1295 – Déo Miranda (SE) abre o peito, mas em seu segundo álbum autoral bate duro contra nossas hipocrisias e mazelas do país

Sem medo de atacar quem precisa, falando o que pensa e o que sente, cantor e compositor sergipano vai do micro ao macro valendo- se da poesia, da sonoridade do rock e do linguajar regional nordestina para abordar temas cotidianos como violência urbana e política

O cantor, compositor e poeta Déo Miranda, residente há 14 anos em Mogi das Cruzes, cidade paulista situada na Região Metropolitana da Capital de São Paulo, lançou em julho do ano passado (como parte do 11º Festival de Inverno Serra do Itapety) Poesia Dura, Língua Ferina, Coração Justo. O álbum com 10 faixas é o segundo da carreira de Miranda, artista nascido em Aracaju, capital do estado do Sergipe, e na estrada desde 1989 atuando também como produtor cultural — à frente da Malungada Produtos Culturais, tornou-se idealizador, por exemplo, entre outras iniciativas, do Festival de Arte Popular do Alto Tietê. Poesia Dura, Língua Ferina, Coração Justo indica um momento de releitura do artista em relação à própria trajetória cujo embrião foi bandas de punk e hardcore como Cleptomania, Sublevação e Karne Krua, passando ao longo de seu amadurecimento pelo universo das cantorias e do regionalismo, que sempre fizeram parte de sua alquimia musical e estão entre suas paixões; neste gênero, destacou-se no grupo Batequejé e com o quarteto Cantadores dos Quatro Cantos, entre outros.

Em algumas faixas, Miranda até alisa e permite breves afagos, mas, depois que morde, não assopra onde os dentes cravaram com força. E o álbum foi pensado e feito mesmo para cutucar, trazer músicas densas e letras de contestação que abordam temas e aflições pessoais do dia a dia do autor até mazelas como violência urbana e preconceitos, tudo descrito em composições provocativas, em estilos distintos. “São relatos de contestação social e política, que falam do que se apresenta hoje no país”, definiu Déo Miranda ao jornalista Heitor Herruso, de O Diário de Mogi, ao explicar que “tudo começa próximo de mim, e aos poucos é possível perceber que na verdade é mais abrangente”.

A meta é “saber o ataque certo e não ter medo de falar”, ponderou o músico, que buscou dar ao disco um tom “agressivo”, ora pelas poesias, ora pela própria sonoridade; alguns ouvintes mais atentos perceberão uma semelhança entre os timbres de voz de Déo Miranda e do pernambucano Siba, o que pode até ser um atrativo a mais, mas é preciso frisar que o sergipano tem sua marca própria e a demonstra com peculiar força interpretativa neste ótimo disco autoral. O rock de pegada perturbadora permeia as canções, mas elas começam revelando a influência nordestina do autor em Bebendo Poeira e Comendo Vendo; nela não há protestos, mas o reforço do regionalismo. Na sequência ouve-se Tudo o que Corrompe Causa Prejuízo Moral, que começa com declamação feita pelo ator sergipano Severo D’acelino.  “Quando o Estado não é justo, o povo deve ser soberano, porque tudo o que corrompe causa prejuízo moral”, observa D’acelino. Na sequência, a melodia dá espaço para um refrão provocativo: “No inferno nem cabe mais tanto herói/Ninguém ganha o céu se nada destrói”.

Herruso notou, ainda, que Poesia Dura (…) também revela composições reflexivas; nem o sistema judiciário brasileiro escapou das agulhadas. “Por meio da poética mostramos a corte como algo falido, que caiu de podre”, disse o artista.

O disco de Déo Miranda está disponível na maioria das plataformas digitais (clique aqui para ouvi-lo) e chegou às lojas distribuído pela Tratore. O texto abaixo traz mais informações:

Poesia Dura, Língua Ferina, Coração Justo” (EMAM/Bas7 Áudio Solution) é o segundo trabalho solo do artista sergipano Déo Miranda, que neste projeto revisita o seu lado mais visceral, apresentando uma sonoridade mais crua e pesada, em relação ao trabalho anterior Batuque é Batuque Mesmo (2007), momento de total envolvimento com pesquisas sobre temas regionais e tradicionais.

Partindo do meio micro, onde os questionamentos pessoais lançam um olhar mais apurado sobre o que acontece a sua volta, Déo Miranda sai do íntimo de seus conflitos relacionais e propõe a autocrítica diante das posturas e posicionamentos de cada um, tomando como mote o cenário político e social que se apresenta no momento atual, conjunto de elementos que dão o tom duro e ao mesmo tempo poético do álbum, que entrelaça elementos tradicionais, expressões e linguajares peculiares com uma diversidade de simbologias, influências artísticas, sonoras e literárias, indo de Guimarães Rosa e Sebastião Salgado a Arthur Bispo do Rosário; do Samba de Pareia ao rock setentista.

O disco foi gravado nos estúdios EMAM – Estúdio Municipal de Áudio e Música – Mogi das Cruzes e Bas7 Áudio Solution em São Paulo, entre os anos de 2017 e 2018. Entre os convidados, o ator pernambucano Dinho Lima Flor (CIA do Tijolo), o militante negro e também ator Severo D’acelino, e ainda Dejair Benjamim (Tchandala), Luana D´almeida, o guitarrista Celso Damasceno e o Mestre Silvio Antônio.

Na definição do próprio autor, Poesia Dura, Língua Ferina, Coração Justo pode ser entendido como um desabafo, uma forma espontânea de expressar, sem a culpa do equívoco, sentimentos em forma de poesia e som, entoados livremente, sem a responsabilidade da perfeição, nem mesmo a obrigação de nada que possa definir gênero ou rótulos, apenas canção sem o compromisso da uniformidade; uma afirmação direta ao regionalismo, aos saberes tradicionais, aos detentores populares; um zine libertário sem o medo de ser panfletário; um berro, um clamor, um afago, depois outro berro. A arte de uma alma catingueira e de um coração urbano”

Sobre o Festival

O Festival de Arte Popular do Alto Tietê foi elaborado para oferecer atrações musicais, exposições, montagens teatrais, saraus, sessões de cinema e workshops, entre outras formas de manifestações culturais, aos moradores de Arujá, Guararema, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis e Suzano. De acordo com Déo Miranda, desta forma pode-se levar todas as linguagens artísticas e seus condutores, quer sejam tradicionais ou urbanas, simultaneamente e de forma livre ao mesmo palco, integrando-as e fomentando a interação em apresentações com acesso liberado ao público, já que “a arte popular é a arte que vem do povo”.

Leia mais no Barulho d’água Música sobre Déo Miranda ou conteúdos a ele relacionados clicando no linque abaixo:

https://barulhodeagua.com/tag/deo-miranda/

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