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Em 13 de novembro, um público estimado entre 55 e 60 mil pessoas acorreu ao estádio Mineirão, um dos palcos sagrados do futebol brasileiro [no qual, em 8 de julho de 2014…], situado em Belo Horizonte (MG), desta vez não para presenciar uma partida do Galo (Atlético Mineiro) ou da Raposa (Cruzeiro), mas para acompanhar, e o quanto mais de perto possível, a derradeira apresentação da turnê A Última Sessão de Música. Tanta gente assim para não ver a bola correr tinha uma razão das mais especiais, única e inesquecível por se tratar de um concerto: era Milton Nascimento quem estaria por 120 minutos no centro das atenções para protagonizar sua despedida da cena musical que iniciara, precocemente, ainda na adolescência, já em Minas Gerais, onde primeiro residiu na minha querida Juiz de Fora (muito em breve, provavelmente, perto de onde terei minha nova casa, na Zona da Mata) embora seja carioca. A trajetória de Milton Nascimento, o Bituca, perante os microfones, estava chegando ao fim naquele simbólico domingo, após 42 álbuns próprios lançados, aos 80 anos de idade. E num momento particularmente de dor e de euforia, pois o país absorvia, ainda, o amargor das partidas de Gal Costa e de Rolando Boldrin, embora mergulhado na esperança e na alegria por termos eleito para a presidência da República, pela terceira vez, Luís Inácio Lula da Silva.
Frases surradas como “a biografia de tal pessoa desobriga sua apresentação” a qual recorro agora não configura tática preguiçosa de um jornalista em fuga do trampo da pesquisa minuciosa e da redação generosa e irretocável em dados, mas vamos lá a outra: tentar escrever de próprio punho algumas linhas, ainda mais inéditas, a respeito deste ícone até sou capaz, uai! Contudo seria, indiscutivelmente, chover no molhado, né, bobo! Ademais, sobre a luminosa, consagrada e premiadíssima carreira dele há incontáveis matérias e referências, das mais breves às mais caudalosas e ricas, em vários veículos e suportes – sem contar que propriamente o gran finale em Beagá rendeu uma pororoca de comentários, imagens, fotos, trocas de mensagens em redes sociais e outras formas de repercussão ainda frescos (ou quentes, fica a gosto do freguês).
A última apresentação, por sinal, foi mostrada ao vivo e com sinal aberto pelo canal Globoplay e ficará disponível na plataforma até 13 de fevereiro de 2023. Mas este Barulho d’água Música não deixará sem um registro em suas atualizações este momento que emocionou o Brasil e vários lugares do planeta nos quais Milton Nascimento faz bater corações e é reverenciado como um dos maiores do ramo em todos os tempos.

Milton Nascimento tocou e cantou por duas horas a relembrar parte dos seus sucessos, consagrados em seis décadas de premiada carreira. E dedicou o concerto à amiga Gal Costa.
Com a devida licença nos dada pelo poeta, compositor, cantor, produtor cultural, violonista e violeiro Makely Ka (PI) publicaremos a partir do próximo parágrafo o depoimento dele sobre o que presenciou e sentiu como um dos fãs de Bituca presente àquele concerto histórico. Makely Ka compartilhou o texto em uma de suas páginas de mídia social após tê-lo escrito, ainda sob o calor do arrebatamento que experimentara e sentia, horas depois de já ter deixado o Mineirão. Mais do que um relato emocionado, é uma descrição exata do show e, como é peculiar a Makely Ka, costurada com críticas, devidas e bem apontadas, já que o evento [e aqui sou eu quem opina] não deixou de ser explorado e transmitido como uma ação nada barata [aos bolsos dos que sobrevivem sabe-se lá como nos bailes da vida] do mainstream, em detrimento da coletividade que sempre foi onde Milton Nascimento esteve!
Obrigado, Makely Ka!
Eu sempre pago a língua. Prometo pra mim mesmo que não vou mais a show grande porque acho desconfortável, som ruim, não enxergo os músicos no palco, aquele empurra-empurra, difícil estacionar, engarrafamento, o caos. Mas lá estava eu levando meu filho para o show de despedida de Milton Nascimento no estádio do Mineirão. Fico só imaginando quantas vezes ainda vou quebrar minha promessa quando chegar a vez dos outros três. Quando conseguimos entrar no estádio – ficamos nas cadeiras superiores – o primeiro abalo: estava tocando nas caixas canções da Gal Costa. Foi esse o clima antes do início do show. Havia no telão uma imagem do Milton abraçado com ela. Logo antes do início exibem no telão o vídeo de Milton cantando Canção do Sal ao lado de Gal Costa na série Milton e o Clube da Esquina, exibida pelo Canal Brasil. Essa foi a primeira composição dele gravada por Elis Regina. Todos se emocionam com essa conjunção de astros alinhados e assim inicia a última sessão de música.

Por duas horas, o público que esteve no Mineirão transformou um templo do futebol brasileiro numa arena que, no fim, foi até pequena para a grandeza de Milton Nascimento
Abrem as cortinas e o show começa com o instrumental de Tambores de Minas fazendo uma mistura de Moçambique com Congo. O telão é muito pequeno para as dimensões do estádio e o operador de vídeo cometeu muitos erros durante a transmissão mas, mesmo de longe, dá para perceber Milton, que já está sentado no centro do palco vestindo uma espécie de parangolé. A primeira coisa que ele fala é que o show seria dedicado à sua amiga Gal. Então começou tocando sua sanfoninha de 16 baixos e cantou Ponta de Areia, dele e do Fernando Brant. Eu desabei logo nesse início. Fiquei tentando disfarçar as lágrimas na frente do meu moleque, mas ele percebeu e me denunciou para a família. Emendou com Morro Velho, talvez a canção mais mineira de todas, das grandes fazendas de gado entre as montanhas, do trabalho escravo, do trem que leva e traz o progresso. Em seguida veio Outubro, também com Fernando: “Minha história está contada/vou me despedir”. Mais um nó na garganta com a lembrança de que este seria o último.
Em Amor de Índio, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, deu para respirar e cantar junto. Então surgiu pela primeira vez Zé Ibarra com sua voz luminosa cantando Vera Cruz, de Milton e de Márcio Borges. Quando o piano toca os acordes paralelos com o vocalize no final é como se fosse uma senha de acesso ao universo mágico da música que surgiu num país que se chamava Vera Cruz. Depois dela Milton retomou a frente cantando a grandiosa Pai Grande, outra música enigmática, onde o Milton letrista fala dos seus ancestrais, dos nossos ancestrais.
A próxima seria o hino Para Lennon e McCartney, de Fernando, Lô e Márcio Borges. Como costumo dizer, talvez essa seja entre as músicas do repertório uma das que mais funcionam num estádio, música de arena como se diz. Nesse momento entraram no palco o próprio Lô Borges com Beto Guedes, Toninho Horta e Wagner Tiso, que dividiram os vocais. Eu já estava sem voz. Muita gente chorando, emocionada. Lô permaneceu e também cantou Um Girassol da Cor do Seu Cabelo, dele com Márcio, para júbilo da plateia. Depois, sozinho, Milton cantou a enigmática Cais, dele com Ronaldo Bastos, e Tudo o Que Você Podia Ser, mais uma da dupla dinâmica Márcio e Lô. Mais uma cantada pela multidão. Eu já não conseguia cantar mais nada, só tentava entender o que estava acontecendo. Havia 60 mil pessoas cantando junto num estádio canções que costumam ser ouvidas em teatros.
Pausa para comprar água. Ontem visitei meus pais em Santa Tereza¹. O bairro estava em polvorosa. Durante todo o dia na esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis formou-se uma pequena multidão com gente vinda de todos os cantos do país entoando músicas do Clube [da Esquina]. Mandei uma mensagem para os filhos de Maricota e Salomão dizendo que as pessoas estavam cantando músicas deles pelas ruas e esquinas da cidade. Quem poderia imaginar aqueles moleques arrastando multidões?

Milton Nascimento se consagrou em 42 discos autorais, é carioca, mas está profundamente identificado com Minas Gerais e ajudou a fundar o Clube da Esquina
Wilson Lopes tocou um lindo solo de guitarra como introdução a San Vicente, novamente com Zé Ibarra. Quando Milton cantou Clube da Esquina nº 2, dele com Lô e Márcio, a música que deu nome ao disco e ao movimento, a música que fundou a República Musical de Minas Gerais, eu já estava contemplativo, nem tentava mais cantar. Em seguida veio Lília, canção instrumental com os vocalizes misteriosos que Milton fez em homenagem à sua mãe. Nada Será como Antes, dele e do Ronaldo, foi outro hit cantado pelo público a plenos pulmões. Não dá para esquecer que essa música foi lançada há exatos 50 anos, no período mais duro da Ditadura Militar e hoje ela ganhou um novo sentido. Mais um respiro com a instrumental A Última Sessão de Música, que dá nome ao show. Depois veio Fé Cega, Faca Amolada, incendiando novamente a plateia, outra parceria de Bituca com Ronaldo. Me lembrei mais uma vez de Gal cantando ela num lindo improviso vocal com os Doces Bárbaros. Foi emendada com Paula e Bebeto, parceria com o doce bárbaro filho de Dona Canô [Caetano Veloso].

Bituca despediu-se dos palcos trajado com um manto criado pelo estilista Ronaldo Fraga inspirado em Arthur Bispo do Rosário (Foto: @agencia_i7)
No carro a caminho do show eu havia pedido ao Moreno para procurar o vídeo de Mercedes Sosa cantando Volver a los 17 com Gal, Milton, Chico e Caetano no famoso programa Chico & Caetano, exibido pela TV Globo nos anos [19]80. Quando Milton anunciou que a próxima música seria uma homenagem a La Negra [apelido dado a Mercedes Sosa], eu deduzi que seria essa música. Dito e feito. Foi toda cantada por Zé Ibarra com Milton e o público cantando o refrão: “se va enredando, enredando/como en el muro la hiedra/y va brotando, brotando/como el musguito en la piedra/como el musguito en la piedra, ay sí-sí-sí“. Nessa hora minha voz voltou, porque espanhol é outra língua, portanto outra voz. Enquanto o estádio inteiro cantava a música de Violeta Parra eu gritava “Viva Chile!” Fiquei com a impressão que as pessoas ao meu lado não compreenderam minha homenagem à irmã de Nicanor. Nesse momento entrou Samuel Rosa com todo seu carisma para cantar Trem Azul, parceria de Lô com Ronaldo. Essa música transformou o filho de Dona Maricota em parceiro de Tom Jobim, que verteu a letra para o inglês e a gravou em seu último álbum, Antônio Brasileiro, lançado três dias após a sua morte.
Em seguida começou um bloco de canções com coloração regional, com Cálix Bento, cantada nas Folias de Reis de todo o país, e Peixinhos do Mar, cantada nas Marujadas, ambas adaptadas pelo grande Tavinho Moura. Depois veio Cuitelinho, canção tradicional recolhida por Antônio Carlos Xandó e adaptada por Paulo Vanzolini, gravada inicialmente por Nara Leão e, depois, imortalizada pela dupla Pena Branca e Xavantinho. Pra fechar esse bloco, Milton cantou Cio da Terra, parceria sua com Chico Buarque que se tornou um hino de resistência e luta pela terra. Nesse momento mais uma vez eu me dei conta que Milton atravessa a polarização de uma forma surpreendente. A música dele tem essa energia telúrica, essa força da natureza que unifica o país a partir de suas referências mais profundas, a ligação dele com a terra, com os indígenas, evoca essa natureza anterior às ideologias.
Canção da América foi outro hino cantado pelo público em estado de êxtase. Em seguida foi a vez de Caçador de Mim, de Luiz Carlos Sá e Sérgio Magrão, com versos que soam tão atuais: nada a temer senão o correr da luta/nada a fazer senão esquecer o medo.
A imprescindível Nos Bailes da Vida, de Milton e Fernando, foi seguida por um tema instrumental que não identifiquei (Talvez eu tenha esquecido outras, me corrijam). Então entrou discretamente no palco ninguém menos do que Nelson Ângelo para cantar os versos inspirados de sua Fazenda: “Água de beber bica no quintal…”. Conheci essa música antes da versão original com o Boca Livre e foi uma alegria encontrar o Zé Renato [ex-integrante do Boca livre] após o show. Bola de Meia, Bola de Gude, também com Fernando [Brant], veio na sequência.
Antes de começar Maria, Maria houve uma cena que vem se tornando comum nos grandes shows: o marketing com cartazes que traziam a logo do patrocinador. Acho lamentáveis esses flash mobs. A música é uma celebração por si só, as pessoas se manifestam espontaneamente, não é preciso organizar ações coletivas para o público se expressar.
Depois dos fogos fecharam o pano preto, mas o público continuou gritando “Bituca”, como fez durante todo o show. No bis ele voltou e tocou Coração de Estudante com Wagner Tiso ao piano, seu parceiro nessa música icônica. Essa música, como todos sabem, foi uma encomenda feita ao Wagner pelo cineasta Sílvio Tender para o filme Jango, de 1984. A letra veio depois, inspirada no estudante Edson Luís, morto aos 17 anos pela polícia militar no Rio de Janeiro, em 1968, ano de instalação do AI-55. Não por acaso, ao final Milton saudou o público com um “Viva a Democracia!” e a maioria foi ao delírio. Começou o coro de “olê, olê, olá, Lula, Lula” com uma multidão fazendo o L. Os bolsonaristas que porventura estavam lá, ficaram quietos.
Toninho Horta voltou ao palco e fez uma longa introdução de guitarra para Travessia num dueto com Wilson Lopes até que Zé Ibarra começou a cantar os versos icônicos “quando você foi embora/fez-se noite em meu viver/forte eu sou, mas não tem jeito/hoje eu tenho que chorar”. Quando Milton soltou a voz nas arquibancadas o Mineirão começou a balançar. Acho interessante que essa música atravessou meio século, desde a primeira apresentação pública de Milton para o Brasil no Festival Internacional da Canção de 1967, transmitido pela [TV] Globo num Maracanãzinho lotado até esse derradeiro show num Mineirão lotado, em 2022, com transmissão simultânea pela Globoplay.
Toninho [Horta] permaneceu no palco e tocou junto com a banda Encontros e Despedidas. Essa foi a música que encerrou a última sessão do derradeiro show que findou a longa carreira do maior artista brasileiro vivo. Não há polêmica nessa afirmação, se você perguntar ao Chico, Caetano, Gil, à Bethânia, ao Paulinho, eles vão confirmar. A própria Gal confirmaria. No final ele chamou Augusto Nascimento, Márcio Borges e os integrantes da equipe técnica. Quando Milton foi levantado deu para perceber a fragilidade de sua condição. Ele cantou por mais de duas horas para mais de 60 mil pessoas, o que é admirável.
Mas, na verdade, eu acho que deveria ter cantado para muito mais gente. Imagine que 60 mil é a população de uma pequena cidade do interior de Minas. Eu penso que a despedida de Milton deveria ter sido em praça pública para meio milhão de pessoas. Milton representa para Minas o que são os trios no circuito Barra-Ondina no carnaval de Salvador [BA], o Círio de Nazaré em Belém [PA], o São João de Campina Grande [PB], o Galo da Madrugada em Recife [PE], o Bumba-meu-boi em São Luís [MA]; ele é o nosso maior evento musical, nossa maior manifestação cultural. Era preciso um show na Praça do Papa para o público da cidade. Não um evento fechado com ingressos a preço de meio salário mínimo. E ainda com patrocínio da Cemig, uma empresa estatal. Se é para fazer um show grande que seja enorme, do tamanho que o artista é, para todo mundo que quiser poder assistir.
A propósito, além de Wilson Lopes e Zé Ibarra, a incrível banda contou com Lincoln Cheib na bateria, Ademir Fox no piano, Widor Santiago nos metais, Ronaldo Silva na percussão, Alexandre Primo Ito no contrabaixo acústico com arco e nosso querido Frederico Heliodoro no contrabaixo elétrico e voz.
Estou aqui escrevendo esse texto e começa a amanhecer, ainda não consegui dormir. Aconteceu muita coisa nos últimos dias e parece que entre encontros e despedidas estamos retomando os rumos do país, mais tristes, mais cansados, mas com um otimismo renovado. Esse show de alguma forma ajuda a olhar para o melhor do que construímos até aqui como povo, apesar de tudo, e seguir adiante.
#Pós-escrito: faltaram algumas músicas na minha lista e alguns amigos me alertaram. Catavento foi tocada no início do show. Antes de Para Lennon e McCartney fizeram uma citação de Que bom, amigo. No fim do show, a música instrumental que eu não identifiquei era Tema de Tostão. Mais duas curiosidades. O amigo e grande músico Arthur de Faria lembrou que Milton tocou na sanfoninha um tema de Manoel De Falla, a Canção do Fogo Fátuo. E Diego Michel chamou atenção para a música que tocou nas caixas no final, Canción por la Unidad de Latino America, de Pablo Milanés² na versão adaptada de Chico Buarque, cantada por ele e por Bituca no segundo álbum do Clube [da Esquina].
Outro detalhe é que eu disse que Milton entrou vestindo uma espécie de túnica que eu chamei de parangolé, a vestimenta performática idealizada por Hélio Oiticica³. Na verdade trata-se de um manto criado pelo estilista Ronaldo Fraga inspirado em Arthur Bispo do Rosário4, como bem lembrou a Débora Hoth. Por fim, a cenografia do show é assinada pela dupla Os Gêmeos, mas eu vi muito pouco de onde estava.
SOBRE MAKELY KA
Natural de Valença do Piauí, município que fica a 216 quilômetros de Teresina, a capital do Piauí, Makely Ka é hoje um dos mais requisitados compositores de sua geração e pode ser ouvido na voz de Lô Borges, Samuel Rosa, Titane, Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik. entre dezenas de outros intérpretes. Lançou o disco coletivo A Outra Cidade, em 2003, e Danaide, em 2006 com a cantora Maísa Moura. O primeiro trabalho solo veio em 2008 com Autófago, considerado pela crítica um dos melhores discos de “roque brasileiro”. Em 2014 compôs, ao lado de Rafael Martini, a peça sinfônica em cinco movimentos Suíte Onírica, gravada com a Orquestra Sinfônica da Venezuela, o Coral do Teatro Teresa Carreño e sexteto sob regência do maestro português Osvaldo Ferreira.
O mais recente novo trabalho de Makely Ka, o disco instrumental Rio Aberto, foi lançado no final do ano passado pela Produtora e Gravadora Kuarup. O disco surgiu da curiosidade e do interesse do músico piauiense pela sonoridade e pelas possibilidades da viola de 10 cordas a partir de uma viagem que ele fez pelo Vale do Urucuia, região do Noroeste do estado de Minas Gerais, onde aprendeu afinações alternativas como a que chamam “rio abaixo”, utilizada pelos violeiros locais. Essa afinação, também chamada de “sol aberto”, deu origem ao nome do disco de doze faixas autorais de um total de treze que formam o repertório e levam nomes de rios, cursos d’água que costuram elementos da geografia, da história e da literatura brasileira.
As trilhas ainda ligam o sertão de Guimarães Rosa aos sertões de Euclides da Cunha, passam pelo universo mítico do cantor Elomar Figueira de Melo e relembram profundas feridas que não se fecham, abertas pelas tragédias dos rompimentos de barragens que atingiram milhares de vidas, causaram centenas de mortes e devastaram o meio ambiente e rios, provocados por atividades de mineração, sob responsabilidade da Vale do Rio Doce, a partir de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), em 2015 e em 2018, mas que se estendeu até o Espírito Santo, além de comprometer mares e praias. As músicas são experimentais, dialogam com a tradição popular, mas incorporam referências contemporâneas como a microtonalidade, a polirritmia e a pesquisa de timbres.
Em 2015, lançou o álbum Cavalo Motor, resultado de uma longa viagem realizada pela região Noroeste de Minas Gerais, na divisa entre Bahia e Goiás, o primeiro da trilogia que prossegue com este Rio Aberto e terá ainda Triste Entrópico; Cavalo Motor tem participação de Arto Lindsay, Susana Salles, Décio Ramos (grupo Uakti) e O Grivo, entre outros, e foi transformado também em DVD. O trabalho foi considerado um dos melhores lançamentos do ano e recebeu vários prêmios, entre eles o Grão da Música de melhor álbum de Música Brasileira. Em 2018, emplacou o prêmio Simparc de Artes Cênicas de melhor trilha sonora original para o espetáculo de dança Espelho da Lua, da Companha Mário Nascimento.
Letrista inspirado e versátil, Makely acumula parcerias com diversos compositores em todo o país, com destaque para o álbum Dínamo, inteiramente composto com Lô Borges e lançado em 2020. Como intérprete de suas próprias canções destaca-se pela sua voz grave e rascante e pelo violão vigoroso tocado de forma muito peculiar. O humor, a ironia e o sarcasmo estão sempre presentes nas apresentações ao vivo, que podem ser em formato solo ou com banda. Já tocou em alguns dos principais palcos do Brasil e excursionou por Portugal, Espanha, Dinamarca, Lituânia, Turquia, Grécia e México.
Grande interlocutor da cena musical em Minas Gerais, Makely organizou mostras e festivais, participou de curadorias, produziu discos de outros artistas, fez direção artística de shows, criou trilhas para cinema, dança e teatro, realizou documentários, compôs textos para peças sinfônicas e camerísticas, participou de conselhos estaduais e federais de cultura, fundou cooperativas e fóruns de música e escreveu diversos textos sobre política cultural, música, literatura e cinema que foram publicados em jornais, revistas e sites. Também publicou três livros de poemas e atuou como editor de revistas de poesia. No momento, prepara o lançamento do livro Música Orgânica e está compondo a trilha sonora do balé Rios Voadores, da coreógrafa Rosa Antuña.
¹ Santa Tereza é o nome do bairro de Belo Horizonte no qual está a confluência entre as ruas Paraisópolis e Divinópolis, onde surgiu o Clube da Esquina. https://novabrasilfm.com.br/notas-musicais/curiosidades/clube-da-esquina-conheca-a-trajetoria-do-grupo-mineiro/
² O carioca Hélio Oiticica foi pintor, escultor, artista plástico e performático de aspirações anarquistas. É considerado um dos maiores artistas da história da arte brasileira. https://www.ebiografia.com/helio_oiticica/
³ Arthur Bispo do Rosário Paes foi um artista plástico sergipano da cidade de Japaratuba. Considerado gênio por alguns e louco por outros, suas criações inserem-se no debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte no Brasil https://fcs.mg.gov.br/a-arthur-bispo-do-rosario/
4 O cantor e compositor cubano Pablo Milanés [Arias] morreu na terça-feira, 22/11 , aos 79 anos, em um hospital de Madrid (Espanha) onde estava internado. Logo aos 6 anos de idade, Pablo Milanés ganhou um concurso de cantores numa rádio cubana. Estudou música em Havana e foi um dos fundadores do movimento conhecido como “Nova trova”, que surgiu depois da revolução cubana de 1959. https://memoriasdaditadura.org.br/artistas/pablo-milanes/
5Edson Luís de Lima Souto foi um estudante secundarista brasileiro assassinado por policiais militares, durante um confronto no restaurante Calabouço, centro do Rio de Janeiro https://ubes.org.br/2018/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-morte-de-edson-luis/
6 Os Gêmeos formam a dupla dos inseparáveis e geniais artistas paulistas de rua; dos irmãos idênticos, tanto na aparência quanto na criatividade. Sob esse nome e trabalhando sempre unidos, conquistaram o mundo do grafite e da arte, porque seu estilo distinto os tornava os grafiteiros mais importantes e influentes de sua geração. https://arteeartistas.com.br/os-gemeos-biografia-e-principais-obras/