1514 – Brasil e a cultura latino-americana perdem Míriam Miràh, eternizada em 1985 com a música Mira Ira, em sua homenagem

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O Brasil perdeu uma das suas maiores cantoras e eu uma grande amiga: Míriam Miràh. O coração que recebia a todos e todas com imenso carinho não toca mais a melodia da alegria, que sempre foi a sua marca. Falar que deixará saudade é redundância e não dará a grandeza de sua importância. Para mim, além de uma das vozes mais lindas que conheci, ficarão as lembranças dos vários trabalhos que realizamos juntos, ela como cantora e eu como apresentador ou produtor. Foram momentos de extrema alegria, daqueles que são guardados para a eternidade (…)

Míriam, onde você estiver, continue fazendo os seus lindos shows…”

Franklin Valverde,escritor, jornalista, poeta e professor universitário

Hoje você fez sua travessia. Tão prematura, inesperada… E toda a sua música se foi. Levou com você todo seu amor, contagiante, por Victor Jara, Violeta Parra. Mas voce deixou filhotes… E nós, que aqui ficamos, aqui te saudamos: gratidão pela sua vida! Seguimos com a sua obra, te amando, como encantada nossa, Míriam Miràh! Boa noite, até amanhã!”

Nani Braun, atriz e arte-educadora

Fico assim, estarrecida, desentendida, partida ao meio. Descanse em paz, Míriam Miràh, e que essa luz imensa e generosa que você é continue a nos iluminar dos altos céus, onde você faz morada com as estrelas Meus mais forte abraço a todos os familiares.”

Grazi Nervegna, cantora, compositora e escritora

[Míriam Miràh] foi se encontrar com a querida Mariana Avena II para formar um belo dueto, quem sabe junto com Mercedes e tantas outras que partiram. Sem palavras. Bom retorno a pátria espiritual e obrigado por tudo.”

Zé Roberto Vaicenkovas

Míriam Miràh de Tarancón. Miriam Mirah de Raíces de América.Miriam Mirah de Gracias a La Vida, de Violeta Parra, de Mercedes, de Pablo Milanés. Miriam Mirah minha, nossa, de Mira Ira, de Lula Barbosa, de Jica Benedito e de todos que se iluminaram num palco de uma América Latina. Miriam Mirah, nossa dama latina, OBRIGADA! Siga pelos traços cintilantes da nossa América.

Seu sopro de luz ecoará sempre pelas matas e suas divindades.”

Márcia Cherubin, cantora e compositora

Morreu Míriam Miràh, uma das vozes responsáveis pela popularização do canto latino-americano no Brasil (…). Míriam trazia luz e leveza em sua voz.”

Cardo Peixoto, cantor e compositor

A apenas dez dias da data em que ela completaria 69 anos, o Brasil perdeu na terça-feira, 22 de março, Míriam Miràh. Cantora e compositora paulistana, vocalista a partir de 2002 do grupo Raíces de América e também uma das fundadoras do emblemático Tarancón, em 1972, Míriam, segundo informações da família, sofreu um infarto. Assim, calou-se uma das vozes mais marcantes do Cone Sul e de toda América Latina, à altura da argentina Mercedes Sosa e da chilena Violeta Parra, por exemplo – ambas, como a brasileira, identificadas com o compromisso de cantar como causa e sem amarras, apenas por valores imprescindíveis na cultura continental como liberdade, democracia, autonomia dos povos latino-americanos, respeito aos direitos humanos e das minorias (em cada canto do planeta), às causas populares, pela igualdade socioeconômica, valorização do trabalho e da fraternidade, com coragem e sem concessões aos modismos e aos apelos comerciais. Quem escolhe ouvir as canções que a tríade canta ou compôs (como verdadeiros legados) encontra, ainda, profundas e inadiáveis lições de amor ao próximo, independentemente de sua origem, em versos e letras marcados por engajamento, resistência, denúncia e protesto.

Egressa dos sempre idealistas e contestadores movimentos universitários e seus aguerridos festivais, Míriam Miràh ficou conhecida do público para o qual cantava mais diretamente durante o Festival dos Festivais da Rede Globo, em 1985. Ao lado de Lula Barbosa e acompanhada pelos grupos Tarancón e Placa Luminosa, defendeu Mira Ira (Povo de Mel), que Barbosa e Vanderlei de Castro escreveram, em sua homenagem. Na noite da final, promovida em 26 de outubro, no Maracanãzinho, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a maior parte da torcida já manifestara sua preferência para que Mira Ira fosse eleita a campeã. Mas os jurados comandados pelos diretores Roberto Talma, Vitor Paranhos e Solano Ribeiro apontaram como vencedora Escrito nas Estrelas, defendida por Tetê Espíndola. A música é de Carlos Rennó e Arnaldo Black.

Em meio à chiadeira, correu à boca pequena nos corredores do ginásio, nos bastidores do Festival e durante muito tempo boatos de que Mira Ira fora preterida porque não teria sido considerada “vendável” pela coordenação do evento. As vendas do bolachão do Festival, entretanto, queimaram esta suposta versão, míope e comercialesca: o disco rendeu à  gravadora Som Livre a venda de mais de 500.000 cópias e com Mira Ira abrindo o volume! Depois, a vice-campeã ainda foi incluída, em 2004, no disco O Melhor dos Festivais, pela mesma gravadora.

(Solano Ribeiro, ao publicar Prepare seu Coração – Histórias da MPB, livro que lançou pela Gravadora e Produtora Kuarup/SP, em 2018, trouxe a versão dele para esta polêmica. Iremos publicá-la no final desta atualização.)

Míriam Miràh, ainda criança, não tirava da vitrola discos do pai de ritmos como salsa e viola caipira – instrumento tocado por um tio – e curtia a irmã Cida Olivetti, cantora de Bossa Nova. Amava MPB e Mercedes Sosa, além de luminares da chamada Nueva Canción que ganhava corpo, principalmente no Chile, com Violeta Parra e Vitor Jara, por exemplo. Começou sua trajetória artística tocando piano e violão, atraída pela renovadora agitação musical que embalava o país e o mundo na reta final dos anos 1960. Na década seguinte, dedicou-se ao estudo de técnica vocal com Caio Ferraz e passou a ser atração em festivais estudantis como o promovido pelo efervescente Colégio Equipe – que tinha o apresentador Serginho Groisman à frente da Coordenadoria Cultural, na cidade de São Paulo

Neste ambiente conheceu Jica Benedito e Emilio de Angeles, com os quais e Alice Lumi criou o Tarancón, nome tirado de uma mina de carvão nas Astúrias (Espanha), onde um desabamento matou onze trabalhadores, conforme informações do portal Rede Brasil Atual. O Tarancón fez as primeiras apresentações junto à Colônia Espanhola (CDE) do Centro Democrático Espanhol). Posteriormente, embalou universidades, cantorias promovidas pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da ala progressista da Igreja Católica e, logo, por todo o país. Em apresentação no Teatro da Universidade Católica (TUCA), da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, em 15 de agosto de 1975, lançou o primeiro disco, Gracias A La Vida. Depois, ainda com o Tarancón, assinou novos cinco discos e protagonizou mais de 1500 apresentações por todo o país.

Míriam Miràh também dividiu palcos com Mercedes Sosa e Isabel Parra quando já era considerada a “musa” do som latino-americano no Brasil. A carreira solo ganhou impulso na década dos anos 1980, quando Míriam buscou reintroduzir a MPB e seus novos compositores no repertório, valorizando a sonoridade brasileira com influência latina, com destaque para a participação arrebatadora no Festival dos Festivais. Míriam Miràh também dedicou-se à mistura dos ritmos caribenhos brasileiros e nesta linha gravou o disco solo Cuba Nagô, nos anos 1990, interessante trabalho de fusão cultural em que se destaca a contribuição do maestro e músico Edwin Pitre, panamenho radicado no Brasil. Neste período, abrilhantou com suas participações álbuns de amigos como Gerônimo, Marlui Miranda, Gereba, Lula Barbosa, Boca Livre e outros.

Ao longo dos 2000, Míriam Miràh revezou repertórios em suas apresentações – um deles para comemorar 30 anos de carreira e outro dedicado aos compositores cubanos Silvio Rodriguez e Pablo Milanés, em Trovadores Cubanos, por exemplo, antes de adotar uma postura retrospectiva, com releituras das músicas mais marcantes de sua carreira a composições próprias. Nesta fase, teve por “guru” o arranjador e pianista Jayme Lessa, Sua banda utilizava instrumentação acústica para dar prioridade à beleza, à simplicidade e à originalidade na concepção sonora das canções, assim realçando seus versos e sua voz.

O Tarancón estreou em disco em 1975. Depois, lançou cinco novos álbuns e protagonizou mais de 1500 apresentações por todo o país, com Míriam Miràh à frente (Foto: Marcos Santilli)

 

Em 2002, Míriam e Lula Barbosa retomaram a antiga parceria, e juntos, protagonizaram projetos como Duos na MPB e Homenagem a Clara Nunes e Agostinho dos Santos. Também em 2002, ela aceitou o convite do maestro Willy Verdaguer para fazer participações especiais no Raíces de América e gravou com o grupo Raíces de América 25 Anos, em 2004.  Antes, em fevereiro de 2003, ela e o Raíces foram ao Festival Mundial de La Canción, no Panamá. Representaram o Brasil com América Morena, de Barbosa e Castro, com arranjo de Lessa e regência de Pitre.

Míriam Miràh também formou, a partir de 2005, o Trio Boa Vista, com Jica Benedito (bongô), Sergio Turcão (baixo acústico) e Jayme Lessa (piano) para interpretar canções caribenhas dos anos 1940/50 em vários espetáculos. De novo com Lula Barbosa e agora Mário Lúcio Marques (saxofonista, arranjador recém-saído da banda Placa Luminosa), fundou a Tribo Mira Ira, aplaudida em alguns shows como o do projeto Conexão Latina, no Memorial da América Latina, espaço cultural que tem sede no bairro paulistano da Barra Funda, junto com Lô Borges. Saiu o disco Viajar e no projeto Mulheres do Sol, do Centro Cultural Banco do Brasil paulistano, em 2008, dividiu o palco com Isabel, filha de Violeta Parra.

O riquíssimo currículo de Míriam Miràh ainda contém Batida Diferente, show resultante de anos de convivência com o universo musical latino e da MPB, mais o projeto Violeta e Isabel Parra por Míriam Miràh. À lista se deve incluir Canções de Protesto Do Cone Sul Uruguai/Argentina: A Voz Dos Humildes, que proporcionava uma viagem musical ao som de importantes músicas de protesto, folclóricas e canções de conteúdo social de compositores dos dois países vizinhos como Daniel Viglietti, autor de A Desalambrar, Gurisito, Milonga de Andar Lejos (está registrada no segundo disco do Tarancón na voz de Míriam Miràh), mais Candombe para José (Roberto Ternán); Doña Soledad e A José Artigas (Alfredo Zitarrosa); Sea e Al Outro Lado del Rio (Jorge Drexler), mais sucessos de Raly Barrionuevo, Rubén Rada, Jaime Roos, Juan Falu, Atahualpa Yupanqui e Vitor Ramil. Os shows reuniam Jica Benedito (percussão, bombo leguero, vocal) e Ademar Farinha (violão, viola caipira, queña, zampoña), músico e arranjador, atual diretor musical do Tarancón.

A verve sempre engajada e marcada pela latinidade de Míriam Miràh, por fim, ainda a colocou no palco para várias apresentações em tributo a artistas contestadores como Geraldo Vandré e Taiguara. Em entrevista de 2020 à Revista Ritmo Melodia, ela disse ao jornalista Antonio Carlos da Fonseca Barbosa, entretanto, que seu estilo não devia ser rotulado: “Há muita música latino-americana, com brasilidade, e alguma costura do pop dos anos 60. Há em algum grau influências mais contemporâneas, que se incorporam à minha maneira de cantar”.

Clique no linque abaixo para ler a entrevista completa de Míriam Miràh à Ritmo Melodia

https://www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/miriam-mirah/

A VERSÃO DE SOLANO

Solano Ribeiro defende o resultado de 1985 e contesta críticas com planilha entregue ao compositor Lula Barbosa (Foto: Jair Magri)

O Festival dos Festivais foi um dos eventos comemorativos dos 20 anos de fundação da Rede Globo de Televisão, em 1985. Teve direção de Roberto Talma, produção de Vitor Paranhos e organização e produção musical de Solano Ribeiro. Foram feitas nove etapas eliminatórias antes da etapa final e a noite de gala do encerramento, em 26 de outubro, no ginásio carioca Maracanãzinho.

Entre os concorrentes estiveram, por exemplo, Leila Pinheiro, com Verde; Oswaldo Montenegro classificou O Condor; Cid Campos, apresentou Vamp Neguinha. Emílio Santiago protagonizou um dos momentos mais emocionantes do festival cantando Elis, Elis. Os Abelhudos, apareceram na primeira eliminatória, fizeram carreira e escola, abrindo caminho para dezenas de grupos infantis. A vitoriosa foi Tetê Espíndola, com Escrito nas Estrelas.

Estas informações estão na página 159 do livro Prepare Seu Coração – Histórias da MPB, que Solano Ribeiro publicou em 2018 pela Kuarup. Ribeiro recorda-se que assim que Escrito nas Estrelas foi declarada vencedora, Lula Barbosa teria declarado que possuiria informações seguras de que Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos diretores da emissora à época] “em incursão à sala onde se reuniam os jurados, havia alterado o resultado da decisão que dava vitória à música de sua autoria, em favor da defendida por Tetê Espíndola”.

Solano Ribeiro aproveitou a publicação do citado livro, no qual traz outras informações de bastidores sobre os vários festivais que ajudou a organizar no país a partir de 1965, para dar sua versão a respeito desta passagem que corroboraria as desconfianças de boa parte daqueles que assistiram ao Festival dos Festivais e, claro, ficaram na torcida por Mira Ira – eu, inclusive. Conforme o autor menciona já na página 160 de Prepare Seu Coração…,

(…) anos depois, certo sábado à noite, convidado por Assis Ângelo para participar de seu programa ao vivo na Rádio Capital e depois de ter sido durante horas anunciado como grande atração, já no ar, fiquei surpreso com a chegada inesperada de Lula Barbosa, que me interpelou sobre aquele fato. Respondi que a Rede Globo não iria comprometer a integridade de um evento no qual havia investido milhões para privilegiar uma das músicas. Mesmo porque todas, por compromisso assumido já na assinatura do termo de inscrição, poderiam ser utilizadas a critério da direção da empresa. Mas Lula prosseguiu com suas acusações. Em 2005, na produção do Festival Cultura, ao revolver velhos documentos, encontrei a planilha com os votos que confirmavam a vitória de ‘Escrito nas Estrelas’. Tirei uma cópia e enviei a Lula Barbosa com o recado: ‘Para que você não fique enganado por mais 20 anos.’”

 

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