1449 – Sebastião Tapajós (PA) desencarna em Santarém; violonista deixa carreira consagrada no Brasil e no Exterior

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O Brasil perdeu na noite de sábado, 2 de outubro, um dos seus mais notórios violonistas de todos os tempos, vítima de um infarto agudo do miocárdio, na cidade paraense de Santarém: Sebastião Pena Marcião, nome artístico de Sebastião Tapajós. Tião, como os mais íntimos o chamavam, estava com 78 anos e veio a óbito segundo os médicos Musa Martins e Everaldo Otoni, que tentaram por 40 minutos reanimá-lo, depois de sintomas típicos do ataque do coração. Os médicos atestaram a morte às 19h30.

Formado pelo Conservatório Nacional de Música de Lisboa, Tapajós gravou mais de 60 discos durante a longa e consagrada carreira iniciada aos 10 anos no conjunto de baile Os Mocorongos. O corpo do violonista foi velado no auditório da Casa de Cultura de Santarém e na segunda-feira, 4, deveria, seguir para a Catedral para uma missa de corpo presente antes do sepultamento

O violonista nasceu em 16 de abril de 1943 em Alenquer (PA). O primeiro álbum, gravado em 1967, recebeu o título Violão e Tapajós, e o último, de 2014, Violões do Pará, saiu em parceria com Salomão Habib. Além de Portugal, sua formação inclui atividades nas capitais Belém e Rio de Janeiro, onde se aprofundou também em música folclórica brasileira. Tapajós protagonizou turnês das mais prestigiadas em países europeus e nos Estados Unidos da América onde é admirado e divide as preferências com Hermeto Pascoal, Jane Duboc, Waldir Azevedo, Sivuca e Maurício Einhorn, por exemplo. Em 2013, Tapajós recebeu o título de doutor honorário da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

.Ainda criança, Tapajós já estudava violão. Em 1964, mudou-se para o Exterior e se matriculou no Conservatório Nacional de Música de LisboaPortugal. Depois, em Espanha, tornou-se aluno de guitarra de Emilio Pujol e cursou o Instituto de Cultura Hispânica. De volta ao país, assumiu cadeira de violão clássico do Conservatório Carlos Gomes de Belém, onde lecionou até julho de 1967.

VIGOROSO E INCISIVO

Ao longo da trajetória, dividiu o palco com estrelas do fulgor de Hermeto PascoalJane DubocZimbo TrioWaldir AzevedoPaulo MouraSivucaMaurício Einhorn e Joel do Bandolim, e internacionais como Gerry MulliganAstor PiazzollaOscar Peterson e Paquito D’Rivera. Já em 1998, Tapajós compôs a trilha sonora do longa-metragem paraense Lendas Amazônicas.

Suas turnês pela Europa incluem a Alemanha, onde tinha preferência para se apresentar, projetando-o cada vez mais como violonista de fama internacional, ancorado por shows e relançamentos de discos em vários países do Velho Continente. Em 2005, ao lado da bailarina Carmen Del Rio, fez parte do espetáculo O Violão e a Bailarina, no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro, em espetáculo que contou com a participação especial do contrabaixista paraense Ney Conceição.

Além de sua obra como instrumentista, Tapajós foi autor de várias canções em parceria com Marilena AmaralPaulinho TapajósBilly BlancoAntonio Carlos Maranhão, Avelino V. do Vale e outros compositores. Constam da relação dos intérpretes de suas canções artistas como Emílio SantiagoMiltinhoPery RibeiroJane Duboc, Maria Creuza, Fafá de BelémNilson Chaves, Ana Lengruber e Cristina Caetano, entre outros. O crítico V. A. Bezerra escreveu que o estilo de tocar de Sebastião Tapajós sempre foi vigoroso e incisivo, e o som que tirava do instrumento cheio e encorpado. “Ele gosta de utilizar efeitos percussivos, variações de timbre (do som mais doce, tocando próximo à boca do instrumento, ao mais metálico, próximo ao cavalete do instrumento), sons harmônicos, repetição ritmada de acordes em ostinato e outros recursos”.

Mesmo com o avançar da idade, o violonista sempre seguia compondo novas obras, além de experimentar novas estéticas e revisar a própria vasta produção. Em 2010, dirigiu o álbum Cristina Caetano interpreta Sebastião Tapajós e Parceiros. Em seguida, em 2011, produziu e lançou os discos Cordas do Tapajós Conversas de Violões, com o amigo e parceiro Sérgio Ábalos. Já em 2012 lançou Suíte das Amazonas e remasterizou o clássico Painel, uma de suas obras mais conhecidas em todo o mundo. Em 2013, saiu em turnê nacional para o disco Da Lapa ao Mascote, e lançou o DVD Sebastião Tapajós e amigos solistas (2013).

Rio Tapajós e à sua margem a cidade paraense de Santarém 

Em 16 de maio de 2013, Sebastião Tapajós recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Ainda no mesmo ano, em 11 de novembro de 2013, o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Vale a pena destacar que Sebastião Tapajós, como autodidata, já tocava aos 6 anos, usando o violão do pai, Marcião. Suas influências revelam admiração pelas obras de João Pernambuco e Dilermando Reis, além de Garoto, três notáveis do violão no Brasil, trio que ouvia em Santarém em emissoras de rádio. Em 1952, com 10 anos, conhecido por Babá, recebeu o primeiro cachê.

VAQUINHA PARA LISBOA

O nome artístico já estava incorporado quando, em 1958, fez as malas e fixou-se em Belém. Longe da família, passou a suprir sozinho o próprio sustento como violonista d’ Os Mocorongos, homônima a de Santarém. Foi como integrante dessa banda belenense que obteve o primeiro registro discográfico dele em um LP. 

Ao mesmo tempo em que trabalhava como violonista, Tapajós estudava Contabilidade — ser estudante era uma condição para poder integrar a banda Os Mocorongos, mas, embora formado contabilista, nunca exerceu a profissão. Sebastião Tapajós recebeu neste período em Belém aulas particulares de Teoria Musical, sucessivamente, com os professores Drago, Ribamar e Tácito Almeida. Posteriormente, na cidade do Rio de Janeiro, fez um curso intensivo de Técnica Violonística, com um professor, violonista e compositor, de renome na época, Othon Salleiro. Depois, pegou o avião de volta para Belém.

Músico desde os 10 anos de idade, Sebastião Tapajós gravou mais de 60 discos lançados em vários países do mundo

A inexistência de formação acadêmica em violão no Brasil nos anos 1960, e principalmente o encanto que o jovem solista despertava nos que ouviam a música dele, motivaram uma mobilização da comunidade luso-brasileira de Belém, que envolveu o Consulado de Portugal e a Reitoria da Universidade Federal do Pará (UFPA), então exercida pelo professor José da Silveira Neto, e resultou no custeio das despesas para que, em 1964, Sebastião Tapajós fosse estudar em Lisboa.

Na capital portuguesa, o catalão Emílio Pujol passava uma temporada dando aulas de aperfeiçoamento a alguns jovens violonistas de diversas nacionalidades, no Conservatório Nacional de Música de Lisboa. Juntamente com o espanhol Andrés Segovia, Emilio Pujol é um dos dois principais responsáveis iniciais pela consolidação do violão como instrumento de execução de peças musicais eruditas, cujo repertório Tapajós ampliou como compositor. 

Sebastião Tapajós é o único brasileiro que estudou com Emílio Pujol. Esse é um dos motivos, embora não seja o único, que motivam o reconhecimento do virtuose parauara como um dos principais nomes da árvore genealógica mundial do violonismo. Em 1965, o violonista brasileiro desenvolveu novo período de estudos, desta vez de técnicas de guitarra latina (violão latino, em espanhol), com Sanz de la Masa, no Conservatório de Cultura. Hispânica, em Madri.

Renomado tanto pela técnica fenomenal quanto pela erudição, Tapajós criou uma vertente do violão brasileiro que combina o clássico e o popular com o folclore regional da Amazônia.  A projeção global de Sebastião Tapajós chamou a atenção para a cultura brasileira, a região amazônica e particularmente para o estado do Pará, ao qual ele dedicava especial deferência. Seu nome é uma homenagem ao rio e à terra de onde ele saiu para obter aclamação mundial.

IST

Em abril de 2017, o violonista foi homenageado com a abertura do Instituto Sebastião Tapajós, criado para divulgar e sistematizar a produção musical de Sebastião Tapajós. O endereço é http://www.istapajos.org.br/.

O IST visa a reunir a obra de Sebastião Tapajós e de outros artistas e fortalecer a cultura da região foi inaugurado na vila balneária de Alter do Chão, distante aproximadamente 37 km de Santarém, na porção Oeste do Pará.

A iniciativa partiu de amigos do músico. Segundo o presidente do instituto, Jackson Rêgo, além de divulgar a obra de Sebastião Tapajós e também de outros artistas locais e do Brasil, o IST leva essa obra para pessoas com deficiência que querem aprender a música, mas não possuem um incentivo voltado para essa ação. O espaço protagoniza várias atividades educacionais como a musicoterapia para levar a cultura e o amor pela música a todos os públicos da região. “Sou um ser humano com muita sensibilidade, então eu fico muito grato pela homenagem, um presentão”, disse Tapajós na época da inauguração.

O lugar da Europa para se trabalhar é a Alemanha”, disse Tapajós em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (Estadão), em 1981. “Nos países latinos, a reação é boa, mas são um pouco abrasileirados. Minha brecha foi aberta pela execução de um repertório clássico e popular, pela bagagem e pela vivência”. Sete anos depois, ele cobrou: “Tom Jobim, Baden Powell e eu deveríamos ter um reconhecimento do Itamaraty pela divulgação que fazemos do País lá fora”.

barra çare

Em crítica publicada no Estadão sobre o álbum Painel, lançado em 1986, o jornalista Eduardo Martins destacou: “Sebastião Tapajós certamente surpreenderá os incrédulos. Seu recém-lançado Painel mostra o resultado de 20 anos de trabalho sério, de um músico superior. E com todas as qualidade que essa classificação implica: produz um som limpo, absolutamente audível, não exagera nas escalas ou improvisos, a exemplo de tanto virtuose mais preocupado em mostrar agilidade que talento e, como compositor, é capaz de momentos de plena magia e magnetismo.

Ao saber da notícia da morte de Sebastião Tapajós, Fafá de Belém publicou: “Sebastião Tapajós é o maior músico paraense de representatividade mundial, junto com Waldemar Henrique cada um no seu tempo. A ele se aplica o termo gênio. E sempre foi de uma simplicidade e humor únicos”. Já a cantora Leila Pinheiro escreveu: “Teu violão, tua música, tua delicadeza, simplicidade e tudo o que ensinaste pra tanta gente, permanecerá. Um dia nos reencontraremos, meu amigo! Vai em paz!”.

Foi em 1958 que ele acrescentou o apelido Tapajós, referente à região em que cresceu e passou a maior parte da vida, oficialmente ao seu nome em cartório. “Aqui, apaixonei-me perdidamente pela música, expoente maior da minha caminhada e amiga inseparável de toda a minha vida. Minha grande felicidade foi mostrar, por onde passei, que a poesia do meu violão tem suas raízes neste pequeno paraíso encravado no Oeste do Pará”, disse em discurso realizado em Santarém à época em que recebeu o título de Doutor Honoris Causa por parte da Universidade Federal do Oeste do Pará, em 2013. Tapajós viveu nos seus últimos anos casado com Tanya Maria Souza de Figueiredo Marcião.

NOTAS

A Câmara Municipal da cidade, onde Tapajós viveu seus últimos anos, divulgou uma nota de pesar pela morte:

O legislativo santareno reconhece o talento e o valor desse artista para a cultura santarena que, com seu trabalho, levou o nome da Pérola do Tapajós para vários continentes.”

O Governo do Pará também divulgou uma nota oficial. 

O Governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), lamenta a morte do músico Sebastião Tapajós, um dos mais talentosos violonistas do mundo. Ele teve um infarto na noite deste sábado (02). Natural de Alenquer, no Oeste do Pará, Sebastião iniciou sua trajetória com o violão ainda criança, em Santarém.

Já adulto, fez carreira no Brasil e na Europa, se apresentando com nomes consagrados da música nacional e internacional. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

Em 2019, o selo Violão Paraense, da Secult, homenageou Sebastião Tapajós reunindo 30 partituras e a biografia do compositor. A Secretaria de Cultura se solidariza com os familiares, amigos e fãs desse grande mestre da cultura mundial.”

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