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Artista plástico, jornalista, editor, escritor, poeta, cantor, compositor e xamã, entre outras formas de expressão que formam as várias facetas do incansável “artivista” que, conforme a própria definição, ele encarna, Bené Fonteles disparou campanha na internet para coletar contribuições entre amigos e tirar do papel o disco D’Alegria. Em formato físico e digital, D’Alegria será gravado no Sítio Arvoredo, em Pocinhos do Rio Verde, distrito de Caldas (MG) e onde fica o estúdio Venta Moinho “debaixo de um pé de jequitibá” do amigo, violeiro cantor e vizinho de porta João Arruda. O trabalho reforçará uma discografia que, fora a participação em outras gravações¹, inclui os autorais Benditos, coletânea de 2003 que mescla Benedito (1983), Silencioso (1987) e AÊ (1991); Silencioso tem apenas capa, já que sua proposta conceitual é a de que seja ouvido o silêncio.

Em 2019, em parceria com Lucina, Fonteles gravou Canções para Pescar Almas (Foto: Patrícia Ferraz)
Em 2019, em parceria com Lucina, Fonteles trouxe em Canções para Pescar Almas as sonoridades do diverso, que o fazem tão brasileiro quanto universal em meio a conversas fluidas de melodia e poesia sobre questões culturais, ecológicas, filosóficas e espirituais. A partir das bases de Lucina, os músicos convidados criaram verdadeiras arquiteturas sonoras: Egberto Gismonti, Gilberto Gil, João Arruda, Ney Marques, Marco Bosco, Paulinho Oliveira, Décio Gioielli, Chica Brother, Saulo Battesini, Adriana Sanchez, Bosco Fonseca, Márcia Nascimento, Julia Borges e Regina Machado. Embora digital, Canções… sugere sua apreciação à moda antiga, como um dos vinis “em que curtíamos o belo projeto gráfico, o encarte farto com as letras das canções onde a poesia realçava-se como num pequeno livro e que deu à chamada MPB o status poético merecido”.
Gismonti, Gil e Arruda estarão de volta em D’Alegria, cuja direção artística caberá a Lucina, cantora e compositora que formou a inesquecível dupla com Luhli (1945-2018). Neste novo rebento, há entre outras participações especiais divulgadas pelo próprio Fonteles, ainda, Bianca (filha de Egberto e que forma com Claudia Castelo Branco o Duo Gisbranco); Consuelo de Paula; Joésia Falavigna, Levi Ramiro, Tetê Espíndola e Luiz Bueno, parceiro de Fernando Melo no Duofel, e Webster Santos.
“Bené Fonteles é pura fonte de água límpida que jorra arte sobre todos nós!”, escreveu Consuelo de Paula. “Um eterno menino, pois a música dele o faz assim. Bené é a união da sabedoria, do amor e da arte. Participar desse disco é a união do prazer estético com o prazer da alma, é banhar-se em cachoeira mágica. Salve, Bené!”, concluiu a cantora, compositora e poetisa mineira, autora entre outros trabalhos de Maryákoré (2019).
Compositor, letrista, jornalista e escritor, Carlos Rennó também elogiou o projeto novo de Fonteles: “Merece o nosso apoio. Bené é mais conhecido como ‘artista plástico’, mas o termo não dá conta de seu trabalho – nem talvez a palavra ‘trabalho’ dê conta do que ele faz…; nem, talvez, ‘arte’…: talvez ‘artevida’ possa ser aplicada ao seu caso (…) É um artista de atividade plural que inclui a música e a poesia, e que já fez álbuns muito bonitos, cheios de participações bacanas, de nomes da música admiradores seus. Além disso, produziu um disco-livro antológico de Gil que é justamente aquilo que seu título diz: Gil Luminoso. O reconhecimento da grandeza da obra desse ‘artivista’ – que foi aliás quem usou pioneira e inventivamente a expressão ‘artevismo’, do que eu sou um seguidor, nos anos 1980 – é ainda maior, quanto mais nos damos conta da sua simplicidade.”
O valor e as instruções de como contribuição para a gravação de D’Alegria se encontram informadas no banner publicado abaixo.
Criador de longa e consolidada trajetória artística nas artes plásticas, música e poesia, há várias páginas e vídeos que trazem dados e informações sobre a rica biografia de Bené Fonteles e os projetos transdisciplinares marcados pela esfera ritualística que ele vem protagonizando desde o começo dos anos 1970. São álbuns e livros publicados e obras expostas em acervos dos museus de arte moderna de cidades como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Nova Iorque (Estados Unidos da América), e Paris (França), além de, ao menos cinco Bienais Internacionais de São Paulo, somadas às diversas mostras individuais e coletivas ligadas à arte postal e a pesquisas de novas expressões artísticas.
A militância ecológica é um traço marcante da obra de Bené Fonteles, da qual deriva o Movimento Artista pela Natureza, que desde 1986 busca fomentar a consciência ecológica e valorizar a educação ambiental por meio da arte. Natural de Bragança (PA), grande parte desta produção dialoga com as estéticas e poéticas das culturas indígenas. “Eu gosto desta dúvida de transitar entre o que é arte e o que é artesanía”, enfatiza Fonteles a respeito de sua obra plástica, baseada na transformação de materiais simples, e muitas vezes frágeis, naturais ou pouco trabalhados pelo homem.
Fonteles se apropria de objetos para transfigurá-los a partir da evocação de seu potencial poético, seja intervindo nesses objetos ou associando-os em instalações. Grande parte dos materiais escolhidos pelo artista está ligada à terra brasileira, devido à sua postura política como ativista ambiental. Assim, Bené Fonteles tenta estimular a imaginação do observador a escapar dos usos convencionais dos objetos, tendência de uma geração de artistas do século XX que busca uma alternativa ao entorpecimento da rotina.
Em matéria disponível no portal Conexão Planeta-Inspiração para a ação, escrita por Karen Monteiro, em 28 de novembro de 2016 e intitulada Para adiar o fim o mundo, conforme https://conexaoplaneta.com.br/blog/para-adiar-o-fim-do-mundo/#fechar, por ocasião da 32º Bienal de São Paulo, a jornalista, tradutora, e cronista escreveu que:
“Materiais usados em habitações indígenas e caboclas e mais restos orgânicos trazidos pelo mar, além de outros objetos coletados por Bené nas suas viagens pelo país, fundem-se na alquimia da troca durante os encontros que ele chamou de Conversas para adiar o fim do mundo na Ágora: Oca Tapera Terreiro, proposta que surgiu a partir de uma ideia do líder indígena Ailton Krenak.
Nesse caldeirão e nessa obra Cozinheiro do Tempo ferve mesmo o tempo, não tenha dúvida. Tempo cozido e temperado por Bené. Receita simples de seguir para quem tem alma amalgamada à natureza como ele. Ingredientes de profunda humanidade, preocupação e respeito à vida. A arte dele é mais do que objeto e estética. É a atitude. É o ser que vive para lutar pela preservação.”

Cozinheiro do Tempo, de Bené Fonteles, esteve na Bienal de São Paulo em 2016
Na matéria de Karen Monteiro para o portal Conexão Planeta-Inspiração, ela também redigiu uma biografia de Bené Fonteles apontando que o nome de santo, Benedito,
“Vem de uma promessa feita pela mãe, que precisou rezar fervorosamente para que o filho sobrevivesse. Ela morreu cedo, quando Bené tinha dois anos. A força católica da mãe, mais a lembrança de ver índios às margens do Rio Caetés, no lugar onde nasceu, como que dão o norte à sua caminhada. As tantas lutas – como as pela preservação do Rio São Francisco, da Chapada dos Guimarães – trazem essa marca. Bené expressa espiritualidade no que faz. Imprime o sublime nos pensamentos e ações.”
Karen prosseguiu sobre Fonteles:
“Gosta de misturar índio com negro para falar de um caboclo brasileiro por circunstância, universal pelo unânime que há no humano. Cava em busca de resquícios e ancestralidade. Desenterra sabedoria telúrica e acorda os homens preocupados com as roupas que vão vestir no caixão. Como se as desenterrasse antes da desintegração para lembrar que não passarão de pó, mais dia, menos dia.”
“O misto de força católica e xamânica dá sentido visceral a cada passo. Planta sentimento pelo planeta”, na visão de Karen Monteiro. “Acredita na caminhada que busca a raiz na magia oferecida pelo primitivo”.
“Primordial transmutante, tocando num lapso meditativo sob sol que quer evaporar rio, sempre no desaguar das emoções”, lê-se também na matéria para o portal Conexão Planeta, que assim flui: “E elas correm embaladas pela pausa que suspende o ar para acabar no mar. Que também é lar para os sobreviventes do duelo do lixo e do esgoto contra a vida à procura de descanso. Vem remanso até o refúgio da oca. Vem manso e nos toca. E nos mostra o caminho para adiar esse fim de mundo.”
ORDEM DO MÉRITO CULTURAL
O currículo de atividades e colaborações ao mundo artístico de Fonteles destaca ainda que entre 1983 e 1986 ele dirigiu o Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP), da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Na década dos anos 1980, envolveu-se em programas e movimentos voltados à preservação ecológica, procurando uni-los à criação artística. Chegou em 1991 a mudar-se para Brasília, onde manteve atuação como ativista ecológico e organizador de eventos artísticos. Em 1997, organizou a montagem da sala especial do artista baiano Rubem Valentim, no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA).
Os livros que assina são aclamados no meio, tal qual O Livro do Ser (1994) e O Artista da Luz (2001), sobre Rubem Valentim. Juntando todas as linhas e pontas, este tapete multicultural que ele tece rendeu a Bené Fonteles, em 2003, entregue na ocasião pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Ordem do Mérito Cultural, insígnia outorgada a personalidades e instituições culturais pelo Ministério da Cultura, a única no país voltada, exclusivamente, à valorização da Cultura (MinC).
A cerimônia de entrega da Ordem transcorreu em 19 de dezembro, com a presença de Gilberto Gil, então titular do MinC, e além de Fonteles também a receberam entre outros da seleta lista que tem 40 nomes Milton Santos (in memorian);Antônio Nóbrega; Chico Buarque de Holanda; Eduardo Bueno; Herbert Vianna, pelos Paralamas do Sucesso; Jorge Mautner; Luiz Costa Lima; Maestro Gilberto Mendes Marília Pêra; Mestre João Pequeno; Moacyr Scliar; Nelson Pereira dos Santos; Rita Lee; Roberto Farias; Rogério Sganzerla; Rubinho do Vale e a dupla Zezé Di Camargo e Luciano.
Em 2014, Bené Fonteles organizou o livro NicEstrigas: Arte e Afeto, projeto realizado com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.
Leia ao visitar o link abaixo entrevista de Bené Fonteles concedida ao jornalista Antonio Carlos da Fonseca Barbosa, publicada em 1 de abril de 2005 na Revista Ritmo Melodia:
https://www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/bene-fonteles/
Saiba mais sobre Bené Fonteles e ouça seus discos em:
https://conexaoplaneta.com.br/blog/para-adiar-o-fim-do-mundo/#fechar
https://www.youtube.com/watch?v=Jbp09zNR1x4
https://www.youtube.com/watch?v=T7OwVTDhLwI
https://www.youtube.com/watch?v=Mgi3FHTRXd8
https://www.youtube.com/watch?v=nKbJLrGxxAU
https://www.youtube.com/channel/UC-G0nb_2kBo34qPeZkhukfA
¹ À discografia de Bené Fonteles pode-se ainda acrescentar Cantos do Rio (Caminho das Águas- Rio São Francisco) onde há dele e Egberto Gismonti Fala do Rio, com trilha sonora de Gismonti sobre texto do paraense encarnando um caboclo barranqueiro. Bené ainda assina Por um Fio e Amor de Rio (esta dele, Josino Medina e Rui Anastácio) no disco que produziu com direção musical de Cláudio Vinícius em 2,000, após a viagem deles com vários artistas, em 1999, ao longo do Rio São Francisco.
Cantos do Rio também tem narrações de Gilberto Gil e participações dos cantores, compositores e músicos que fizeram a travessia Josino Medina, Rui Anastácio, Frei Chico, Mardem Ramos e Pepeh Paraguaçu, além da participação especial de Lucélia Santos e Cláudio Vinícius. A capa do encarte do trabalho destaca bordados do Grupo Matizes Dumont e desenhos de Demóstenes Vargas.