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Inspirado no Vale do Jequitinhonha e no Clube da Esquina, Dignidade confirma o DNA musical que pulsa naquela região mineira e traz releitura de Banco de Feira, da Banda de Pau e Corda. Autor vai se apresentar em restaurante de Beagá no dia 27.
O álbum Dignidade é de uma riqueza sonora imensa. O disco de estreia do cantor e compositor João de Ana saiu pelo selo Lobo Kuarup, parceria do violeiro Chico Lobo com a gravadora e produtora Kuarup, e já está disponível nas plataformas digitais e no formato físico. Natural de Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, João de Ana transita com naturalidade pela música com as influências regionais, da MPB, da música mineira e pelo melhor do rock rural. São searas que lhe dão esse ar de cantar a aldeia, de levar a natureza e seus costumes e se conectar com a atualidade e os grandes centros urbanos. A amizade é um sentimento constante em sua música, tratada de forma primordial, com belas letras poéticas, criação que se espera de um artista que já nasce em uma terra tão especial e que não nega suas influências e suas heranças.
Um exemplar de Dignidade foi gentilmente enviado ao Solar do Barulho pelo diretor artístico da Kuarup. Rodolfo Zanke, ao qual e á sua equipe agradecemos pelo apoio.
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O álbum de João da Ana traz sonoridade forte, pulsante, moderna e lírica, cheira a sertão quando dialoga com a viola tem sabor de seresta e música de câmara na presença de belíssimos violoncelos e acordeon. Atrás vem a pulsação forte das baterias, violões, guitarras, baixos e teclados que apresentam o melhor de um rock com pé na poeira da estrada e ainda a forte influência do som do movimento Clube da Esquina. João de Ana esbanja musicalidade e humildade.. A canção que dá nome ao seu primeiro álbum nasce de uma conversa dura, entre ele e um amigo, em relação à sua caminhada na música, em prosseguir frente a tantas dificuldades. A composição é um diálogo do artista com ele mesmo. O disco traz este título por expressar nas canções o conceito que seu nobre pai ensinou: se entregar ao trabalho com qualidade e dignidade, mostrando a grandeza e a profundidade da transmissão dos valores.
A produção musical impecável de Ricardo Gomes e belos vocais se juntam à voz forte e de uma bela textura de João de Ana. As participações especiais são de Chico Lobo com sua viola e da cantora Bárbara Barcelos, na releitura de Banco de Feira, obra da Banda de Pau e Corda, que soa como um tributo a esse grupo fabuloso que marca até hoje gerações de artistas. Chico Lobo, que incentivou o cantor a lançar seu primeiro trabalho, afirmou ao dar parabéns ao amigo por debutar no mercado fonográfico de forma tão precisa e carregada de conteúdo: “Dignidade, de João de Ana, merece ser ouvido com atenção e ser degustado como um bom café da roça!”.
Fui apresentado ao trabalho musical de João De Ana pelas mãos do garimpeiro de artistas, violeiro dos bons e grande amigo Chico Lobo, que revelou essa preciosidade ouvindo talentos rio Vale do Jequitinhonha, mais precisamente na cidade de Pedra Azul. Do Vale já foram extraídas grandes riquezas que abrilhantam a mús.ica popular brasileira como Rubinho do Vale, Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeira, Déa Trancoso, Tadeu Franco, Gonzaga Medeiros ¹, só para citar alguns_ Então podemos acrescentar mais uma estrela nessa constelação, e essa estrela tem nome: João De Ana. Nesse disco, pode-se sentir claramente que João buscou nas entranhas do Vale a sua inspiração com músicas sempre muito bem alinhavadas com as letras, harmonias bem construídas e sofisticadas, o que é bem característico das músicas feitas em Minas Gerais a partir do início do movimento Clube da Esquina. Com muita eficiência, musicalidade e poesia, apresenta um trabalho consistente, belo, universal. Nesse disco de doze canções, onze são de sua autoria, sendo algumas em parceria.
Uma das músicas que me chamou atenção e a única que não tem autoria de João é Banco de Feira, uma das canções mais emblemáticas da pernambucana Banda de Pau e Corda, de autoria de Waltinho e Roberto Andrade, que foi gravada lindamente com um arranjo totalmente diferente da gravação original. Confesso que fiquei sem fôlego quando ouvi, perplexo com esse novo e extraordinário arranjo, ainda mais com a participação da Bárbara Barcellos, cantora que admiro desde sempre e detentora de urna das vozes mais lindas e afinadas da nossa música brasileira! Não posso também deixar de falar da participação luxuosíssima do próprio Chico Lobo com sua inconfundível viola, o que dá ao trabalho o sotaque mais mineiro, um virtuoso no instrumento, capaz de elevar o nível de qualquer projeto musical, Parabéns ao João de Ana! Espero que possamos um dia dividir um metro quadrado de palco cantando juntos, para brindarmos a vida, a música, Minas Gerais e Pernambuco.
Texto de Sérgio Andrade da Banda de Pau e Corda
1) Canção do Vale (João da Ana/Gilberto Guimarães): essa música nasceu depois de um dia muito especial no qual eu, Gilberto Guimarães e Zé Henrique falávamos sobre o Vale [do Jequitinhonha]. Durante a noite, entre um café e uma taça de vinho, peguei o violão, mudei a afinação e comecei a fazer uma brincadeira no instrumento. O Gilberto me perguntou: ”Que música é essa?’` Eu disse: “Ainda não é uma música!. É só uma brincadeira no violão.” Então Gilberto começou a escrever, e eu cantarolava a melodia que logo viraria a nossa tão especial Canção do Vale. Foi assim! Nasceu tudo junto;
2) Minas Canções (João de Ana/Zé Henrique): durante um bom tempo, eu e meu parceiro Zé Henrique circulamos pelo litoral do extremo sul da Bahia fazendo shows na região. Depois de uma bela prosa com o Sr. Jomar Ruas, pai do Zé, sobre o trem que ligava Minas Gerais ao mar, veio a inspiração pra essa joia. Cheguei de tardezinha no apartamento do parceiro Gilberto Guimarães e encontrei o Zé com o violão na mão fazendo os primeiros acordes da canção. Ele me convidou para ajudar na construção dessa composição;
3) Cantador do Tempo (João de Ana/Gilberto Guimarães): em uma manhã daquelas de pura alegria e felicidade, eu e meu parceiro Gilberto Guimarães saímos para tomar um chá. Caminhando abraçados pelas ruas de Teixeira de Freitas, na Bahia, começamos a cantarolar algo, que logo se transformaria numa bela canção. Gilberto traz da memória viagens pelo velho mundo, lembranças de uma busca pelo porto seguro. Traz também a incerteza do cantador e a alegria de encontrar com o povo para fazer rodas como aquelas dos cantadores dos festivais, para celebrar a canção e o amor;
4) Sinfonia (João de Ana/Zé Henrique/Gilberto Guimarães): em uma prosa com o amigo Zé falávamos das coisas simples da infância que nos enchia de prazer e de alegria, como sair pelo mato buscando novos sabores de frutos do sertão, do contato com a natureza, do tomar água na bica e das festas que aconteciam nas fazendas. Essa infância tão rica nos deu os elementos para compor essa canção. Estávamos na reta final e o Gilberto nos presenteou com os versos finais;
5) Dignidade (João de Ana): essa canção nasceu depois de uma fala muito dura de uma pessoa, falando a respeito do mercado, idade e dinheiro. Na visão dessa pessoa eu não teria mais nenhuma chance. Dizia que era melhor pendurar a viola e partir para o ramo da construção civil. Doeu muito, mas foi naquela noite que nasceu a canção que iria me trazer a alegria de seguir em frente, honra, oportunidades e, principalmente, respeito ao meu trabalho. Aprendi ainda na infância com o meu pai que música é algo especial, que precisamos tratar com respeito e amor, que as pessoas que nos presenteiam diariamente, seja com belas canções ou qualquer coisa que traz na sua essência a nobreza. Isso é honrar tudo que aprendi com meu pai;
6) Cantador de Lua Cheia (João de Ana/Voltaire Lemos): voltei para Minas Gerais e em uma daquelas noites de música ao vivo nos bares da vida, chegou o querido poeta Voltaire Lemos. Toquei uma antiga parceria nossa: Das Horas de Minas. Vi os olhos do amigo lacrimejando de tanta emoção e alegria. Veio o tão esperado intervalo, logo nos abraçamos e começamos a botar a prosa em dia. Ele pegou umas letras e me entregou. Dei uma olhada, e disse que ia ver com carinho. Em casa, pude observar melhor e logo que bati os olhos na letra de Cantador de Lua Cheia me vi nos festivais. Peguei o violão e fiz essa canção. Só mostrei para o meu parceiro depois da gravação oficial, ele ficou muito feliz com o resultado;
7) Donana (João de Ana): uma música que me leva para o colo da minha mãe. Fiz essa canção quando estava morando na Bahia. Estava com muita saudade da minha mãe e preocupado, pois ela estava com a saúde muito frágil. Em noite de muita saudade, peguei o violão e o caderninho e comecei. Foi muito intenso, pois eu sentia o cheiro dela, o cheiro da infância, ela que com muito amor plantava, cuidava, colhia, secava, torrava, moía e preparava o maravilhoso café. Quando terminei a canção, estava em prantos. Chegou o dia de visitar dona Ana em Pedra Azul e fui logo abraçar e beijar a minha mãe. Depois daquela emoção do encontro, peguei o violão e cantei para ela essa canção. Os olhos dela brilhavam com aquele amor que só quem é mãe sabe ter. E disse com voz de calmaria que, se pudesse, saia dançando, pois os pés já estavam mexendo. Essa canção celebra o amor e saudade daquela mulher incrível, dona Ana, minha mãe amada. In memorian.
8)Tão Pouco Caso (João de Ana/Roberta Vargas): uma muda de jasmim foi levada de Sacramento para Pirapora, ambas cidades de Minas Gerais, onde foi plantada. Ela cresceu, deu flores, sombra, perto de uma janela da casa, onde servia quase como cortina, impedindo o sol forte dentro do quarto. Passaram alguns anos e para surpresa de todos, cortaram o jasmim. Foi uma tristeza. Depois desse episódio, nasceu a música. Uma viagem no tempo, trazendo à memória as coisas vividas ali, o barulho do rio, os bois pastando pertinho da casa. A música é um consolo para aliviar a tristeza de não ter mais o jasmim naquela janela;
9)Felicidade de Amigo (João de Ana): essa canção nasceu depois de um show na Serra do Cipó, em Minas Gerais. Logo após o espetáculo, foi servido um jantar, Abri uma garrafa de vinho, bebendo sozinho e sentindo muita saudade dos meus amigos. Fui dormir e bem cedinho apareceram à janela vários pássaros cantando, uma coisa linda! Peguei violão, caderno e comecei a compor. Logo que terminei fui tomado de urna grande emoção;
10)Banco de Feira (Roberto Andrade/Waltinho): uma pérola da Banda de Pau e Corda. Eu já tinha gravado todas as músicas do álbum Dignidade quando falei com o Chico Lobo que eu gostaria de gravar essa música no próximo álbum, visto que, em várias apresentações, muita gente me perguntava se essa música era minha. Logo começamos a fazer contato com a turma para gravar a canção que tem as participações do Chico Lobo e de Barbara Barcelos. Uma melodia que me leva para infância, quando eu ia com meu pai para a feira e ficava encantado com aqueles artistas que se apresentavam ali. Meu pai, Sr. Valdivio, até hoje tem uma banca na feira, lá em Pedra Azul,
11)Sempre Que Amanhece (João de Ana/Raul Mariano): em 2017 eu estava um pouco desanimado com a cena musical e dificuldades para gravar as canções. No dia 07/07/2017 fiz a música e mandei para o amigo Raul: falei para ele da situação, que sonhava com a liberdade de poder seguir a jornada de forma mais tranquila, que pudesse fazer o trabalho fluir. Ele fez a letra e me mandou. Logo gravei no celular e mandei de volta. Ele acrescentou a segunda parte e finalizamos essa canção. Foi muito importante aquele dia, deu novo ânimo, tanto que em 2018 já estava nos palcos dos festivais novamente em um deles fiquei em segundo lugar com Minas Canções;
12) Sonhei Que Estava em Pedra Azul (João de Ana): ainda na adolescência, tive a oportunidade de conviver com os músicos mais maduros na minha cidade em grupos de seresta e bandas de baile. Foram tempos bons, quando fiz amizades e aprendi muito. Depois de anos tocando em banda de baile resolvi voltar às minhas raízes, minha origem, minha aldeia. Essa canção nasceu dentro desse contexto e surgiu depois de um sonho que me levou de volta àquela paisagem, o pôr do sol e amigos queridos lá do começo da caminhada que traz aquela lembrança dos bons tempos que vivi ali: meu pai indo cedinho para a feira, as coisas da roça, a infância linda naquele lugar. Me leva para dentro das canções do Paulinho Pedra Azul e para onde mora o amor.
Sobre João de Ana
Nascido em 31 de janeiro de 1973 em Pedra Azul, cidade do Nordeste do estado de Minas Gerais, João Alves dos Santos é filho de Valdívio Alves dos Santos e Ana das Neves Santos. Começou seu caminho na música ainda na infância, quando aprendeu os primeiros acordes com seu pai. Na década dos anos 1980, já na adolescência, iniciou as apresentações musicais pelas fazendas próximas a Pedra Azul. Tocou em um grupo de seresta chamado Delírios e nos anos 1990 fez parte de várias bandas de baile, como o grupo musical Sol Nascente, que depois seria a Banda Nascente e na qual o apelidaram de Johnny. Nessa mesma época, mudou-se para Montes Claros (MG), onde participou da Banda Nossa Show e do Baião de Dois. No inicio dos anos 2000 formou o duo Johnny e Roberta, em Montes Claros, fazendo releituras dos grandes clássicos da MPB.
Em 2007, João de Ana se juntou ao compositor Zé Henrique Ruas e a convite do Zé, foi morar na Bahia. Fizeram vários projetos musicais, com destaque para a coletânea Cá Entre Nós de Minas. Ainda na Boa Terra, João se juntou ao poeta Gilberto Guimarães. Os dois compuseram várias músicas juntos. Depois de um tempo, João da Ana retornou para Minas Gerais, à cidade de Lagoa Santa, onde mora atualmente. Não demorou muito e começou novas parcerias com Raul Mariano, Voltaire Lemos e Hendrick Souza, entre outros. Foi convidado pela atriz e contadora de histórias Alessandra Visentin para compor canções e preparar espetáculos com contação de histórias e música. Além do trabalho solo, é fundador do Pé de Forró, projeto que mistura forró pé de serra com clássicos da MPB.
João de Ana foi vice-campeão do Festival da Canção de Lagoa Santa, em 2018, com Minas Canções, e campeão do mesmo festival, em 2019, com Dignidade. Já durante a pandemia de Cocid-19, foi convidado para compor uma música para uma tese de doutorado, em parceria com a doutora Marinete Fraga, que deu o título da canção Sem Nós. Em 2018, 2019, 2020, circulou pelo litoral do extremo sul da Bahia e Espirito Santo com o show Cores do Brasil..
O endereço para a apresentação de sábado, 27/11, é avenida Gildo Macedo Lacerda, 300, Braúnas, Pampulha ,em Belo Horizonte. Os números de telefones para reservas são (31) 3447-6604 e (31) 99918-4169 (WhatsApp).
BADEN POWELL, RENATO TEIXEIRA, NEY MATOGROSSO.…
Especializada em música brasileira de alta qualidade, o acervo da produtora e gravadora Kuarup concentra a maior coleção de Villa-Lobos em catálogo no país, além dos principais e mais importantes trabalhos de choro, música nordestina, caipira e sertaneja, MPB, samba e música instrumental em geral, com artistas como Baden Powell, Renato Teixeira, Ney Matogrosso, Wagner Tiso, Rolando Boldrin, Paulo Moura, Raphael Rabello, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Elomar, Pena Branca & Xavantinho e Arthur Moreira Lima, entre outros.
Além desta eclética galeria de cantores e duplas cujos trabalhos já lançados formam o acervo de álbuns, também é possível ao internauta que visita o portal da Kuarup, entre outras atividades no campo da produção cultural, saber pela guia Notícias as novidades que estão chegando para reforçar este precioso catálogo e, ainda, ouvir 52 seleções de músicas disponíveis na plataforma Spotify (playlists) apresentadas por temas e recortes dos mais diversificados, revelando a riqueza de sonoridades e de gêneros que a empresa guarda. Uma das preferidas aqui na redação do Barulho d’água é Nova Geração Kuarup (clique no nome da lista para ouvi-la).
www.kuarup.com.br/ Telefones: (11) 2389-8920 e (11) 99136-0577/ Rodolfo Zanke rodolfo@kuarup.com.br
¹ Cantos, danças e rodas de resistência: Coral Trovadores do Vale*
*Do portal Arte em Trãnsito, publicado em 16 de julho de 2020 conforme https://arteemtransito.com.br/site/pt_br/2020/07/cantos-dancas-e-rodas-de-resistencia-coral-trovadores-do-vale/
A produção musical no Vale do Jequitinhonha é uma das mais expressivas não apenas da parte Norte de Minas Gerais, mas de todo o Brasil e nesta porção do país além dos músicos mencionados por Sérgio Andrade no texto de apresentação do álbum Dignidade, de João de Ana, merece destaque o trabalho d’O Coral Trovadores do Vale, da cidade de Araçuaí.
O Vale do Jequitinhonha é amplamente conhecido pela riqueza de suas produções artísticas que vão do artesanato em barro e de esculturas em madeira à música, dentre outras manifestações nascidas da cultura de seu povo. Neste universo, os Trovadores do Vale reúnem mulheres e homens da própria comunidade — artesãs e artesãos, professoras, carpinteiros, motoristas, estudantes e donas de casa que cantam e dançam animados por um repertório composto por cantos de trabalho — como os cantos de canoeiros, tropeiros, boiadeiros e de machadeiros, além de cantigas, danças de roda e louvores religiosos, todos oriundos da vida do povo do Vale do Jequitinhonha.
A história do nascimento do Coral remete a um frei holandês, que ali chegou ao final da década dos anos 1960, conhecido por Frei Chico. Enquanto tomava banho na casa paroquial onde morava, Frei Chico ouvia a cozinheira, dona Filó, que era viúva de um canoeiro, cantar constantemente enquanto realizava seu trabalho. Como se tratava de uma casa sem forro, Frei Chico a escutava e lhe dizia “bonito Filó!”, ao que ela lhe respondia: “Ah, ‘é’ umas bobagens”.
Desse encontro e amizade nasceu o primeiro repertório do Coral Trovadores do Vale, fundado por Frei Chico em 1970, em conjunto com as pessoas da comunidade. A partir daí, Frei Chico e Lira Marques, uma das artistas locais, iniciaram uma das maiores pesquisas no Vale do Jequitinhonha: registraram cantos, danças, rezas, brincadeiras que ainda permaneciam presentes na memória popular. Com um antigo gravador, percorriam as casas de viúvas de canoeiros, machadeiros, pessoas que mantinham ainda na memória e em suas práticas todo esse repertório. De acordo com Ivan Vilela, professor da Universidade de São Paulo (USP) (USP), pesquisador, compositor e violeiro, nestas garimpagens Frei Chico e apoiadores chegaram a recolher mais de 800 canções folclóricas. Parte deste lote está disponível em Beira Mar Novo (1997), álbum que reúne 20 faixas, todas com arranjos de Vilela, responsável também pelas violas.
No texto do encarte de Beira Mar Novo, de autoria do compositor, poeta,e escritor, jornalista letrista e fotógrafo João Evangelista Rodrigues, ele nos revela o vasto repertório de cantos e danças são Cantos de Trabalho — como o de Boiadeiros, de Tecedeira e o de Beira Mar, este último cantado pelos canoeiros. Também foram selecionadas danças criadas para animar festas e as almas de quem delas participam: Contra-danças, Danças do Vilão, Danças de Roda. Em algumas destas danças os versos são jogados por uma ou outra pessoa da roda. Inclui ainda, Dança de Paulista, Dança de Tecedeira e cantos de motivo religioso como os Batuquinhos de Presépio, cantados à época do Natal em louvor ao nascimento do menino Deus, bem como os Benditos e as Incelências – cantos encomendando a alma de alguém que partiu. A proximidade cultural do Vale com o Nordeste é registrada por meio de Coco à moda dos Bambelôs, do sertão baiano, com seu ritmo quente e contagiante.
Beira Mar Novo, prossegue Evangelista, compõem-se, também, de canções com melodias belíssimas como a Tirana do Limoeiro. “Enfim, o repertório remete o ouvinte, em alguns momentos, à época em que traços negros, índios e portugueses não haviam ainda se amalgamado como hoje se percebe na cultura brasileira”, pontua o jornalista.

Frei Chico e Lira Marques. Foto: Pedro Dutra
Em 2020 o Coral completou 50 anos de existência e resistência, em plena atividade. Podemos dizer que preserva por meio século um repertório que nasce da própria cultura e saberes produzidos pelo povo, do qual ele faz parte. Ademais, o Coral devolve ao seu povo todo esse resultado musical, produz cultura. Dentre os versos de suas músicas, encontramos:
Palmatória quebra dedo/Chicote deixa vergão/Cassetete quebra costela/Mas não quebra opinião
Parte da resistência presente no Coral está também ligada às diversas histórias de seus integrantes. São histórias que mostram como o coral, intitulado por todos como sendo uma família, contribui para um movimento de superações e reconhecimentos pessoais e coletivos.
Ao longo de seus 50 anos o Coral cresce, e junto crescem seus integrantes no uso de sua própria palavra, no saber dizer “não”, mas ao mesmo tempo no saber dar as mãos. Podemos dizer que o Coral há 50 anos produz processos educativos. Ele ensina a si mesmo, seus integrantes, ensina ao Vale do Jequitinhonha e ensina para além do Vale. No Coral Trovadores do Vale encontramos convivência, solidariedade, participação democrática, superação de problemas diante da vida, manutenção da cultura, conscientização, resistência e enraizamento.
O Coral Trovadores do Vale gravou ainda os discos Ainda Bem Não Cheguei (em vinil, de 1984) e Jequitinhonha Vale Brasil, este independente, na Alemanha, em 1996, com Rubinho do Vale, Frei Chico, Lira Marques e Dona Generosa.