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O cantor, compositor e multi-instrumentista disponibilizou para audição nas plataformas digitais o disco extendido (EP) Descendente, que traz quatro músicas do autor de São Roque, estância turística do Interior paulista a cerca de 60 quilômetros da Capital. Pezzotta propõe por meio do projeto um convite para os ouvintes reverenciarem a ancestralidade e a força das matrizes africanas presentes na cultura local. Em tom ritualístico, Descendente reverencia os antepassados de Pezzotta, personagens entrelaçados com a história e resistência e manifestações culturais das populações negras da região. O ponto de referência é o Quilombo do Carmo, comunidade tradicional de São Roque, instalada desde o início do século XVIII e ainda em luta pela titulação das terras e acesso as serviços públicos básicos.
O violão do autor conduz a narrativa e rege a escalada sonora em ciclos. Nesta toada, desperta tambores que rompem o tempo presente para pedir coro e, também, socorro. Pezzotta canta, evoca outras vozes e entoa letras marcadas por signos de luta, mas também de festa. A gravação contou com a participação do músico e pesquisador em Culturas Negras, Salloma Salomao. As cantoras Marina Rosa e Selma Fernands, junto aos vocais de Edson D’aisa (pai de Pezzotta) e João Bid, sustentam os coros. A percussão cabe a Manu Neto, Adriano Sambatti comanda o contrabaixo, enquanto Alaécio Martins executa sons no trombone e ao clarinete e sax-tenor atua Paulo Mantovani. Outro destaque é a participação especial do percussionista João Mário, que trouxe o bumbo tradicional Cangussú, da comunidade Cururuquara (bairro de Santana de Parnaíba, cidade histórica próxima a São Roque) em Terras Paulistas. O designer gráfico da capa é de autoria de Henrique Picolo. Descendente foi gravado e finalizado no Estúdio JCP, do produtor musical Júlio Paz, residente em Sorocaba.
“Fico muito feliz com a sonoridade deste trabalho, que resultou de um processo identitário que venho vivendo enquanto filho, músico e compositor”, disse Pezzotta ao comunicador social e gestor cultural Mário Sérgio Barroso, que assina texto a respeito do projeto em página d’O Democrata, centenário jornal de São Roque. “É a sonoridade de muita gente, gerada a partir de muitas vozes, muitas pessoas, um som em que me reconheço”, emendou. “É o som do chão do jardim da minha avó.” As músicas do álbum são entremeadas pelas manifestações culturais tradicionais presentes na região do Quilombo do Carmo há séculos, em relação direta com outras comunidades negras do estado de São Paulo. O samba de bumbo, o ijexá, o jongo, marcam o território percussivo de Descendente tal como marcaram as comunidades negras ao longo da história.
A primeira faixa, Seiva, é instrumental. Emerge da sutileza de uma nota, “em sua insistência de existir”, observou o autor. E, logo, vira ginga de preto velho no abre-alas de significados do trabalho. Terras Paulistas convida a sonoridade tropicalista para dialogar com a brasilidade ancestral, em rito coletivo de lamento e celebração. Tinha uma preta no meio do caminho, como canção de ninar, embala a história comum da mulher negra periférica, suas angústias, apagamentos, lutas, em uma espécie de quadrilha literária decolonial (forma de pensar que se desprende de uma lógica de um único mundo possível – que, em geral, obedece às lógicas capitalistas – e se abre para a pluralidade de vozes e de caminhos. Evoca a afirmação do direito à diferença e preconiza a abertura para o pensamento do outro).
A música José Cabinda finaliza o álbum com o canto de saudação para um dos principais líderes negros e espirituais da história do Interior paulista. O ngangá (expressão de raiz banta) Cabinda destacou-se como revolucionário do século XIX e organizou movimentos expressivos de libertação de negros escravizados em Sorocaba, Araçariguama, Araçoiaba da Serra, Ibiúna e Itu, além de São Roque, centro principal do levante que comandaria em 1854.
A Insurreição Negra estava marcada para ocorrer em 16 de agosto, feriado municipal, Dia do Padroeiro na cidade. O movimento de Cabinda contava com escravizados e libertos de toda a região e mantinha 300 espingardas escondidas estrategicamente no Morro do Saboó, conforme revelou o historiador Júlio Schneider. Mas, antes, Cabinda caiu capturado. Depois de interrogado, sofreu severa sessão de açoitamentos em praça pública, durante dias, apontou Schneider. Este vil tratamento dado ao Mestre negro o transformou em um dos sujeitos históricos mais importantes no combate à escravização no estado de São Paulo.
Descendente, assim, busca despertar a ancestralidade que habita em nós e celebra a potência de diferentes culturas e a resistência que edificaram as comunidades negras vizinhas ao Quilombo do Carmo e sustentam suas bases até os dias atuais. Traça um percurso narrativo construído por meio da íntima relação de Matheus Pezzotta com o território simbólico e físico do núcleo quilombola. As faixas do disco podem ser ouvidas na íntegra pelo QRCode disponível ao final desta atualização.
MOÇÃO DE CONGRATULAÇÕES – Matheus Pezzotta também é professor e pesquisador, egresso do Conservatório Musical de Tatuí (SP) e graduado em Música pela Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). O autor e o álbum extendido Descendente receberam na sessão da Câmara Municipal de São Roque promovida na terça-feira, 16 maio, a Moção de Congratulações 154/2023. O autor da homenagem foi o vereador Paulo Rogério Noggerini Júnior, o Paulinho da Juventude (Rede), que em sua justificativa ao plenário sublinhou as palavras de Pezzotta — para quem o álbum relata e registra a memória que há muito tempo vem recebendo a orientação de ser apagada.
“O álbum vem para acordar algumas sonoridades e ouvidos para essa história que, muitas vezes, é silenciada”, disse o músico. Sua pesquisa comprova a afirmação e o levou à descoberta de que sua tataravó, Izabel do Carmo, constava como a única mulher que recebeu posse de terras da Ordem Carmelita Fluminense. A filha de Izabel, Adelaide do Carmo, auxiliou na regularização. Apropriando-se de sua herança, mergulhando duplamente na história do país e em sua biografia pessoal, Pezzotta elaborou um projeto estético qualificado como uma iniciativa que “dispõe-se enquanto prática antirracista de combate aos discursos hegemônicos, disseminando contranarrativas de pessoas negras, vítimas de apagamentos e de silenciamentos históricos”.

Pezzotta e Paulinho Juventude exibem a Moção de Congratulações que o vereador propôs e a Câmara Municipal de São Roque aprovou, entregue em 16 de maio (Foto: Amanda Cólio)
Antes de ser registrado como disco, Descendente foi apresentado no ano passado como espetáculo cênico musical em turnê que passou pela Bahia e em 15 de maio de 2022 pelo Quilombo do Carmo, assim batizado em alusão à dona Izabel do Carmo, que teria nascido entre 1850 e 1860, de acordo com as pesquisas de Pezzotta e de cujo sobrenome deriva o nome do bairro são-roquense. Conforme o texto de divulgação à época, movido pela investigação sobre memórias e reminiscências musicais no Quilombo do Carmo, Pezzotta remontou e buscou reafirmar a presença negra e quilombola no Sudeste do Brasil, oferecendo ao público uma experiência artística atravessada por vozes negras; sonoridades afrodiaspóricas como Samba de Bumbo, Jongo, Congadas e Capoeira, além de remontar cenários históricos, geográficos e musicais que percorrem paralelos entre a descendência de Pezzotta, o Quilombo do Carmo e os episódios históricos silenciados como o levante liderado por Cabinda.
Leia mais sobre o Quilombo do Carmo em https://jornalistaslivres.org/resistencia-do-quilombo-do-carmo-em-sao-roque-por-direitos-e-justica/
Leia mais sobre Matheus Pezzotta, Edson D’aisa e outros artistas e movimentos culturais de São Roque aqui no Barulho d’água Música em:
https://barulhodeagua.com/tag/edson-disa/
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Abra o QR Code e ouça as quatro faixas de Descendente