Dedicado à música desde os 13 anos, músico que vive em uma das ilhas açorianas ganhou fama também como pesquisador e exímio docente, além de autor de trinca de livros com métodos para o instrumento
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Paralelo 38 é um dos álbuns da discografia de Rafael Carvalho dedicado à viola da terra
O Barulho d’água Música graciosamente recebeu, enviados à redação pelo próprio Rafael Carvalho, cópias integrais dos cinco álbuns por ele gravados entre 2014 e 2019, todos instrumentais, e um deles duplo, com nada mais, nada menos, que 80 faixas! Rafael Carvalho, amigos e seguidores, é um jovem e carismático músico de não completados, ainda, 40 anos de idade (marca que conquistará em setembro próximo), mas em sua trajetória artística iniciada no viço dos seus 13 anos já se tornou em um dos maiores dinamizadores do instrumento que além-mar, onde ele vive, é popularmente conhecido por viola da terra, com o qual alcançou fama e por ele é hoje referência cultural e acadêmica, dentro e fora de seu país. Compositor, além de exímio docente e pesquisador dedicado, autor de uma consagrada trinca de livros os quais compartilha seu Método para Viola da Terra – Iniciação, Básico e Avançado, Carvalho é de Ribeira Quente, freguesia da ilha de São Miguel, uma das nove que formam em Portugal o arquipélago dos Açores.
Os discos que dele recebemos pela ordem de lançamento são: Origens (2012), Paralelo 38 (2014), Relheiras (2017), 9 Ilhas, 2 Corações, o duplo da discografia (2018), e Um Natal à Viola, que saiu do estúdio em 2019, e que o autor define como “um sonho de muitos anos agora concretizado”. Por meio de 14 faixas, ele conduz o ouvinte a uma viagem de regresso à sua infância ao passo que apresenta músicas que ouvia e cantava em sua casa, na de amigos e na escola. As canções, lembra-se, faziam parte do dia-a-dia nas festas natalinas. A alguns temas tradicionais de Portugal continental, do Natal madeirense e do Natal açoriano, Carvalho mesclou clássicos como Noite Feliz e Adeste Fideles antes de finalizar o álbum com Um Natal à Viola, que compusera há mais de duas décadas e adaptou para execução à viola da terra.
A paixão de Rafael Costa pela viola da terra remonta ao ano de 1993, quando piá começou a ter aulas com Carlos Quental. Após apenas um semestre orientado pelo mestre Quental, o rapaz tornou-se autodidata e em sua rápida evolução técnica passou não apenas a formar e a integrar grupos dedicados ao instrumento com os quais ganhou a estrada, bem como enveredou por escolas e conservatórios mergulhando no aprimoramento e na transmissão de conhecimentos teóricos. Neste mister, por exemplo, estão em seu currículo o Conservatório Regional de Ponta Delgada, a Escola da Viola da Terra da Fajã de Baixo e a Orquestra de Violas da Terra, entre outras instituições de ensino e produção e difusão cultural que inclui, ainda, a presidência da Associação de Juventude Viola da Terra, formada na Ribeira Quente em dezembro de 2010.
Soma-se ao invejável rol das atividades de músico e docente a organização de diversos encontros regionais, nacionais e internacionais com tocadores de viola, um dos quais envolveu a presença do mineiro Chico Lobo, durante O II Encontro de Violas de Arame. Por atuar em frentes tão amplas e abrangentes levando-a junto aos braços e em seu coração, Carvalho merece o título que lhe conferem amigos e entidades de principal revitalizador da viola da terra, na atualidade. Suas criações são temas de festivais, trilhas sonoras, minisséries e de outros eventos culturais e de entretenimento produzidos pelas principais emissoras de rádio e televisão de Portugal, entre as quais a Rádio e Televisão de Portugal (RTP), de abrangência nacional É praxe em suas apresentações, seja a solo ou em outra formação (duo, trio e quarteto) e que já correram todas as Ilhas dos Açores ¹ e o levou a turnês por outras freguesias portuguesas e cidades europeias dialogar com a platéia oferecendo explicações gerais sobre a viola da terra, seu contexto e simbologia, por meio da demonstração de temas do seu repertório instrumental tradicional, mas, também com momentos de inovação, apresentando temas originais e adaptações suas de peças para Viola da Terra que pretendem demonstrar as potencialidades do instrumento e cativar públicos cada vez mais fiéis e novos.
Mais informações sobre Rafael Carvalho e a viola da terra, projetos do músico, realizações e prêmios conquistados, bem como a respeito dos seus álbuns e como adquiri-los, podem ser encontradas em www.freewebs.com/violadaterra/rafaelcarvalho

Destaque da Viola da Terra no quadro “Os Emigrantes” de Domingos Rebelo (1926)
Sons da saudade
À época do lançamento de Um Natal à Viola, em outubro de 2019, Rafael Carvalho concedeu entrevista ao portal Cultura ao Minuto da agência Lusa no qual observou que a viola da terra, cuja sonoridade nos lembra a da viola caipira, é um instrumento musical de cordas típico dos Açores, pertencente à família das violas de arame portuguesas, que teve origem no século XVIII e “sobreviveu graças ao povo”.
O músico e professor frisou naquela ocasião que a viola da terra só chegou aos nossos dias porque está associada às tradições populares, muito ligada antigamente às romarias. De acordo com os registros históricos, “as pessoas saiam em romarias para as festas e procissões e a viola ia sempre, porque animava as romarias e os arraiais”. Os primeiros registros históricos remontam ao século XVIII e, apesar de não existirem respostas definitivas, acredita-se que ela terá descendido de uma viola comum, a que deu origem às várias violas de arame portuguesas.
“Não sabemos de onde descendeu a viola da terra. Existem sete violas de arame em Portugal e acredita-se que uma delas deu origem às de arame portuguesa e que se transformou numa viola com características diferentes em cada região. A original, não sabemos qual foi, seria em forma de oito, com cordas duplas e triplas”, disse o músico, destacando que as violas de arame “são todas muito semelhantes na forma física e entoação”, apesar de terem “ganho características muito próprias de cada região com o desenrolar das décadas”.
A viola da terra, também conhecida por “viola de dois corações”, tem a caixa em forma de oito e tem 12 cordas: três ordens duplas (seis cordas mais agudas organizadas aos pares) e duas ordens triplas (outras seis cordas graves e organizadas em conjunto de três). “É como se tivéssemos cinco cordas, cada corda com duas ou três ordens que têm de ser pressionadas em simultâneo”, apontou Rafael Carvalho, assinalando o caso particular da ilha Terceira onde a viola da terra, ao contrário do restante arquipélago, tem 15 cordas.
O número de cordas da viola da terra é uma “característica original” do instrumento que se manteve devido ao “isolamento” do arquipélago. “O isolamento foi bom porque permitiu manter qualidades originais, quer ao nível das características físicas da viola, quer do repertório solista e instrumental. O cancioneiro açoriano é riquíssimo, a viola é ponteada nas ilhas todas e tem sempre muito repertório, que muitas das violas de arame perderam. Nós aqui, com a nossa insularidade, conseguimos preservar a raiz da viola”.
Em termos sonoros, a viola da terra caracteriza-se por ser um instrumento bastante abrangente em termos tímbricos. “A sonoridade da viola da terra destaca-se, não só porque tem aquele som da nossa saudade, dos nossos fados corridos, das nossas charambas e das cantorias ao desafio. Consegue ir buscar sons agudos, mas também consegue graves muito bonitos por causa das ordens triplas”, avançou.
Depois de um período em que “quase desapareceu”, entre as décadas dos anos 1950 e 1960, devido à “emigração”, “à guerra colonial” e ao “próprio regime, que não via com bons olhos ajuntamentos populares”, a viola da terra “passou a ser ‘cool’ porque está nas redes sociais e nas escolas, nos sítios onde estão os jovens. Antes havia poucas iniciativas e desde a criação da associação passou a existir, pelo menos, meia dúzia de eventos todos os anos, muitos em conjuntos com várias escolas e tocando o mesmo repertório, mas foi preciso “muito trabalho e insistência para que hoje os jovens conheçam o instrumento”.
¹Os Açores são um arquipélago português com 2.325 km², com noves ilhas que ficam a uma distância média de 1.600 quilômetros de Portugal continental, basicamente na linha de Lisboa, , situado no Atlântico nordeste, dotado de autonomia política e administrativa, consubstanciada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Os Açores integram a União Europeia com o estatuto de região ultraperiférica do território da União, conforme estabelecido nos artigos 349.º e 355.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O arquipélago dos Açores é constituído por nove ilhas que são divididas em três grupos: Grupo Oriental :Ilha de São Miguel e Ilha de Santa Maria; Grupo Central: Ilha Terceira, Ilha do Faial, Ilha do Pico, Ilha de São Jorge, Ilha Graciosa; e Grupo Ocidental: Ilha das Flores e Ilha do Corvo.
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Um comentário sobre “1297 – Autor de cinco álbuns instrumentais, Rafael Carvalho é referência maior da viola da terra dentro e fora de Portugal”