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Já nas plataformas digitais, Luz oculta tem, ao todo, dez faixas. Apenas duas são regravações. Décimo segundo disco do músico, traz parcerias com Bené Fonteles, Consuelo de Paula, Fernando Guimarães e Paulim Amorim,
O cantor, compositor, luthier e violeiro paulista Levi Ramiro está lançando mais um álbum para deleite dos amigos e seguidores, o 12º da profícua carreira: Luz Oculta. O disco, segundo o próprio Ramiro, foi “gravado de prima” somente com voz e viola, depois, em algumas faixas, o músico acrescentou uma linha de viola e em Miração um trecho recitativo. Do total de dez faixas, há oito inéditas e duas são regravações. Sempre cercado de bons espíritos, amizades mundo afora e da natureza que o inspiram, “isolado”, ele sentiu em casa o baque do isolamento forçado pelo coronavírus. Mas Levi Ramiro é irrequieto, tem força de bambuzal e não deixou os laços com os parceiros esfriarem: a seu modo afável os requisitou ao trabalho como se estivessem compartilhados ao pé do fogão de lenha ou à beira de um córgo pescando. A lista tem Bené Fonteles e Consuelo de Paula (que assinam textos primorosos no encarte, publicados abaixo), Fernando Guimarães e o agora saudoso Paulim Amorim (RJ).
(À época dos preparativos e do arremate de Luz Oculta, Amorim acabara de partir, antes do combinado, na noite de Natal: dele, em breve, vamos publicar uma matéria exclusiva. Dois meses depois, Vidal França (BA) também encantou. Ao fluminense e ao baiano vai a dedicatória carinhosa de Levi Ramiro.)
Luz Oculta já está disponível nas plataformas digitais e em versão física, com capa que traz uma poética fotografia de Tereza Ludgero, a Teka, e encarte gráfico de Rebeca Freitas, companheira e sobrinha de Levi. Sem mais delongas, com a palavra e a viola, Levi Ramiro, que inicia o texto de apresentação com agradecimentos
À força divina criadora, gratidão pela experiência e mistério da vida.
Aos parceiros e parceiras, profissionais, amigos e amigas, pessoas diretamente ligadas à realização deste trabalho, meu eterno agradecimento.
Às pessoas queridas próximas que dividem comigo mais que um prato de comida, o calor de um abraço, os sonhos e angustias.
A todas as pessoas que promovem ações individuais e coletivas em prol de um mundo mais justo, mais sustentável, mais conectado com nossa casa, menos iludidas com tecnologias e com esse mundo virtual e artificial que criamos.
Mesmo acostumado a preservar meus momentos de solidão, mais pra solitude, de criação, compondo e construindo instrumentos, experimentar hoje a solidão nesta pandemia, a reclusão, o medo, o mergulho em redes sociais, os conflitos e etc. fez com que nascesse em mim outra percepção sobre estar só. Longe das muitas amizades musicais, de pessoas queridas, tendo praticamente a viola como companheira, senti o tanto que a conversa com ela foi ficando mais íntima, mais intensa, ainda mais presente e até mais segura. Acreditando na verdade deste momento, resolvi arriscar fazer, à minha maneira, o que seria um dueto com a viola, uma prosa singela, uma busca de interiorizar os sentimentos, aflorar memórias, reflexões e tudo mais. A viola, a música, me ajudam a encontrar essa luz oculta, a ficar longe das sombras. Sim, buscar a luz, sentir o sol e o vento, silenciar desejos, perceber o amor nos gestos, valorizar as amizades, fortalecer-me no frágil, ver o divino nos detalhes e encontrar tanto no que muitas vezes aparenta ser tão pouco.
Luz oculta é um lampejo, um desejo de estar mais conectado com essa casa linda chamada planeta terra, celebrar a arte e a poesia da vida, em personagens humanas como Seo Toinho rezador de cobra, Lubisome mestre na arte do couro, os violeiros Tião e Malaquia, as mães originais Benedita, Iracema, Sinhá e tantas mais almas lindas deste Brasil profundo.
Desejo pra todo mundo, muita saúde, arte, pão e lucidez.
Gratidão por ouvirem meus lamentos e que a presença humana neste planeta tenha um sentido de pertencimento, com maior valor e merecimento.
Para o Mestre Vidal França e o poeta e parceiro Paulim Amorim.
DESAFIO E TESTEMUNHO
O ponteio sensitivo da viola de Levi acorda-nos para uma natureza paralela que temos ainda muito a ter sonho e florir… Um cantador que tem dialeto casadinho as cordas que atina e ousa… Atreve-se a desafiar, testemunhar a verdade da sinceridade que poucos as conhecem… Sua alma vasta verte feito nascente do não cessa, faz-se infinda… Testemunha leal de um sertão que se extingue na geografia e paisagem engolida pelo urbano, mas ainda habita muita gente que tem sabedoria de ser gente com alma intrépida e desnuda… Fala uma gostosa linguagem que Guimarães Rosa deu de voz a Riobaldo encantado não só por Diadorim, mas com um sertão que ela era toda sendo macho e fêmea de sua paixão velada, porque o sertão não está só oculto dentro da gente e do gênero humano, não é bioma que se confie uma nomeação rasa pois nada dá nome a vez da imensidão… O sertão que Levi pronuncia é um ser que apreendeu tão todo aninhado no canto do sentimento pelo belo, pelo justo e pelo vasto… Quando a viola feita pelo mesmo Levi que pega cabaça virgem e dá vida de sons que ninguém ousa lutiar e que deixa gente admirada como Egberto Gismonti – a quem dei um instrumento desses inusitado – e que ainda hoje seu gênio tanto, tenta decifrar tudo de sons que lá não cabe dentro do seu bojo, o sem limites… Dentro dos corpos sonoros que molda com maestria rara, raras harmonias que aprendeu a tocar, Levi descobriu como Gismonti com Sapain, o pajé Walapity, que lhe iniciou na flauta sagrada Jacuí, que um instrumento toca Espírito e não música… Assim Levi tira da viola o que ela nem tem pra tocar e põe onde nem cabe em nosso tosco no imaginário… A poética sonora que cria, casa nos poemas que recria dos parceiros, deixam de serem mais que palavras e sim o encanto eterno do que pode ser soar, o Ser de uma canção… Neste disco tão solo e íntimo de tão seu, a viola e seu canto nu eivado é de uma pureza original nativa, nela sonhamos o que desejamos, que nunca se perca dos nossos reais sentimentos, assombrados, tornados mais invisíveis que o que verte a vã realidade dos mundos… A sua solitude amiga da viola e canto lhe devolve não só o juízo, mas põe lucidez no pleno da sua vida de tanta lealdade cabocla, mestiça, a música como instrumento da Vida, é veio de uma claridade de sonoridade ímpar irmã de cuia e cabaça, tira o cabaço com prazer de gozo, põe a alegria como do santo enfeitado para andor pelas mãos da beleza caipira… OH! Levi de onde tirastes o mistério desta viola que viola as leis das ressonâncias mouras e ibéricas? Onde vais dos cafundós da Índias orientais pelo violar de sitar e depois pela viola alaúde para moldar a voz dos trovadores que também és uma das vozes? Onde tu vais posto a uma feira do Nordeste como a fera da poesia e do repente de um Cego Aderaldo ponteando, o ser universal caboclo que só a alma brasileira veste? Levi não sabe de nada ainda da viola que sempre retoca fazendo da última criada uma criada da música verdadeira de sentido de Vida madura e nata… Quanto mais a viola o toca, ela sabe de tudo dele e que Levi não tem fins nem começos… Urge ouvi-lo como quem está nu e ainda não sabe….
Bené Fonteles, Caldas (MG), março de 2022
MÁGICA PROVOCAÇÃO
Parece que a sua Luz Oculta entra na casa de quem escuta como se fossem nove raios misteriosos. Entraram pelas frestas de um arco criado entre a viola, a voz e o corpo de quem está em contato com a sua harmonia.
Nove segredos que se revelam com a magia que só grandes violeiros sabem provocar. Sua música é arte absolutamente contemporânea e universal: a sofisticação dos seus acordes, a técnica com a qual executa esse instrumento, suas composições que revelam seu lugar, suas paisagens e seu tempo. Luz Oculta é pérola, girassol, borboleta, trem de ferro que faz viagem presente entre o passado e o futuro. Carro de boi, cavalo, vagalume, avião e nave. Tudo passando enquanto a viola emana seu brilho. Passam lembranças, ideias, sonhos. Tudo passa, mas o amor permanece na sala, entre os nove rastros deixados pelos feixes luminosos do seu som.

Consuelo de Paula (Foto: Ione Cadengue/Sesc Belenzinho/SP)
Consuelo de Paula, São Paulo (SP), março de 2022
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