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Neste trabalho totalmente analógico, o violeiro paulista radicado no semiárido do Piauí, pesquisador e professor da Universidade do Vale do São Francisco, volta a recorrer à fita cassete para oferecer nova jornada instrumental de música modal e microtonal que dialoga com bois, toadas e a arte persa indiana
“Tons de azul-turquesa, preto e cinza e a (…) chegada de chuvas fora de época na caatinga trazendo enormes criaturas nos céus de um povoado”.
É com esta atmosfera que o ÁSPERO, projeto de narrativas instrumentais radicado no semiárido piauiense de autoria de Rainer Miranda Brito (Rainer M.B.), traz seu quinto álbum, o segundo em forma de fita, Rumores na terra sobre as feras da chuva. Diferentemente do álbum/fita anterior, A comitiva de notícias e outras estórias (2021), no qual a fita cassete esteve presente especialmente no processo de finalização do álbum, Rumores na terra (…) foi planejado e executado integralmente em fita cassete. Trata-se de um álbum profundamente analógico, feito à mão – desenhado, escrito, tocado, narrado.
O álbum, pensado como uma narrativa completa, é uma jornada instrumental de música modal e microtonal – usando intervalos de microtons – com a viola de dez cordas. As melodias que povoam a narrativa do álbum oscilam entre inspirações pela música de arte persa iraniana (Dastgah, Tasnifs), bois e toadas nordestinas brasileiras. Os desenhos que retratam a narrativa se misturam às escrituras das paisagens e pensamentos de personagens; tudo isso rabiscado em uma brochura (livreto) que acompanha a jornada musical.
Apesar do álbum/fita ser, de fato, uma fita cassete acompanhada de uma brochura (livreto), ambos podem ser ouvidos-lidos-vistos digitalmente no sítio eletrônico do Áspero (https://aspero.rainermb.art), no canal do Youtube de Rainer M.B. e na página do Bandcamp. Uma versão física limitada a 30 unidades do álbum/fita cassete + brochura (livreto) em formato A5 estará disponível para encomenda e será enviada aos que reservarem no portal.
ÁSPERO é um projeto de narrativas instrumentais com a viola de dez cordas criado por Rainer M.B. Leva o ouvinte/leitor a um mergulho em pontes culturais e criações de atmosferas imaginárias para explorar tradições e rumores de lugar algum.
Compositor do Interior paulista, nascido em Votorantim, cidade da região de Sorocaba situada a cerca de 110 quilômetros da capital São Paulo, Rainer Miranda de Brito, atualmente residente em São Raimundo Nonato (PI), é violeiro autodidata e antropólogo. Conforme declarou recentemente em entrevista ao jornalista Antonio Carlos da Fonseca Barbosa, da Revista Ritmo Melodia, desenvolve no estado nordestino como docente da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), situado no campus Serra da Capivara, um projeto de extensão para ensino e fomento da viola de dez cordas no semiárido piauiense, o VÁRIA – Artes e violas na Caatinga. Em um perfeito casamento entre os ofícios de professor universitário e de músico, como um dos métodos e estratégias para resgate e afirmação de uma das possíveis afinações para a viola de dez cordas, a realejo, há oito anos ele vem lançando álbuns da série batizada ÁSPERO, que define como “melodias estranhas para estórias de povos de lugar algum” ou “uma empreitada de narrativas instrumentais de uma viola de dez cordas”.
A série começou em fevereiro de 2014, com Queda & Regresso, prosseguiu com Duas Derradeiras, de maio de 2017, e a Casa de Héstia, de março do ano passado. Em 2021, a obra que Rainer espera completar com seis volumes ganhou o quarto: A comitiva de notícias e outras estórias, cujo repertório narra “estórias sobre a chegada de notícias em um pequeno povoado, uma carta de lembranças entre irmãos e boatos sobre a menina que seguindo um assovio na caatinga deixou de ser gente para ser um pé de espinheira”. Todas as músicas dos cinco títulos já disponíveis de ÁSPERO podem ser ouvidas e baixadas a partir do portal que o autor desenvolveu para dar suporte ao projeto — gratuitamente, inclusive –, mas para os dois álbuns mais recentes a novidade são gravações em fita cassete!
O texto a seguir Rainer divulgou quando lançou A comitiva…, no entanto, é atual ainda para o novo trabalho. “Este é um álbum feito à mão, um álbum de retalhos e imperfeições”, declarou Rainer Miranda, sobre o porquê recorrer às fitas cassetes “Eu quis fazer tudo artesanal e analógico. Pensei em vinil, mas os custos ficariam muitos altos e eu tenho outras prioridades no momento. O cassete pode parecer algo estranho, antigo, mas não é. É um formato analógico relativamente acessível e como eu queria fazer tudo em casa, como é a proposta do ÁSPERO, recorri ao VHS, um recurso ótimo para gravar áudio. Farei 50 fitas cassetes como produto final, uma por uma, o que dá um trabalhão. Corta, dobra, imprime, desenha à mão sobre a impressão, é uma doideira. A versão digital que vai para as plataformas digitais eu capturei da fita e já envie para a Tratore”, que será responsável pela distribuição.
Do portal eletrônico do projeto ÁSPERO:
Melodias estranhas para estórias de povos de lugar algum.
Note que esta é uma proposição artística experimental e um tanto obscura. O ÁSPERO não corresponde à maioria das expectativas sobre música popular brasileira, música folk – e talvez sobre world music. Como você deve ter notado, esta é uma exploração das tradições limítrofes de povos de lugar nenhum.
ASPERO é uma aventura de ficção musical impulsionada por melodias, histórias e rabiscos. Algumas delas se inspiram nas culturas populares do Brasil e do mundo; outras são rumores de terras desconhecidas (ou de lugar nenhum). E talvez todas elas sejam frações fantásticas e surreais de dias e noites dos seres que atravessam essas terras. Foi assim que uma viola brasileira de dez cordas encontrou seu caminho de sussurrar estórias.
Algumas inspirações artísticas do ÁSPERO são explícitas – as toadas e rojões do semiárido brasileiro, a música de arte persa, o ímpeto underground (e hack friendly) de rincões do Heavy Metal antigo, da música atmosférica e do Dugeon Synth. Outras são mais crípticas – o ativismo cultural em prol de um imaginação transcultural para/pela viola brasileira e p entusiasmo analógico em fazer (e sentir) a música com limitações.
O ÁSPERO como experiência prática é um cultivo de imperfeições artísticas e técnicas. Todo o material do ÁSPERO — escrito, rabiscado ou tocado — depende de meios e processos analógicos: caneta, tinta, papel, fita cassete, hardwares antigos, sessões de gravação sem edição e assim por diante. O trabalho lento e singular, a performance abarcando imprecisões e inconstâncias é uma engrenagem fundamental deste caminho narrativo instrumental.
Que arte, que música haveríamos de ter sem os erros meticulosos?
O diabo está nos detalhes, alguém o disse. E eu digo: vida longa aos detalhes.
A viola responsável pelo ÁSPERO sou eu, Rainer M B. Nasci no Interior do Sudeste brasileiro, mas a vida me radicou na Caatinga, Piauí, interior do Nordeste brasileiro. Sou um violeiro que tem se dedicado a melodias ásperas e transculturais. Tanta gente boa da viola e da cultura popular brasileira conheci e toquei; tantas música e ideias aprendi com essas gentes. Optei porém por deixar de lado as expectativas e os hábitos que vinculam a viola apenas às suas tradições para usá-la e senti-la como uma ferramenta da música modal e ambiente no intuito de imaginar ficções acústicas e atmosferas inesperadas. E eis o ÁSPERO; fundado em 2010 inicialmente como um projeto anônimo de peças musicais aleatórias, tornando-se um projeto autoral declarado em 2018.
De acordo com a Revista Ritmo Melodia, Rainer Miranda de Brito “atua na promoção da viola de dez cordas como instrumento de pontes culturais, produzindo conteúdos artísticos e acadêmicos em torno da viola como veículo da música modal”. Além da série ÁSPERO, ele já lançou Três Cordas (2015), com o duo homônimo Três Cordas, e com o duo AL’GAZARR, também em 2015, Sonidos Tradicionaes de Lvgar Ninguno. Nascido em 1990,
Rainer Miranda conheceu seus dons musicais em casa, ouvindo fitas cassetes, discos de vinil, cedês e um pouco de rádio, conforme relatou a Antônio Carlos. “Meus pais sempre tiveram o hábito de ouvir música e pude ouvir muita música instrumental em casa, música andina, orquestras de música regional, alguma coisa de música erudita mais conhecida”, contou. “Também tive meu avô, Benedito Messias Brito, um violonista da música caipira e um divertido contador de causos. Uma parte mágica de minha infância foi ouvi-lo tocar e presenciar as rezas que aconteciam na casa dos meus avós, sempre tinha um pouco de música por perto”.
Em outro trecho da entrevista, Rainer acentuou que teve a infância marcada pela audição da música instrumental andina e latino-americana, mais popular e de fácil acesso à época, pois se encontravam discos e artistas pelas ruas e pequenas lojas de música da região. Ainda criança, curtia grupos como Los Jairas (Ernesto Cavour, Alfredo Dominguez, Gilbert Favre), mas apreciava, também, grupos de heavy metal, Helena Meirelles, Cenário Maicá, Noel Guarany, Jorge Cafrune, Mercedes Sosa, Alfedo Zitarrosa, Eduardo Falú e bandas como Devil Doll, Arcturus, Candlemass, Darkthrone. Na adolescência, graças ao acesso à internet, aproximou-se da música étnica (ou world music) e se apaixonou pela reconstrução e imaginação musical fora da Europa e da América europeia.
“Nesse momento minhas ideias e inquietações como violeiro caminharam para pontes com outras culturas musicais. Mergulhei na música persa e consequentemente conheci um pouco de música do mundo árabe e do mundo hindu”, disse. “Mestres como Mohamed Reza Lofti, Mohammad-reza Shajarian e Parissa abriram um caminho definitivo para minha incursão na música Persa (…). Essa incursão se tornou um centro de gravidade musical do que gosto e preciso escutar de tempos em tempos, selando um ‘pacto’ da minha imaginação e prática musical com a música modal. A música descomprometida, no bom sentido, com o desenvolvimento da harmonia e da tonalidade.” O “pacto” também permitiu a Rainer “aproveitar muito mais a música nordestina que me constituía como violeiro: João do Vale, João Bá, alguma coisa da Orquestra Armorial, as trilhas sonoras de Glauber Rocha com Sérgio Ricardo”. Depois, “em meio a tudo isso tive o privilégio de conviver e conhecer grandes violeiros e violeiras, cantadores e contadoras que se misturam em um elo de amizade e influência, tanta gente que acho melhor não citar nominalmente para não me esquecer de alguém”.
Rainer Miranda destacou à Ritmo Melodia que não possui formação musical oficial. Até cogitou, na adolescência, buscar um caminho acadêmico de formação musical, mas a curiosidade por culturas musicais não ocidentais o afastou desse possível caminho. “Acho que a viola, que apareceu cedo na minha vida, provocou um desvio de formação interessante para minha curiosidade musical”, ponderou. “Enveredei assim para as Ciências Sociais e, depois, para a Antropologia”, explicou, informando ser graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Antropologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de São Paulo. “Sou um violeiro que se tornou, por acaso da vida, antropólogo e professor.”
O conteúdo integral da entrevista de Rainer Miranda de Brito à Revista Ritmo Melodia pode ser acessado pelo linque https://www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/rainer-miranda/
VIOLA NORDESTINA
Um convite à prática e ao entendimento da viola de dez cordas e da afinação em realejo, além de uma iniciativa para a difusão de um instrumento pensado em território piauiense. Assim é possível definir o livro digital Caderno de uma viola em realejo, elaborado por Rainer em colaboração com a equipe do projeto de extensão VÁRIA – Artes e Violas na Caatinga, que ele coordena. O livro eletrônico foi lançado em 2020 e está disponível para download gratuito a partir do linque do site do projeto que estará ao final desta atualização, em uma iniciativa vinculada ao Colegiado de Antropologia da Univasf. A produção do material tem origem nas oficinas ministradas pelo VÁRIA para a comunidade de São Raimundo Nonato, com o objetivo de popularizar a viola de dez cordas no Piauí.
Originalmente, o produto foi pensado para servir de apoio didático-cultural para as oficinas, mas o conteúdo foi remodelado como uma publicação autônoma. O resultado é um caderno que reúne informações e orientações com base em pesquisas e criações artístico-musicais de Rainer e do projeto VÁRIA, elaborado digitalmente como uma alternativa para a necessidade de distanciamento social diante da pandemia de Covid-19. O caderno é dividido em oito partes e o conteúdo oferece reflexões sobre o histórico da viola de dez cordas, destacando as características que constituem a viola chamada de “nordestina”, como seus ponteados e a estrutura da cantoria.
O livro digital também apresenta a afinação em realejo, um jeito de tocar viola típico do semiárido piauiense, como uma destas características, visando a tornar este estilo próprio do Piauí um integrante da família das violas nordestinas, assim como é reconhecido o modo tocado pelos poetas repentistas. Além disso, a publicação apresenta instruções sobre palheta, arranjos, tablaturas, vídeos complementares e notas do instrumento, ao estilo piauiense, com propostas de exercícios práticos para o aprendizado dos leitores. De acordo com Brito, a publicação é inédita e significa uma oportunidade para colocar a viola nordestina, com destaque à vertente piauiense, no mapa das violas do Brasil, onde a viola “caipira”, símbolo da música sertaneja de raiz, domina todo o espaço.
“Esse é o primeiro material instrucional pensado para uma viola do Nordeste. A metodologia é original e a abordagem pensa a teoria musical em um universo fora da metodologia europeia canônica, mas dentro de um local que se conecta às raízes da nossa música nordestina. Acho que isso é cumprir um pouco o papel de agente cultural que a Universidade pode e deve ter”. O VÁRIA tem ainda uma série de vídeos e de programas radiofônicos com breves comentários em torno da viola, da música modal nordestina e da música do mundo. Os programas radiofônicos podem ser ouvidos pelo linque https://open.spotify.com/show/0p7AehK8GmnrKvoGU0zVd5.
REVOREDO
O programa Revoredo apresentado pelo maestro e professor José Gustavo Julião de Camargo semanalmente a partir das 17 horas todas às quintas-feiras (com reapresentação a partir das 8 horas, aos sábados) nas emissoras da Rádio USP FM, foi dedicado em 26 de novembro de 2020 à I Mostra de Violas Instrumentais Nordestinas, promovido dias antes, entre 10 e 15 de novembro de 2020. Organizado por Rainer Miranda Brito, a mostra, on-line, reuniu 15 violeiros da Bahia, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí e do Rio Grande do Norte que falaram sobre suas trajetórias e as perspectivas para a viola nordestina instrumental, todos ligados ao movimento cultural de violeiros do Nordeste: Adelmo Arcoverde, Cássio Nobre, Cristiano Oliveira, Fernandinho Regis, Gabriel Bedeza, Julio Caldas, Hugo Linns, Igor Sá, Keyller Almeida, Laís de Assis, Marcelo Othon, Paulo Matricó, Rainer Miranda, Rodolfo Lopes e Rodrigo Veras. Clique no linque abaixo e ouça o programa na integra! Clique nos linques abaixo e tenha acesso às gravações e ao livro mencionados nesta atualização.