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Cantor e compositor potiguar residente em Olinda (PE) dá sequência à missão que também Zé Gomes (RS) abraçou e outros músicos em atividade que se dedicam ao instrumento promovem para enobrecê-lo fora de quermesses no sertão,, comprovando em palcos nacionais sua versatilidade e marcante polifônia
O Brasil, fecundo em vários setores da arte, tem o gaúcho Zé Gomes entre os gênios da rabeca, instrumento mais comumente associado aos ritmos populares e do Nordeste como o repente e o forró, fora ao menos dois outros incontestáveis nomes que se destacaram com a “prima do violino”, como o mineiro Zé Coco do Riachão (Beethoven do Sertão) e o pernambucano Manoel Salustiano Soares (Mestre Salu). Também violinista e hoje em companhia de Zé Coco e Mestre Salu causando inveja aos anjos harpistas do andar de cima, Zé Gomes rodou o país, inclusive em lombo de cavalo, em parcerias que somam mais de 200 gravações ao lado de Chico Buarque, Heraldo do Monte, Arthur Moreira Lima, Diana Pequeno, Tarancón, Renato Teixeira, Elomar, Pena Branca e Xavantinho, Paulinho Pedra Azul, Marlui Miranda, Alzira Espíndola e João do Valle, entre muitos outros. Com Almir Sater, Geraldo Espíndola e Paulo Simões percorreu mais de 1.000 quilômetros pelo Pantanal formando a Comitiva Esperança — grupo que também batiza a canção de Sater e Simões que integrou a trilha sonora da novela Pantanal, de Benedito Ruy Barbosa, levada ao ar pela extinta TV Manchete no início da década dos anos 1990.
Zé Gomes, portanto, conduziu a rabeca a palcos de excelência fora do Norte/Nordeste e como legado deixou, ainda, os álbuns Palavras Querem Dizer, Idade dos Homens, Tempos Interiores (que não teve distribuição comercial) e Rabecas, em duo com o também rabequeiro Thomas Rohrer — suíço radicado no Brasil e um de seus mais produtivos pupilos. Apesar disso e também da contribuição de Salustiano e Zé Coco, a rabeca ainda enfrenta preconceitos para se firmar nacionalmente de que não seria mais do que um instrumento rudimentar, de sonoridade rústica e limitada que apenas serviria como acompanhamento às funções agrestes, festas populares e outros eventos de grande afluência de pessoas, sertão adentro, onde pipocam desafios e quermesses, geralmente nas mãos de um cego como o notável cearense Cego Oliveira (*1912, +1997) ou tocador pouco instruído.
O cantor e compositor carioca Jorge Mautner, ,o multiartista pernambucano Antonio Nóbrega, Rohrer e outro europeu que fixou morada em Pindorama — o francês Nicolas Krassic –, mais o nonagenário alagoano ainda em atividade Nelson da Rabeca e o mineiro estabelecido em São Paulo Antonio Galba, por exemplo, reforçam a plêiade e a produção fonográfica dos rabequeiros atuais em um esforço para tirar a rabeca do injustificável limbo; em Baixio dos Gaviões, zona rural do município cearense de Umari, mora Ana Soares de Oliveira (Ana da Rabeca), agricultora que mantém desde os 15 anos de idade o gosto pelo instrumento com o qual se entendeu sozinha e às escondidas, apenas observando o pai afinar e se apresentar com um violino que resolvera transformar em rabeca, logo, a rabeca também conhece o suave toque feminino.
Mas para ficar apenas em um bom exemplo deste rol, Krassic, em carreira solo ou com o grupo Cordestinados, tem ao menos seis álbuns gravados. E fez os arranjos e cuidou da sofisticada produção, por exemplo, de Rabeca Brasileira, de 2019, o segundo álbum de Claudio Rabeca — este artista residente em Olinda (PE), embora potiguar de Natal, “conterrâneo”, portanto, do não menos incansável Caio Padilha, carioca que desenvolve a carreira de rabequeiro na capital do Rio Grande do Norte.
Os trabalhos de Claudio Rabeca serão o mote das próximas linhas desta atualização a começar pelo mais recente título; voltaremos a carreira de Krassic, mais detidamente, em outra ocasião. Cara: Rabeca Brasileira é um disco do cacete! É daqueles que você precisa ter em sua coleção para ao receber a visita de um parça, dizer “cola na grade para escutar uma preciosidade” e botar a agulha para chiar enquanto o amigo fica de cara folheando e se encantando com o primoroso encarte, produzido por Neilton Carvalho, Saiu para tirar o estigma de que a rabeca propagaria apenas “sons desafinados” e, ao contrário deste senso comum, de modo versátil pode ser protagonista em rodas e concertos de diferentes gêneros musicais nacionais, para além do folclórico e do regional, para deleite de todos os santos, não apenas o trio Antônio, João e Pedro Este é o mote que permeia as 12 faixas que, nos vocais, tem o auxilio luxuoso de Mariana Aydar como outro refinamento.
O disco começou a ser gravado em maio de 2018, com apoio do Funcultura, da Fundação Cultural de Pernambuco, mas suas canções já matutavam na cachola do autor há três anos. Pronto, os fãs e amigos ganharam uma releitura de Upa neguinho (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri), escolha que comprova a intenção de “desmitificação” do cordofone. O choro instrumental Receita de samba (Jacob do Bandolim) é outro clássico que colabora neste sentido. Há, ainda Forró do Zé Jack, homenagem a Jackson do Pandeiro (PB), grande ídolo do artista, escrita a quatro mãos com Bozó 7 Cordas. Vale a pena, ainda, citar a colaboração dos Padilha Almir e Caio, pai e filho, na faixa 4, Puxe o Arco Rabequeiro.
A instrumental faixa de abertura Mola de Ratoeira é uma das composições autorais de Claudio Rabeca (com Yuri Rabid e Guga Amorim). O autor também assina Tente se atirar, com Martins, e Me leve, na qual repete a parceria com Martins e, agora ,Marcello Rangel. Outro destaque é Estrela sertã, dele e de Juliano Holanda. “Por ter sido composto em diferentes momentos, as letras são bem diversas”, observou Claudio Rabeca. “Mas ,em geral, falam sobre fazer o que se gosta com afinco e se jogar. Foi o que decidi quando quis fazer música. Também trago uma mensagem de esperança”.
Outras duas trilhas instrumentais antecipam o encerramento de Rabeca Brasileira: Rabeca no Paço, com Alexandre Rodrigues, e Forrozinho Quente, seguidas de Chave do Baú, de domínio público. Na página final do encarte, Claudio menciona todos os construtores das rabecas – incluindo seus respectivos contatos — que entraram nas gravações, tais quais Wilfred Amaral (PB), Zé Pereira (SP), Nelson da Rabeca (AL) e Damião Rodrigues (RN). “Isso é como se fosse uma responsabilidade para mim. Sinto essa necessidade de ser representativo. Gravei com sete rabecas diferentes, de sete construtores, e cada rabeca tem um som. A cada música você sente um soar diferente. As do Sudeste, por exemplo, estão mais ligadas à tradição do fandango, importante manifestação em que o instrumento está inserido”, explicou.
Segundo tempo arretado
Ao término de Rabeca Brasileira a prosa entre você e seu brô não precisa parar. Reabasteça o copinho de barro com mais uma dose generosa de Sanhaçu — aquela caninha orgânica feita de amburana em Chã Grande (PE), no primeiro engenho do Brasil totalmente movido a energia solar –, acenda mais um palheiro e enquanto as comadres preparam o escondidinho de carne seca ouçam Luz do Baião, que Claudio da Rabeca lançou em 2009 e é seu disco primogênito, trabalho que visa a reverenciar o baião, ritmo que foi imortalizado por Gonzagão.
O álbum de 12 faixas traz forte influência do forró das décadas dos anos 1950 e 1960, com arranjos de Bozó 7 cordas e uma banda composta por músicos renomados de Recife. Nove composições são de Claudio Rabeca (juntamente com parceiros do Recife), a começar por Paisagem da Mata Norte, que une a rabeca de Cláudio e a viola caipira de Hugo Linns; Claudio também tem as manhãs com a viola caipira: em 2005, participou como finalista do 2º Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola, festival de alcance nacional, defendendo de sua autoria no Teatro Alfa, em São Paulo, Cobra de Resguardo, que consta na coletânea gravada na ocasião. Além do quê, neste disco abre-alas do potiguar, a rabeca também bate um papo reto com a sanfona, o violão de 7 cordas, o clarinete e a flauta transversal.
Outro destaque de Luz do Baião são as releituras de Rei Bantu (Luiz Gonzaga e Zé Dantas); de Vagabundo (Mestre Zé de Teté) e Josué (Nilton Júnior e Tiné), feita em homenagem à Josué de Castro — médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social, político, escritor e ativista brasileiro do combate à fome. Já a música que dá nome ao disco, Luz do Baião, de Claudio Rabeca e José Mauro de Alencar (Júnior do Bode) deve ser ouvida com redobrada atenção: é uma poesia refinada, cantada com um arranjo musical certeiro de Bozó 7 cordas que remete aos autênticos baiões, com seu estilo original imortalizado pelo Velho Lua. Ah, e é inspirada em Cego Oliveira, que ganhava dinheiro pedindo esmolas em troca de versos e toques de rabeca.
Paralelamente à carreira solo de cantor e de compositor,, Cláudio da Rabeca mantém atividades artísticas como integrante do Cavalo Marinho Estrela de Ouro do Mestre Biu Alexandre (Condado – PE), já entoou a rabeca no Quarteto Olinda e desde 2002 é rabequeiro do Maracatu Estrela Brilhante do Recife. O Quarteto Olinda (Guga Amorim, Bruno Vinezof, Yuri Rabid e Claudio Rabeca) lançou cedê em 2009 e em sua turnê percorreu cidades e capitais como Rio de Janeiro, São Paulo (SP,) Brasília (DF), Goiânia (GO) e Belo Horizonte (MG), projeção que a fez o grupo ser selecionado para a Feira Música Brasil 2010 e o projeto Caixa Cultural 2011.
Claudio da Rabeca também tem músicas gravadas nas coletâneas Rabequeiros de Pernambuco/2008 (dupla) e Pernambuco forrozando para o mundo/2012 (triplo), em tributo ao mestre Dominguinhos O rabequeiro potiguar ainda desenvolve trabalhos com grupos de dança e da cultura popular, compõe trilhas sonoras e participou da gravação de devedês e discos em parcerias com artistas nacionais e internacionais, da montagem e criação da trilha do espetáculo de dança De Barro e Palha (direção da bailarina Maria Acselrad) a partir do Prêmio Klaus Vianna 2009. Em 2010, juntamente com o músico pernambucano Publius Lentulus, compôs a trilha do espetáculo Travessia, do Grupo Grial de Dança (PE).
Os dois discos autorais de Claudio Rabeca, além do lançado pelo Quarteto Olinda, mais as duas coletâneas mencionadas linhas acima estão disponível para serem baixadas em MP3, com os linques ativos, no blogue Forró em Vinil, cujo endereço eletrônico é http://www.forroemvinil.com/tag/claudio-rabeca/
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