1305 – Luiz Gonzaga ganha homenagem em disco dos músicos Nino Karvan e Alberto Silveira

Cantor e violonista sergipanos resgatam clássicos do Rei do Baião em álbum com dez faixas lançado pela gravadora e produtora Kuarup

De Lua, Canções de Luiz Gonzaga é o título do projeto do cantor e compositor Nino Karvan e do violonista Alberto Silveira, artistas sergipanos com carreias consagradas, que fazem uma tocante homenagem ao Rei do Baião, O repertório escolhido reúne canções das décadas dos anos 1940/50/60, período de ouro do baião e de maior sucesso de Luiz Gonzaga. O disco é intimista, gravado e apresentado para salas de concerto: a voz e o violão dão destaque às melodias, tão presentes na memória afetiva do brasileiro e na rica poética das letras. O álbum é mais um belíssimo lançamento da gravadora e produtora Kuarup, que, gentilmente, enviou um exemplar à redação do Barulho d’água Música, pelo qual agradecemos ao diretor artístico Rodolfo Zanke e toda sua equipe.

O formato para revisitar o repertório do Velho Lua é o da voz e do violão. À eximia técnica de Alberto Silveira em seu violão de aço, com afinações variadas e técnicas expandidas, soma-se ao canto preciso e afinado com interpretações emocionantes de Nino Karvan. Canções como Légua Tirana, Juazeiro, Assum Preto, A Morte do Vaqueiro, A Volta da Asa Branca e A Hora do Adeus entre outras, formam um repertório de grandes sucessos de Luiz Gonzaga em parceria com nomes como Humberto Teixeira, Zé Dantas, Onildo Almeida e Guio de Moraes.

A arte gráfica do álbum é assinada pela designer Gabi Etinger, tendo como mote esculturas da artista plástica Sílvia Machado e fotos de Nino Karvan e Aié Alcântara, figuras que evocam o universo da literatura de cordel. O disco foi produzido, captado e mixado pelo maestro Ricardo Vieira e masterizado por André Franzon, com texto de apresentação, que vai no encarte, assinado pelo cantor e compositor Chico Cesar (PB).

Nino Karvan é cantor, compositor, luthier e musico-terapeuta. Atuando na música há cerca de 30 anos, lançou o primeiro disco, Mangaba Madura, em 2001, e o segundo em 2006, que batizou como Aquarela Pra Pandeiro. O terceiro, José, saiu em 2014. Karvan participou de mais de 15 coletâneas de festivais dos quais se sagrou vencedor em oito deles. Como luthier. em 2006, viajou a China para realizar exposição de sua fabricação artesanal de instrumentos musicais na II Expo Brasil na China, onde teve a oportunidade de fazer alguns shows na capital chinesa.

Já dividiu o palco com nomes importantes da MPB como Belchior, no projeto Seis e Meia, em 1996, Beth Carvalho e Chico César no MPB Petrobrás, em 2003 e 2013, respectivamente, e com Moraes Moreira no Circuito Cultural Banco do Brasil, em 2005. Desde 2013 integra o Grupo Anavantou, um projeto musical que une músicos brasileiros e belgas misturando forró, música tradicional europeia, jazz, rock e reggae, dentre outros ritmos e influencias. 0 projeto já rendeu duas turnês pela Europa, um DVD e um CD autoral, lançado em 2017.

0 mais recente lançamento autoral, o quarto de carreira, chama-se No Romper da Madrugada (2016) e apresenta seus sambas misturando-os com as influências do jazz e da música nordestina sempre presente em seu trabalho. 0 álbum tem a participação especial do cantor e compositor Xangai na faixa Fulorô, de autoria de Nino e direção musical e arranjos do maestro Ricardo Vieira.

Alberto Silveira é compositor, arranjador e violonista. Ao longo da carreira tocou em bandas e em projetos de música instrumental em bares na noite sergipana. Também é autor de trilhas de curta-metragens com A Parede, vencedor do Prêmio Aperipê de 2007, e Do Outro Lado do Rio. Participou de diversos festivais e mostras competitivas e venceu o Aperipê na categoria melhor instrumentista e de melhor música instrumental, Fim de Noite (2011), além de finalista do festival nacional da Arpub (2011). Protagonizou eventos importantes no cenário musical sergipano como o 1º e 2º Festivais Mangaba Instrumental (2011 e 2012).

Em 2013, o músico integrou o circuito Sesc Instrumental com shows em diversos municípios do estado de Sergipe. No ano de 2015 lançou o primeiro disco, Baleadeira. Em 2017 começou a integrar a Coutto Orchestra, e tornou-se atração no Brasil e no México. Em paralelo com a carreira musical, Silveira desenvolve trabalhos na área do ensino de sica: especialista em educação musical participou de projetos de musicalização infantil. Técnicas tais quais tapping, two hands e uso do violão percussivo integram o trabalho de arranjador de canções vocais ou músico de apoio.

Mergulho na alma nordestina

Hoje não é difícil imaginar que já pairassem no ar sugestivas nesgas das muitas e belas canções eternizadas por Luiz Gonzaga antes que ele as plasmasse definitivamente em nossas vidas e nosso imaginário na forma de toadas, aboios, baiões, xaxados, polcas, xotes, rancheiras, maracatus, cocos, rastapés e um infindável caleidoscópio de ritmos que voam do Nordeste para o mundo. Estavam, porque vêm do povo. De seus encontras brincantes. Das folias. Dos reisados, das vaquejadas, das bandas de pífanos, das cirandagens praieiras, dos forrós de latada do tempo de Januário pai dele. E mesmo das tristezuras: os enterros, as canções tristonhas dos cantadores de feira, dos cegos a pedir esmola versando sobre doces donzelas enterradas vivas por madrastas sem coração. Como os grandes compositores russos, Gonzaga mergulhou fundo na alma de seu povo e se tornou sua mais profícua tradução em música.

Arrisco dizer que, para além dos ritmos, muita da riqueza e permanência da obra gonzaguiana está nas melodias, tão perfeitas, tão aparentemente simples em sua complexidade e seus contornos. Dos baixios sertanejos às amplitudes serranas, voa altaneiro seu canto aprendido com sabiás, asas brancas, acauãs, assuns pretos e toda infinidade passarinheira que guiou e seguiu o menina até sua madurez de rei majestoso. Melodias profundas feito os rios que cantou: o Pajeú, o Brígida, o Riacho do Navio, o São Francisco. Pois é principalmente o protagonismo das melodias que nos trazem Nino Karvan e Alberto Silveira nesse belo tributo intitulado De Lua, Canções de Luiz Gonzaga.

A voz de Nino em fluente diálogo com o excelente violão de Alberto nos traz Gonzaga, o melodioso. De quebra, a lindeza das letras dos tantos parceiros: Zé Dantas, Zé Marcolino, Humberto Teixeira… É uma quase seresta, um forró pra ser dançado dentro do peito. A sala de reboco somos nós. E nesse belo álbum dançam nossas lembranças em que os harmônicos das cordas de aço são como benfazejos pingos d’água a nos imunizar da chuva ácida por vir. Temos anticorpos: Gonzaga, Villa Lobos, Catulo da Paixão Cearense, Mário de Andrade, Dilermando Reis, Canhoto da Paraíba, Ariano Suassuna, Câmara Cascudo, Jorge Amado, Quinteto Armorial, Quinteto Violado. Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elomar, Vital Farias… Estão todos na alma desse disco e sua cantoria. Mas não num modo saudosista. Sinto-os presentes como um portal possível a nos apontar o futuro, luneta do tempo. Faróis espiando o devir, que obviamente pode ser visto e desejado de muitas formas.

A invenção do Nordeste, da qual Luiz Gonzaga foi personagem central, e agora sua necessária reinvenção são permanentes gestos geopolíticos. Reinventar Gonzaga, reinventar o Brasil. Como um lugar de todos. Dos negros, dos índios, dos negríndios. Trazer nossos batuques em seis por oito pros centros de gosto. Prazer e poder, de fato. De Lua, Canções de Luiz Gonzaga é um sereno ato político. Uma serenata nordestina cantando a vida brasileira diante da lama que cobre Minas, do fogo que destrói a Amazônia, do óleo que mancha o mar, do cinismo que envenena a vida cotidiana. Uma serenata a dizer: Te cala, acauã! Que é pra chuva voltar cedo.

Chico César, cantautor

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