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Estudo que sai pelo Instituto Çare (SP) resgata potência da obra e atualidade do pensamento do cantador, compositor e pesquisador que a mídia e a cultura de massas negligenciam, mas que revelou ao mundo a força e as tradições anticolonialistas latino-americanas
Autor de uma obra que espelha a riqueza multicultural da música, Dércio Marques dedicou sua carreira a pesquisar as raízes musicais ibero-americanas e a pensar a cultura popular como forma de ação social. Cantador, compositor, agregador, Dércio produziu talentos como Elomar e Diana Pequeno e tornou-se elo entre o Brasil e os movimentos musicais latino-americanos de resistência política a partir dos anos 1960. Dércio Marques: da Latinoamérica ao Brasil de dentro, livro da artista e pesquisadora Letícia Bertelli, que o Instituto Çarê, situado na cidade de São Paulo, lançará na sexta-feira, 19 de agosto, resgata a potência singular de um ícone apagado pela crítica canônica – e ilumina a atualidade de um pensamento que valoriza o legado musical autóctone do continente e o papel social da cultura. A noite de autógrafos começará às 18 horas.
O livro resultou da pesquisa de mestrado em música de Letícia Bertelli. A autora costura a análise da obra de Marques – que morreu em 2012, aos 64 anos – com estudos anteriores, entrevistas concedidas por amigos e parentes e memórias pessoais. Ao revisitar o trajeto errante e a “trama de contatos musicais” do mineiro de Uberlândia, Letícia mostra como se recria, nele, a figura tradicional do cantador, ligada à cultura rural e às rodas de cantoria, enquanto especula sobre a gênese de seu repertório “calcado no profundo sentimento de solidariedade”. Ao se desdobrar em várias direções, busca dar conta de um criador inquieto, que não separava trabalho artístico, posicionamento político e prática de vida. “Dércio era desassossego puro”, escreveu Letícia.
ANDANÇAS
Filho de mãe brasileira e pai uruguaio, Dércio Marques teve desde a infância ligação forte com a música andina. Entre os anos 1960 e 1980, viajou pelo Brasil, América Latina, Portugal e Galícia, e viveu no Peru e no Uruguai, pesquisando e assimilando gêneros diversos da cultura popular. Mais que um gesto acadêmico, era uma forma de vida. “Sua experiência não se reduzia a buscas ou análise de conteúdos”, contou Letícia. “Ele se misturava ao povo, reconhecendo-se sempre pertencente a cada novo lugar” emendou. “Não lhe servia apenas viver ali, era preciso deixar-se afetar. Entrava nas casas, tocava e cantava livremente com foliões, capitães de guarda, mestres das tradições.” Ainda segundo Letícia, foi assim quando Dércio migrava com o pai, viajava em busca de registros sonoros ou quando se aproximava de uma pessoa por quem nutria admiração.
As andanças de Dércio Marques se adensaram em um vasto repertório de composições próprias e interpretações de terceiros, reunidas em discos como Terra, vento, caminho – lançado em 1974 pela Discos Marcus Pereira, chave na difusão de repertórios históricos brasileiros – e Fulejo, inspirado na tradição das congadas mineiras e da música do Vale do Jequitinhonha. Ao interpretar canções de Atahualpa Yupanqui em seu primeiro disco, Dércio ecoava o ideário de movimentos sessentistas como o argentino Nuevo Cancionero e o chileno Nueva Canción, que exortavam à valorização das tradições musicais populares e autóctones em reação à hegemonia das culturas de matrizes branca, norte-americana e europeia.
CORAÇÃO AMERICANO
Poucos anos depois, em 1977, Marques teceria considerações apaixonadas sobre a pertinência dessas ideias e suas relações com o contexto brasileiro, defendendo o “sonho da América Latina como uma Grande Pátria” em artigo escrito a convite do jornal alternativo Versus. Incluído no livro na íntegra, como apêndice, Coração americano soa como uma espécie de manifesto anticolonial à frente de seu tempo. “Os tenebrosos que aqui aportaram trouxeram febres, as peçonhas, intrigas, preconceitos e cobiças. Depararam, no geral, com povos integrados no ambiente (…)”, escreveu. “Marti nos ensinou que quando o índio foi derrubado, a América sofreu um colapso, estagnou-se. Quem substitui o índio na consciência bioecológica e espiritual nos quatro cantos? Há que renascer o índio em cada coração.”
Dércio Marques: da Latinoamérica ao Brasil de dentro integra uma série de publicações produzidas pelo núcleo de Música do Instituto Çarê, e iniciada, em 2020, com As cordas livres de Heraldo do Monte (2020), coletânea de partituras do compositor e instrumentista pernambucano. Com coordenação do compositor e pesquisador Ivan Vilela, o núcleo dedica-se a salvaguardar e ampliar o acesso a acervos musicais e compositores brasileiros fundamentais. Para Vilela, a trajetória de Dércio Marques, que se transformou como músico “na medida em que se adentrava no mosaico manifesto pela cultura brasileira”, é mais uma das micro histórias que, resgatadas de um injusto esquecimento, ajudarão a compor “uma visão real do quão grande e potente é a arte do povo brasileiro”.
Letícia Bertelli é cantora e pesquisadora, doutoranda e mestra em musicologia pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Especializou-se em Música Antiga pela Musikhochschule Trossingen (Alemanha). Em 2012, fundou o Ilumiara, com quem percorreu todo o território nacional e gravou Ilumiara – cantos de trabalho. É membro do Coral Lírico de Minas Gerais e docente da Pós-graduação em Pedagogia Vocal da Faculdade Santa Marcelina (SP). Promove, desde 2016, com Daniel de Lima Magalhães, o Encontro de Flautas do Jequitinhonha. É, também, colaboradora da Tingui, associação sociocultural que atua no Vale do Jequitinhonha (MG).
INSTITUTO ÇARE
Organização sem fins lucrativos criada em 2019, mantém ações nos eixos de educação, pesquisa, acervos, música e artes visuais. Dedica-se a preservar e difundir acervos brasileiros importantes, fomentar e mapear produções culturais de grande potência, acelerar a pesquisa em campos negligenciados e afirmar, na prática, a importância da arte, da cultura e da educação como ferramentas de desenvolvimento individual e coletivo. Situado no bairro paulistano Vila Leopoldina, o Çare é um dos apoiadores culturais do Barulho d’água Música.
O endereço do Instituto Çarê é Rua Doutor Avelino Chaves, 138, Vila Leopoldina, São Paulo.
Leia mais sobre Dércio Marques ou conteúdo a ele relacionados aqui no Barulho d’água Música ao clicar no linque abaixo: https://barulhodeagua.com/tag/dercio-marques/
Espetacular. Obrigado, Marcelino. Abraços, Ivan
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Uma honra para mim, Ivan, teria sido conhecer Dércio. Mas você com sua capacidade de ensinar e de transmitir conhecimento, agregar e ser generoso, não é menos importante! Marcelino Lima (11-99259-0769) e Andreia Beillo (11-99283-8514)
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Como faço pra adquirir o livro Dércio Marques?
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Boa tarde, Evandro, obrigado pelo retorno!
Eis os endereços e o telefone nos quais é possível adquirir o livro:
Instituto Çarê | R. Dr. Avelino Chaves, 138, Vila Leopoldina, São Paulo-SP | (11) 2892-7215 | somos@institutocare.org.br
Um abraço!
Marcelino Lima (11-99259-0769) e Andreia Beillo (11-99283-8514)
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