“Aprender uma nota e através dela conhecer o mundo” é mais do que uma frase o passaporte de entrada para uma atividade que vem mudando há três décadas o dia a dia de centenas de jovens e dando orgulho aos moradores de uma pequena cidade do sertão nordestino,situada a 220 quilômetros de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. Lugar no qual se contam aproximadamente 8 mil pessoas, o município, Cruzeta, sedia uma Escola de Música criada em 1984 e que dois anos depois passou a abrigar a Orquestra Filarmônica 24 de Outubro, assim batizada em homenagem a data de fundação da localidade e que com apenas um ano de estrada já conquistava o II lugar no I Concurso de Bandas em Carnaúbas dos Dantas em um estado com forte tradição musical.
Além de mudar as perspectivas de futuro de seus atuais 60 integrantes, a Orquestra de Cruzeta também trouxe alegria e aproximou famílias que todos os dias, sempre por volta das 19 horas, seguem acompanhando os ensaios regidos pelo exigente, mas admirado por todos Humberto Carlos Dantas, o Bembem, músico autodidata que dirige o grupo desde 1988, quando tinha apenas 19 anos, de acordo com matéria assinada por Mariana Kaipper Ceratti.
A jornalista produziu matéria sobre a Orquestra de Cruzeta para a versão eletrônica do jornal El Pais e entre outras informações divulgou em 2014 que o repertório privilegia composições dançantes e abarca desde ritmos mais conhecidos da música brasileira como forrós de Luiz Gonzaga (PE) ao pop-rock. Bembem acompanha tudo com rigor em busca da técnica própria de uma orquestra, chega a reprender quem comete erros, mas se os corrige, também não dispensa elogios. O orientador sabe que tem diante de si a delicada tarefa de formar artistas, incluindo à época da reportagem um garoto de 7 anos que, como os demais colegas, são procedentes das zonas rurais da região que é uma das mais vulneráveis do Brasil, já assolada pelo crack e pela ocorrência de outras drogas que são ameaças à juventude.
“Quando eu era jovem, consideravam músico como alguém que vivia mal”, comentou o maestro. “As pessoas convidavam meus colegas para tocar em festas e achavam que eles fariam isso de graça, só pela cerveja”, emendou. “Nunca aceitem essa condição: sei que vocês vão ser profissionais de primeiro nível, na música ou em qualquer outra área.”
A receita e o carinho de Bembem têm dado tão certo que mais do que encaminhar os meninos para uma forma digna de viver, as atividades da Orquestra de Cruzeta revigoraram a economia local. A Mariana Ceratti ele revelou: “hoje em dia movimentamos R$ 2 milhões por ano entre cachês de apresentações e salários de nossos músicos, demonstrando assim que investir em música é gerar ingressos e desenvolvimento”. Ele contou, ainda, que o grupo foi um dos beneficiados por um projeto do Banco Mundial que apoiou orquestras filarmônicas em 43 cidades de todo o Estado, aporte que permitiu custear os instrumentos musicais e as lições aos participantes das aulas.
“As bandas trouxeram não só a possibilidade de geração de renda, mas também desenvolvimento educativo e cultural para os jovens”, recordou também Fátima Amazonas, diretora do projeto que já em sua terceira geração fez brotar mais de 50 artistas contratados mais tarde por bandas profissionais, muitos dos quais se tornaram professores de música em universidades públicas ou dirigentes de orquestras em outras cidades do Rio Grande do Norte, entre as quais a de São Tomé, cuja metade dos membros da filarmônica é mulher. Ex-pupilos de Bembem, portanto, assumiram o perfil de agentes multiplicadores, ao mesmo tempo que iam ganhando experiência e conhecimentos para entrar no mercado de trabalho com currículos enriquecidos por saberes acadêmicos.
O governo do Rio Grande do Norte e o Banco Mundial, conforme publicou o El Pais, perceberam que a iniciativa da Escola de Música é, portanto, tanto via de preservação de tradições como via de inclusão e firmaram parceria que abriu a possibilidade de que essa atividade musical própria de Cruzeta repercuta e viceje em mais lugares do Estado, considerando-se a indiscutível tônica de encorajamento daquela Escola nos aspectos educacionais, culturais e principalmente social, centrada em valores que consideram a música não só meio de desentraves e de alegria às pessoas, mas também como importante veículo de inclusão social e agente transformador.
“Antes de formar grandes músicos, pensamos em formar grandes cruzetenses, seridoenses, norteriograndense, nordestinos, brasileiros, cidadãos do mundo e de si mesmos”, declarou Bembem. O Rio Grande do Norte durante a colonização portuguesa formou inúmeras bandas para tocar em eventos religiosos e militares, mas este interesse passou a diminuir com o correr do tempo e hoje abriga poucas filarmônicas. Uma das explicações é a falta de partituras e de peças musicais escritas antigamente, pois quando um compositor morria, era comum os familiares queimarem o material dele que poderia servir de referência a novos músicos e incentivar estudos e projetos.
“As pessoas não davam valor às composições musicais”, aponta Bembem, em cuja árvore genealógica entre três compositores encontra-se Tonheca Dantas. As obras dele ficaram à salvo e mais bem conservadas porque Tonheca Dantas (1871-1940) pertencia à Polícia Militar, instituição que preserva melhor seus documentos.
As obras deste parente de Humberto Carlos Dantas e de muitos outros compositores locais pouco conhecidos pelo público em geral estão incluídas nos discos gravados pela Orquestra de Cruzeta. Descobrir e difundir esse repertório – valsas e ritmos brasileiros – alegra os jovens músicos toda vez que cai a noite no sertão e eles se reúnem para os ensaios. “As pessoas que não conhecem nossa cultura têm de entrar no mundo da música, pois vão descobrir ritmos de que nem imaginam que vão gostar”, disse o trompetista Edjarde Silva, de 16 anos. “É muito bom estar aqui aprendendo e em contato com a música brasileira.”
Hoje, além de cumprir este papel, a Filarmônica de Cruzeta já se afirmou como a melhor banda do Estado e de acordo com dados publicados no sítiio eletrônico da Orquestra ocupa um lugar entre as três melhores do Brasil, reconhecida por profissionais respeitados e conhecedores da realidade musical do país. As várias formações colecionam apresentações pelas cidades e por eventos culturais realizados em solo potiguar e em localidades do Nordeste. A lista aponta, por exemplo, São José do Seridó, Caicó, Jardim de Piranhas, Parelhas, Jardim do Seridó, Carnaúbas do Dantas, Currais Novos, Florânia, Assu, Angicos, Apodi, Acari, São Gonçalo do Amarante, Macaíba, Pedro Avelino, São Paulo do Potengi, São Tomé, Carnaubais, Caraúbas, Cerro Corá, Lagoa Nova, Macau, Mossoró, Martins, Umarizal, Viçosa, Porta Alegre; João Pessoa, Baieux e Santa Luzia (PB); Recife, Olinda, Nazaré da Mata (PE); Aracajú, Laranjeiras e Instância (SE); Fortaleza e Aquiráz (CE); Salvador e São Félix (BA); São João Del Rei, São Tiago, e Rezende Costa (MG). Em 2003 a Banda foi convidada para fazer a abertura do X Festival de Música de Recôncavo Baiano, em Salvador, um dos principais do país, e também já levou um concerto para ser apresentado no Teatro Alberto Maranhão, em Natal. Participou juntamente com a Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte do Projeto Música no Interior, tocando na porção Oeste do Estado em locais como Martins, Umarizal, Riacho da Cruz, Pau dos Ferros, Viçosa, Porta Alegre e Lucrécia.
Discografia
A Orquestra de Cruzeta lançou o primeiro álbum em 2002, em parceria com a Fundação Hélio Galvão e Projeto Nação Potiguar, só com músicas de compositores seridoenses. O segundo, ao vivo, gravou em sua sede própria, também em 2002, com músicas de vários autores brasileiros. O trabalho é “caseiro”, para ofertar aos amigos, e parte do plano de divulgação do trabalho. Em 2004, o grupo voltou ao estúdio e gravou um álbum didático para Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mais o disco Cruzeta Revela Márcio Dantas e Filarmônica de Cruzeta interpreta a obra de Normando Carneiro. Em 2006 saiu Banda de Cruzeta 20 Anos.
Para contato com a Orquestra Filarmônica de Cruzeta telefone teclando 0XX84-3473-2164.

-23.552186
-46.755108
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