1299 – João Mulato, parceiro de Bambico e de Pardinho, deixa de luto música de raiz

Mineiro que vivia em Bauru, no Interior paulista, fez história como primeiro violeiro canhoto e integrante de várias duplas, cujo acompanhante sempre se chamou Douradinho, e era admirado pelo rigor estilístico

O cantor e compositor mineiro João Mulato, que se tornou célebre no meio sertanejo de raiz ao lado de vários parceiros com os quais formou sucessivas duplas batizadas sempre como João Mulato e Douradinho — a primeira delas iniciada no começo dos anos 1970, ao lado de Bambico (Domingos Miguel dos Santos, violeiro de fundamental importância na criação do ritmo do pagode de viola)– morreu na segunda-feira, 20, em Bauru, cidade do Interior de São Paulo, onde residia há 12 anos. Mulato, desde há cerca de um ano, combatia um câncer que se expandiu por vários órgãos e não mais respondia às sessões de quimioterapia, levando o seu estado clínico a piorar e a obrigar na sexta-feira, 17, a sua internação no Hospital Estadual de Bauru. Aos 69 anos, ele não mais resistiu. A filha, Daniella da Silva Leôncio de Melo, confirmou a passagem e comentou que o pai foi um ídolo que admirou até o último dia, apesar de admitir “diferenças” sobre as quais não entrou em detalhes, pois “o respeito foi mútuo”. O que importou mais para Daniella frisar é que Mulato “era artista e seus únicos e grandes amores foram a viola e a música, as quais ele se dedicou. Não admitiu erros. Por isso, suas músicas foram marcantes e seus arranjos, inesquecíveis“.

Wilson Leôncio de Melo, o João Mulato, nasceu em Passos (MG) e tocou com muitos nomes de expressão do gênero, entre os quais ícones Tião Carreiro, Tonico & Tinoco, Pardinho e Paraíso. Uma de suas marcas é o pioneirismo como violeiro canhoto, característica que o levou a inverter a sequência das notas na viola caipira. Ao lado de Bambico, o primeiro Douradinho, gravou, entre outras músicas, Meu Reino Encantado — que, anos mais tarde, Daniel também interpretou. Depois do duo com Bambico, João Mulato se juntou a pelo menos outros oito Douradinho, com os quais também emplacou sucessos tais quais Ao Mestre Com Carinho, Tempo de Infância, A Última Viagem e Violeiro Sem Viola. Além destas diversas duplas com Douradinhos – dos quais não se encontra muitas informações bibliográficas, incluindo o mais recente, com o qual gravou Tudo a ver (2012) –, João Mulato foi parceiro de João Carvalho, coautor do disco Não Deixo a Viola Cair. e também fez dupla com Pardinho depois que Tião Carreiro caiu doente. João Mulato e Pardinho gravaram, juntos, quatro álbuns entre 1990 a 1997, ano no qual o Pardinho pendurou a viola a pedido da família. Com o término da carreira artística de Pardinho, João Mulato voltou à tocar com Douradinhos.

Um dos amigos de João Mulato, o apresentador do programa sertanejo Viva Viola (canal 13 da Net) Oneir Caçador declarou que o cantor era tão perfeccionista que teria chegado a gravar cinco vezes a mesma entrevista. “Ele levava a sério a música sertaneja, um líder no segmento”, observou o radialista, que por 40 anos conviveu com o violeiro. “Era tímido, falava pouco, mas representava uma grande bandeira da música raiz. Perdemos um grande pedaço (…) da música sertaneja”.

Eleitor de Bolsonaro

Em 2018, durante a campanha eleitoral para eleição e um novo presidente da República, João Mulato e um dos Douradinho gravaram o pagode de viola Bolsonaro vem ai, cuja letra é de Mulato e Homero Cruz. “O pais virou baderna, já estourou a espoleta, todo tempo governado pelas mãos destes capetas/os honestos e humanos foram parar na sarjeta/Bolsonaro vem ai ao som do toque da corneta”, cantou a dupla nos primeiros versos, completando: “Enganaram tanto o povo e a coisa ficando preta/Só o Bolsonaro neles para dar fim nesta mutreta”.

O violeiro mineiro João Mulato e um dos oito parceiros Douradinho mostram o último disco que a dupla gravou em 30 anos, em 2012

No livro Música Caipira, as 270 maiores modas, escrito por José Hamilton Ribeiro em 2015 pela Realejo Livros, há sete menções aos músicos João Mulato e Douradinho (elas aparecem, respectivamente, nas páginas 146, 157, 159, 215, 284, 289 e 299. Na citação que consta na 284, Zé Hamilton observa que a dupla teve como destaque da carreira a Querumana, muito conhecida e muito cantada, Meu Reino Encantado. A letra, de fundo romântico, lastima a sorte de pequenos agricultores que se veem forçados a vender a propriedade para grandes criadores. Ainda conforme o jornalista, Meu Reino Encantado é criação de Valdemar Reis e Vicente Machado.

A Querumana é um dos 22 ritmos caipiras listados no livro Música Caipira, as 270 maiores modas e levantados pela fonoaudióloga, cantora, violeira e produtora cultural  Simone Sperança.    

Discografia

(2012) Tudo a ver/(2007) Clássicos da Moda-de-Viola/(2006) As mais românticas de Tião Carreiro (2004) Fera Ferida/(2000) Modas de viola clássicas/(1998) Ao mestre com carinho/(1989) Rosa branca perfumada/(1986) O ímã do amor/(1985) Moda de viola/(1984) João Mulato e Douradinho – Volume 3/(1981) Meu reino encantado/(1980) Saudade de um amor passado

 

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