais valor/Se nasce aqui na garganta/Aos que vivem cantando histórias que não conhecem/Mal chegam, já vão andando/Já o povo deles se esquece/São os que cantam gritando/Botando a boca no mundo/Mas vale uma voz serena/Se o seu sentido é profundo/Se o cantor não tem apreço pela mensagem semeada/Seu cantar pode ter preço/Mas seu valor será nada!/Todo canto verdadeiro sempre tem o mesmo efeito:/É como um tiro certeiro no lado esquerdo do peito!/Se ao cantor faltar verdade/Não tem raiz esta planta/Quem canta só porque sabe/Não sabe aquilo que canta!
Clique neste linque e ouça Doze Cantos Ibéricos & Uma Canção Brasileira
1 Os livros de Cesar são: ‘Caminhos de Si’; ‘Maria Conceição canta Martim César e Paulo Timm – folclore latino-americano’; ‘Canções de a(r)mar e desa(r)mar (MPB)’; ‘Da mesma raiz’ (indicado ao Açorianos de 2010) ‘Já se vieram’; ‘Memorial de Campo’; ‘Paisagem interior’, (com três indicações no Açorianos 2015), ‘Náufragos Urbanos’ (Indicado a melhor álbum de MPB do RS, pelo prêmio Açorianos 2015), os atuais ‘Caminhos de Si, o tempo’, ‘Canciones que nacen del camino’ e ‘Doze Cantos Ibéricos e uma canção brasileira’ (vencedor do Açorianos 2017 nas categorias melhor álbum regional e melhor design gráfico). Atualmente está lançando o livro Sangradouro (contos) e o CD Além das Cercas de Pedra, com Marco Aurélio Vasconcellos e Marcello Caminha. Possui também, em fase de publicação, o primeiro livro da trilogia Gaúchos, a epopéia dos párias. (Poema épico), e o CD de MPB Náufragos Urbanos 2 – Relógios de areia.
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