1590 – Conheça o Manuí (SP), que há dez anos promove projetos multiculturais que costuram tradições afro-brasileiras, indígenas e caipiras

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Música, teatro, cinema, contação de histórias estão contemplados nas ações e apresentações do grupo que buscou o seu nome nas fontes guaranis e leva aos palcos (com a descontração  e a leveza de um beija-flor) a arte e magia de contar e cantar histórias, rezas e causos em trabalhos assinados por Toninho Carrasqueira e elogiados por Kaká Werá e  Ivan Vilela

O Barulho d’água Música acompanhou no SESC de Araraquara, no Interior do estado de São Paulo, a apresentação de Africanidade Caipira, com o grupo paulista Manuí, que neste ano completa uma década dedicada à produção de projetos nas áreas de música, teatro, cinema, festivais e narração de histórias. Na cidade conhecida por Morada do Sol, o Manuí esteve no palco com Tatiana Zalla (narração de histórias); Rosângela Macedo (voz); Melina Cabral (voz e percussão); Leandro Pfeifer (voz, cavaquinho, viola caipira e violão); Felipe Soares (acordeon) e Barba Marques (percussão) e fez o público presente dançar e cantar com músicas que comprovam a marcante influência Banto na formação cultural caipira. O repertório de variados estilos musicais (como os vissungos, canto de trabalho dos africanos escravizados, congadas, jongos e sambas paulistas) foi costurado para ajudar a revelar elementos da africanidade dessa região cultural do Brasil.

De inspiração indígena, em sua trajetória o Manuí busca levar magia e encantar quem ouve suas músicas e assiste às suas performances. O grupo se popularizou ao protagonizar diversos festivais culturais em São Paulo e escolheu como nome a palavra Mainui, uma adaptação em Guarani que significa beija-flor. Ave de beleza encantadora, o beija-flor em algumas tradições é considerado mágico, capaz de unir os mundos visível e invisível. Esse conceito, segundo o casal de Sorocaba (SP) Leandro Pfeifer e Tatiana Zalla demonstra-se apropriado para a arte de contar e cantar as histórias presentes (entre outros trabalhos disponíveis no portal manui.art.br) nos álbuns e projetos Nhemonguatá; Ecos da Paulistânia; e, ainda na área musical, Mãos que Segurei, do Grupo Encantoria. Para o teatro, com direção de Ricardo Camargo, o Manuí produziu, em 2021, Nhanderuvuçu, o menino trovão! No portal também é possível acessar seis narrações de histórias, fotos e vídeos, e os endereços e telefones para contratar o Manuí e saber mais sobre o grupo.

A partir do alto, o grupo Manuí apresentou Africanidade Caipira com Rosângela Macedo, Leandro Pfeifer. Tatiana Zalla, Melina Cabral, Barba Marques e Felipe Soares (Fotos: Marcelino Lima/Acervo Barulho d’água Musica 2022- SESC Araraquara)

O Manuí ainda oferece na internet aos seguidores e amigos um canal bem diversificado que pode ser visitado pelo link https://www.youtube.com/channel/UC8–K0d2ay-rD0j0UZi5LNg Neste ambiente há videoclipes, teasers, os álbuns Nhemonguatá e Ecos da Paulistânia (cuja edição física encontra-se esgotada) e aulas, por exemplo, o que demonstra a versatilidade do grupo e os múltiplos talentos dos seus integrantes.

O disco Nhemonguatá, por exemplo, tem 12 faixas e pode ser ouvido em plataformas digitais como https://soundcloud.com/grupomanui/sets/nhemonguata. Durante o processo de concepção desse álbum inúmeros parceiros foram convidados a contribuir para a realização do projeto, a direção musical coube ao flautista Toninho Carrasqueira e os arranjos a Edson Alves. Entre as participações especiais destacam-se o escritor Kaká Werá e Elaine Saron, coordenadora do Ponto de Cultura Arapoty Cultural; o violeiro e produtor cultural Domingos de Salvi (viola caipira); Thomas Rohrer (rabeca e violino); Gabriel Levy (acordeon); Ari Colares (percussão); Neymar Dias (contrabaixo); Julio Ortiz (violoncelo); Rosângela Macedo (vocais), mais um coral de crianças dirigido por e com e arranjos de Pedro Paulo Salles e regência de Daisy Fragoso. A concepção do encarte e do sítio eletrônico contou com desenhos de Sawara (filha de Werá) aliados à programação visual de Iago Sartini para atingirem o brilho almejado e estimular o imaginário sobre a imagem dessas histórias.

Já o Ecos da Paulistânia contempla a produção e o lançamento do álbum homônimo, além de apresentações e vivências em cinco cidades da Baixada Santista. Afora o trabalho autoral dos integrantes do grupo, reúne composições de Wagner Tiso e de Fernando Brant, de integrantes da aldeia Rio Silveira, Juraildes da Cruz, Companhia de Reis São Lucas, Trem das Gerais e Querubim, Braz da Viola, J. dos Santos e Lourival dos Santos, José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero e Geraldo Filme.  

A direção musical de Ecos da Paulistânia também e de Toninho Carrasqueira, com arranjos de Adail Fernandes, textos de Kaká Werá e as presenças especiais da Companhia de Reis de São Lucas, de Limeira (SP); do Coral da Aldeia Guarani Rio Silveira, de Boracéia (SP); de integrantes do grupo Sambaqui com seus jongos e moçambiques, mais o coral de crianças dirigido por Pedro Paulo Salles e regido por Daisy Fragoso. Entre os músicos convidados estão Thomas Rohrer (rabeca), Neymar Dias (contrabaixo), Julio Ortiz (violoncelo), Marquinho Mendonça (violão), Allan Abbadia (trombone), Ricardo Camargo (bombardino), Marco Stoppa (trompete), Marcelo Troni (tuba), Marcel Martins (cavaquinho), Samba Sam (percussão), Carlos Amaral (violão 7 cordas), Luiz Lobo Fonseca, César Vilão e Fernando Boi (tambores), Marina Costa (narração), Marcelo Pretto e Ana Maria Carvalho (vocais). O portal do projeto e o encarte do disco e as fotos couberam a André Dib e Milton Shirata, respectivamente, e o autor da programação visual é Iago Sartini, cujos traços revelam fragmentos visuais sobre nossa identidade, cultura e história. 

Ecos da Paulistânia tem patrocínio da Usiminas, por meio do Programa de Ação Cultural (ProAc) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e apoio das Secretarias de Cultura e Educação de Cubatão, Praia Grande, Guarujá, São Vicente e Santos, todas na Baixada Santista. Suas 27 faixas e contação de histórias são executadas e contadas por Pfeifer (voz, cavaquinho e violão); Tatiana Zalla (narração de histórias); Rosângela Macedo (voz); Melina Cabral (voz e percussão), Pedro Gava (viola caipira); Felipe Soares (acordeon).

Sobre este trabalho o compositor, violeiro, pesquisador e docente da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) Ivan Vilela escreveu que:

Traçar um panorama histórico-musical de uma determinada região do Brasil é um projeto ousado que exige, de seus executantes, muito estudo e pesquisa.

O trabalho foi concebido pelos jovens Leandro Pfeifer e Tatiana Zalla e tornado música pelos dois, mais Rosângela Macedo, Melina Cabral, Domingos de Salvi e Felipe Soares, sob a direção do grande mestre Toninho Carrasqueira. Com textos de Kaká Werá, Ecos da Paulistânia nos traz um rico relato de um Brasil interior, passado, mas presente que deixou em nós e em nossa cultura os seus traços.

À revelia das imposições culturais feitas, outrora pela elite e hoje pela mídia, o povo do Brasil, desde seu início, soube narrar sua história através do canto, do bater e do tocar seus instrumentos. E a música popular se fez cronista dos acontecimentos que não foram registrados por outras vias, ou por descuido ou mesmo porque a história que aprendemos é sempre a história dos que detinham o controle dos meios administrativos e de difusão de sua própria cultura.

Desde os primeiros mamelucos, ninados pelas canções de suas mães índias, uma música particular foi se criando neste país. Somada aos cantares portugueses e aos cânticos e tambores africanos, desenhamos uma música popular sem igual no mundo, tanto pela sua diversidade como pela sua qualidade.

Antonio Candido definiu como Paulistânia todo o eixo de expansão e difusão da cultura bandeirante. Região esta onde se fixou o que entendemos por cultura caipira. Os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, metade Norte do Paraná, parte de Tocantins, parte do Mato Grosso e regiões como Sul de Minas e Triângulo Mineiro, são os locais onde se ambientaram esses valores.

Para quem tiver este disco em mãos fica de presente este roteiro histórico-musical, Ecos da Paulistânia. Tal qual uma xácara [canção narrativa de versos sentimentais, no passado, popular na península Ibérica, e de origem árabe, como a Nau Catarineta], de forma lúdica, os textos e as músicas traçam um mapa histórico-cultural da nossa região que foi se desenhando com o tempo. Assim, se intercalam viola, violão, acordeão, tambores, flautas, vozes, instrumentos de banda de coreto, num correr criativo e musical por onde passam cururus, recortados, pagodes, jongos, congados, moçambiques, folias, guarânias, polcas. Um mapa sonoro do nosso Brasil.

Quem tiver a chance de ouvir Ecos da Paulistânia se deliciará com as belezas de nosso país, construída a partir de uma refinada pesquisa histórica e musical concebida e realizada por esses talentosos músicos.

Ecos da Paulistânia é também o tema da Tese de Mestrado defendida por Pfeifer e  conta, ainda, com um filme que poderá ser assistido pelo link https://www.youtube.com/watch?v=h3hxZyMiVHQ&feature=youtu.be

O projeto Encantoria celebra em 2022 quinze anos. Um recorte desta rica trajetória ganhou elogios no texto abaixo, de Kaká Werá, sobre o álbum Mãos que Segurei

ESSA COISA BOA DE OUVIR!

Pipoca quentinha com o cheiro de gengibre do quentão. Pássaros trovadores de violas enraizadas em brasis. Cores. Bandeiras. Estandartes. Não. Não é festa junina e nem folia de reis. Não é feriado santo. São os tons e melodias que saem das canções deste CD. Um Senhor Brasil musicalmente presente, atento, esperto, vivificando uma escuta além das modas e modinhas que existem por aí; fazendo o rosto abrir em riso e o corpo em dança. O som pipoca variando os tons de diversas influências e cadências; quentes, ardentes, melodiosas!

Essa coisa boa é pra João, pra José, pra Maria! Algumas letras quase são “causos”, outras quase “rezas”. Coisas dos Brasis que somos e que nossos avós foram construindo; algo assim, como diria um amigo: memórias sonoras.  “Cantação” de histórias com sofisticação de arranjos e ritmos que lembram aquelas auroras que os galos do interior anunciam.

Pense em uma paisagem sem tom pastel, bandeirolas de diversos matizes no céu, com resgate da reverência, coisas dos antigos, abaixando o chapéu, (quando havia chapéus nas cabeças) para as damas passarem.

É assim que ouvi estas canções: alegres damas passando…

Ouçam! Mas ponham as mãos nas abas dos chapéus, como nas festas de junho que esquentam as noites; e percebam as damas passando sonoramente pelos ouvidos.

Mãos que Segurei reforça o perfil artístico do Manuí, que mistura a beleza poética das cantorias com sotaques da viola caipira e a força dos arranjos de metais em busca de uma sonoridade rica, inusitada e sem perder a simplicidade e a sabedoria que permeiam culturas tradicionais do Brasil. Revela também nos arranjos a presença da percussão, violão, cavaco, flautas e naipe de cordas na faixa Sobre a Terra

Neste álbum o Encantoria reuniu o sanfoneiro e cantador Enock Virgulino; o cantador e compositor Tião Carvalho; o compositor e violonista Marquinho Mendonça; o acordeonista Gabriel Levy; Tatiana Zalla; as cantoras e compositoras Rosângela Macedo e Ana Maria Carvalho; e o quarteto de cordas dos xarás Fabio Engle e Fabio Chamma, Cristina Geraldini e Jonas Góes. Todas as canções foram compostas e arranjadas pelo Encantoria com participação do maestro Luciano Filho e do produtor musical Cleyver Rossi em alguns arranjos e na produção musical. Duas faixas são adaptação de poesias cedidas por Roseana Murray (Terremoto Furacão) e Kléber Albuquerque (Isopor). 

O projeto Mãos que Segurei é uma idealização de Pfeifer, aprovado no ProAC ICMS Música da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Recebeu patrocínio da Elektro e copatrocínio do Grupo São Martinho. As ações foram realizadas no segundo semestre de 2010 nas cidades paulistas de Rio Claro, Limeira, Iracemápolis, Ilha Bela e São Luís do Paraitinga unindo arranjos autorais e interpretações de cantigas da cultura popular, intervenções poéticas, cênicas e narrações de fragmentos de histórias para promove uma viagem pela trajetória do grupo.

Integrantes do Encantoria, a partir da fileira em pé, da esquerda para a direita: João Vitor dos Santos (sax tenor); Flávio Vasconcelos (flauta transversal, violão e vocal); Gustavo Terra ( bateria, violão e vocais); Leandro Pfeifer (voz, cavaquinho e violão); Domingos de Salvi (viola caipira) e Rafael de Souza (trombone). Sentados, no mesmo sentido: Alexandre Martins (brincante); Melina Cabral (voz e percussão); Luca Barel (percussão); Gilson Caetano (trompete) e Max Vieira (baixo e intervenções poéticas)

Inspirado na beleza poética das cantorias e na força transcendente dos batuques, cordas e metais presentes em todos os cantos do Brasil, o Encantoria materializa seu som e sua luz revelando diversidade de ritmos e timbres. Os seus espetáculos e produções fonográficas e audiovisuais se apoiam na força transcendente dos batuques, cordas e metais presentes em todos os cantos do Brasil e permitem ao Encantoria materializar seu som e sua luz por meio de trabalhos autorais presentes nas gravações.

Além de dar título ao álbum, Mãos que Segurei ilustra o espírito do trabalho e nesse balaio que revela a identidade do Encantoria os rasqueados e ponteados da viola caipira se encontram com metais de quadrilhas, cirandas e batuques do maracatu, baião, coco de roda, sambas e outras modas.

Leia entrevista de Leandro Pfeifer e de Tatiana Zalla em https://editoranewmusic.wordpress.com/2021/11/19/conheca-a-magia-que-se-esconde-por-tras-das-letras-do-grupo-manui%EF%BF%BC/

SOBRE O POVO BANTO

Os bantus ou bantos constituem um grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsaariana e que engloba cerca de 400 subgrupos étnicos diferentes. A unidade desse grupo, contudo, aparece de maneira mais clara no âmbito linguístico, uma vez que essas centenas de grupos e subgrupos têm, como língua materna, uma língua da família banta.

A palavra bantu é derivada de ba-ntu, formado por ba (prefixo nominal de classe 2) e nto, que significa pessoa ou humanos. Versões dessa palavra ocorrem em todas as línguas bantus, como, por exemplo, watu em suaíli; muntu em quicongo; batu em lingala; bato em duala; abanto em gusii; andũ em quicuio; abantu em zulu, quitara, e ganda; vanhu em xona; batho em sesoto; vandu em alguns dialetos luia; mbaityo em tive; e vhathu em venda.

Os bantus são povos provavelmente originários da República dos Camarões e do Sudeste da Nigéria. Por volta de 2.000 antes de Cristo (a.C.), eles teriam começaram a expandir seu território na floresta equatorial da África central. Mais tarde, por volta do ano 1000, ocorreu uma segunda e mais rápida fase da diáspora , para o Leste, e finalmente, uma terceira fase, em direção ao Sul do continente, quando os bantos se miscigenaram a grupos autóctones e constituíram novas sociedades.

Conheça mais sobre os bantos em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bantus

O Canto dos Escravos é dividido em 14 cantos ancestrais dos negros benguelas de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, povoados de Diamantina, município de Minas Gerais, e interpretados por três dos mais importantes defensores da preservação das tradições ancestrais afro-brasileiras na música nacional

PRECIOSIDADE FONOGRÁFICA

Cantos negros de trabalho denominados vissungos estão gravados em O Canto dos Escravos, disco lançado em 1982 dentro da série Memória Eldorado, da Gravadora Eldorado, que em 2022 completa 40 anos. Nabor Jr (fundador-diretor da revista eletrônica O Menelick 2° Ato, jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, além de fotógrafo, que atua com o pseudônimo MANDELACREW) classifica este magistral disco como “preciosidade da história fonográfica tupiniquim e um dos mais reveladores discos produzidos no Brasil no século 20”. Este elogio de Nabor data de 2012, quando ele escreveu um artigo a respeito na revista Menelick e O Canto dos Escravos  alcançava bodas de pérola (30 anos) “ainda ocupando o privilegiado posto de mais importante documentação sonora a cerca da cultura oral africana praticada pelos negros escravos em terras brasileiras.”

O autor do texto acredita ser impossível escutar O Canto dos Escravos e permanecer imune “à sua rica ancestralidade sonora e rítmica, bem como às inevitáveis lembranças do terrível período da escravidão”. Em outro trecho, observou que o registro documental da existência e resistência cultural da tradição bantófone no Brasil ao que o trabalho se propõe “por si só já seria suficiente para torná-lo singular (o álbum foi o primeiro registro sonoro da ‘música’ do tempo da escravidão no país)”. Contudo, sabedores do arqueológico material que tinham em mãos, o pernambucano Aluísio Falcão, coordenador artístico do projeto, e Marcus Vinícius de Andrade, produtor e diretor musical do disco, transformaram o que seria apenas mais uma documentação histórica em um dos mais belos trabalhos artísticos dedicados à preservação das tradições culturais do negro escravizado no Brasil.

Dividido em 14 cantos ancestrais dos negros benguelas de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, povoados de Diamantina, município de Minas Gerais, e interpretados por três dos mais importantes defensores da preservação das tradições ancestrais afro-brasileiras na música nacional que são Geraldo Filme (1928 1995), Clementina de Jesus (1901 1987) e Tia Doca da Portela (1932 2009), o projeto O Canto dos Escravos reúne as qualidades técnicas essenciais para um trabalho musical que se propõe a transpor com eficiência a barreira da superficialidade e do “mero” entretenimento: originalidade, sensibilidade, intensidade e, obviamente, boa música, bons músicos e simplicidade nos arranjos, sempre de acordo com o texto de Nabor Jr, que aponta: o primeiro diferencial do trabalho está no ineditismo das 14 faixas do repertório selecionadas entre 65 cantos colhidos pelo filólogo, professor e linguista mineiro Aires da Mata Machado Filho (1909 1985) que, entre o final dos anos 1920 e durante a década dos anos 1930 dedicou-se à pesquisa de “cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração” no interior de Minas Gerais, conforme o próprio escritor descreveu no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais (1943).

Clique no link abaixo e ouça, na íntegra, o disco O Canto dos Escravos

https://www.youtube.com/watch?v=gil3Mw32OnU

Leia o artigo de Nabor Jr na íntegra ao visitar http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/o-canto-dos-escravos

 

 

1532 – Samba de Bumbo, tradição nascida em Pirapora do Bom Jesus (SP), será destaque durante III Festival Cidade Musical

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Berço do Samba de Bumbo entre outras manifestações populares e da fé, a cidade de Pirapora do Bom Jesus, situada na Grande São Paulo a cerca de 60 quilômetros da Capital paulista, está gradativamente retomando suas atividades após o período mais crítico da pandemia de Covid-19. Fundada em 6 de agosto de 1725, hoje sob administração desde o começo do ano passado do prefeito Dany Floresti (PSD), Pirapora do Bom Jesus é conhecida, ainda, por atrativos naturais, o que leva ao município não apenas romeiros de várias partes do país que lá pagam promessas e renovam suas crenças em um ambiente de elevada espiritualidade, mas turistas e amantes de esportes de aventura ou radicais, de um modo geral. Floresti tem divulgado que em seu mandato desenvolverá uma gestão que não apenas possibilite atender às reais necessidades dos moradores, mas, para além desta meta, resgatar e potencializar eventos que tanto atendam aos costumes e às demandas locais, quanto integrem e encantem o visitante, oferecendo-lhes eventos e festejos dentro ou fora do calendário oficial municipal que revelem os potenciais que a cidade guarda – estratégia que deverá possibilitar, por exemplo, ao romeiro e aos seus acompanhantes ou mesmo àqueles só de passagem para uma saudável pedalada, desfrutarem por mais tempo (além do compromisso religioso ou de um rápido passeio) da hospitalidade com ares de Interior e das diversas tradições piraporanos nos mais diversos setores, do religioso ao gastronômico e aos esportivos e/ou culturais.

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1522 – Atribuição de sucessos de Ruy Maurity aos seus intérpretes contribui para por no esquecimento obra das mais genuinamente brasileiras

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É costume recorrente entre alguns apresentadores de programas musicais populares de rádio e também de provedores de conteúdos na internet atribuir a autoria de composições que estão sendo tocadas ou divulgadas, em determinados momentos, a quem as interpreta, quando não deixam de mencionar o compositor. Estes erros podem ser apenas pura e simples ignorância ou desatenção, mas são equívocos que podem contribuir de maneira impactante na desvalorização da carreira dos criadores, dos mais tarimbados aos menos criativos, ajudando, inclusive, a mantê-los no ostracismo ou longe da fama que mereceriam, permitindo a outros fazerem fortuna com o chapéu alheio. Sem contar que podem ser entendidos como violação, ainda que involuntária, da propriedade intelectual e imaterial de um trabalho artístico que levou tempo e exigiu algum grau de elaboração para tirar o branco do papel.

Quem viveu a adolescência e a juventude na virada dos anos 1970 para os 1980, como eu, ouviu bastante e cantou em rodinhas, animadas por um violão, Serafim e Seus Filhos e Marcas do Que se Foi, por exemplo. A primeira varou o tempo e chegou bastante conhecida ainda nos dias atuais; a segunda, mais propriamente um jingle, embalou as chamadas de final de ano da Rede Globo, em 1976: em uma de suas versões, levava o telespectador a passear por bucólicas paisagens rurais; eu, com 12 para 13, “viajava” nas imagens que me colocavam a bordo da velha “jaú”¹ azul marinho do motorista Zé Portes subindo e descendo a empoeirada estrada de ligação entre Juiz de Fora e Chácara, cidades da Zona das Mata mineira, onde mor(ava)m tios e avôs paternos. Serafim e Seus Filhos, arrisco defender, tem uma das letras mais interessantes e poéticas de nosso cancioneiro (leia matéria a respeito, de José Mário Espínola, médico e escritor, clicando aqui), foi bastante difundida quando “estourou” e, justamente por virar um sucesso atemporal, muita gente gosta de regravá-la – na maioria das versões que conheço, felizmente e ao menos, preservando o seu arranjo original, com poucas alterações.

Marcas do Que Se Foi chegou a ser sulcada em um bolachão (Estrelas, de 1977), com sua autoria atribuída aos The Fevers, enquanto a mística Serafim e Seus Filhos aparece citada por ai ora como composição de Zezé Di Camargo & Luciano, ora, ainda, de Sergio Reis, por exemplo. Consuma-se, assim, um dos erros citados acima, posto que entre os autores de ambas um deles é Ruy Maurity, fluminense que partiu para o Plano Maior há alguns dias – embora, justiça seja feita: há pouco tempo envolvido no centro de uma infeliz polêmica política, o cantor sertanejo/caipira, em um dos shows do seu projeto Sergio Reis e Filhos que promoveu há anos, disse em bom e alto tom quando começava a executá-la em um concerto da turnê que Maurity é o autor, em parceria como José Jorge, da épica saga que se passa em noite alta de lua mansa. A dupla Maurity/Jorge, arco e flecha na biografia de ambos, também é devidamente mencionada nos créditos do álbum que as apresentações ao vivo do projeto SR renderam – disco por sinal belíssimo, lançado pela Atração Fonográfica, em 2003 e daqueles que valem a pena ter e ouvir, sempre… mesmo se você tenha “cancelado” o Sergião no ano passado, talquêi?!. Marcas Do Que se Foi também é de Maurity e de Jorge, com Paulo Sérgio Valle, Tavito (1946 – 2019), Ribeiro e Márcio Moura, embora de autoria oficialmente creditada à produtora de jingles Zurana.

Antonio Adolfo (de óculos), abraçado por Ruy Maurity, escreveu: “Uma notícia muito triste: meu querido irmão e grande compositor, Ruy Maurity, foi embora para sempre essa noite. Ficará sua obra lindíssima e as lembranças da maravilhosa pessoa que sempre foi. Fique em Paz. Você sempre mereceu o nosso amor! Viva Ruy Maurity!” Já Carol Saboya comentou: “Nessa madrugada, meu tio Ruy Maurity nos deixou. Uma pessoa muito amorosa, um compositor incrível! Vai fazer muita falta!” (Foto: Acervo da família)

Ruy Maurity de Paula Afonso nasceu em Paraíba do Sul (RJ) e saiu de cena em 1º de abril, aos 72 anos, após dias em coma provocada por duas paradas cardíacas, decorrentes de um exame de endoscopia. Era filho da primeira violinista a integrar a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal da cidade do Rio de Janeiro, Iolanda. Seu irmão é o pianista e compositor Antonio Adolfo, pai da bela cantora Carol Saboya. Contudo, a obra de Maurity na cena musical nacional não alcança o mesmo reconhecimento da de Adolfo — que segue ativo, reside nos Estados Unidos da América e desenvolveu sólida carreira no Exterior gravando, por exemplo, ótimos tributos a Milton Nascimento e Tom Jobim, entre trabalhos autorais de fôlego. Esta obliteração do irmão pela mídia, somada aos equívocos das autorias creditadas a seus interpretes, configura outro pecadilho contra o legado de Maurity – algo muito semelhante ao que até hoje sofre Sidney Miller, embora a genialidade de ambos os deixe nos mesmos patamares, por exemplo, de Belchior e de Chico Buarque, embora estes tenham estilos mais bem definidos ou pouco menos ecléticos dentro do guarda-chuva da MPB.

Muito mais do que Serafim e Seus Filhos e Marcas Do Que Se Foi, Maurity emplacou várias de suas composições em novelas da Vênus Platinada como A Escalada, Fogo Sobre Terra e Dona Xepa (na trama de 1977, a original, da Globo³, é dele o tema de abertura), em época na qual a vendagem de discos de vinil com as respectivas trilhas dos folhetins globais era turbinadora das receitas e carro-chefe da gravadora Som Livre. A ele é dado o status de um dos percursores do Rock Rural – gênero pelo qual também transitou concomitantemente e talvez com maior identificação Sá, Zé Rodrix, Guarabyra, Tavito e, no qual, até hoje, Zé Geraldo põe bolas no ninho da coruja – e às do segmento contido na ampla etiqueta #MúsicaRegional. Maurity, contudo, talvez seja, mesmo, com maior e indiscutível mérito, um dos baluartes mais iluminados entre compositores e intérpretes (como Geraldo Filme, Luiz Américo, Clara Nunes, Clementina de Jesus e Martinho da Vila) de um terreno no qual hoje se destacam Mateus Aleluia, Mariene de Castro e o violeiro mineiro Paulo Mourão, só para começar a riscar a pemba: o do samba que dialoga com elementos da religiosidade de matriz africana, trajado quase que essencialmente de branco, com os dois pés bem fincadinhos nos sagrados terreiros da Umbanda e do Candomblé!

Religiões que têm milhares de adeptos espalhados pelo país, embora ainda sejam alvos de intolerância e preconceitos injustificáveis, a Umbanda e o Candomblé, referências claras aos seus rituais e costumes de ambas aparecem no repertório de Maurity, de forma bem demarcada como uma batida de atabaque em Barravento. Revelam-se em letras e arranjos apoiados em instrumentos típicos como a da clássica Nem Ouro Nem Prata, faixa-título do, talvez, melhor entre tantos ótimos álbuns de Ruy Maurity, este lançado em 1976, que sobrevive na memória popular embalada pelos versos de um ponto cantado largamente em giras Brasil adentro: Samborê, pemba, é folha de jurema; Oxóssi reina de Norte a Sul… Esta veia também pulsa em Quizumba de Rei; e Xangô, o Vencedor (do mesmo álbum de 1976); aparecera antes em Cajeré (Safra/74, 1974); retornou em Festa Crioula, Sete Cavaleiros, Ganga Brasil e Pai João (Ganga Brasil, 1977) e repetiu-se, por exemplo, em Ponto Final (Bananeira Mangara, 1978) e Casamento de São Jorge e Réquiem De Uma Princesa Nagô (Natureza, 1980),

O talento de Ruy Maurity e sua ampla identificação com as tradições e costumes da brasilidade, portanto, constituem uma obra copiosa e entranhada na cultura popular. Mas, ainda assim (ou talvez por isso?) tão logo o moço recebeu de Oxóssi permissão para andar livremente pelas matas, para ver o mundo do alto das montanhas de Xangô ou fluir como espírito livre feito as águas abençoadas por Mãe Oxum, não mereceu nem na mídia especializada pouco mais do que notas curtas ou textos burocráticos em obituários. Mas como provavelmente ainda no ventre de Dona Iolanda o menino escutou a gargalhada do Tranca Ruas. ao abrir a porteira para vir ao mundo já baixou com moral junto a baianos, boiadeiros, marinheiros, pretos velhos e logo aprendeu a tocar violão, sozinho. Como muita gente boa, deu os primeiros passos na carreira em festivais a partir do efervescente 1968, ano de chumbo em que sua Arruaça (composta com José Jorge) foi defendida no I Festival Universitário de Música Brasileira pela cantora Sônia Lemos, conforme lembrou em seu blogue Pop & Arte o jornalista Mauro Ferreira, do portal G1. Maurity teve outras duas parcerias com José Jorge gravadas por Maysa, em 1969, Estranho Mundo Feliz e Quebranto, antes de faturar o III Festival Universitário de Música Brasileira, em 1970, com a música Dia cinco, mais uma das muitas parcerias com José Jorge, ainda conforme Ferreira.

Brasil ame-o ou deixe-o, tricampeão de futebol no México. Naquele mesmo ano saiu o primeiro elepê – Este é Rui Maurity, que faz uma alusão à Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, e ara o roçado para Serafim e Seus Filhos, apresentada, pela primeira vez, em 1971, entre as faixas de Em busca do ouro². Três anos depois, Ruy Maurity assinou Safra/74, que teve canções incluídas nas trilhas sonoras de Escalada e Fogo Sobre Terra. Em 1976 e 1977, brindou-nos com Nem Ouro Nem Prata e Ganga Brasil, que inclui a global Dona Xepa. Bananeira Mangará, no ano seguinte, renovou a discografia, mais uma vez com bônus de louvor dados pela crítica a começar pela música de abertura, Pelo Sinal; depois, na década dos anos 1980, voltou aos estúdios para gravar Natureza (da capa em que ele está pescando uma bota em um riacho) e A Viola no Peito. Em 1998, com arranjos de temática caipira, produziu De Coração, no qual reinterpretou, por exemplo, Serafim e Seus Filhos e Menina do Mato, reavivando diversas parcerias com José Jorge.

Nem Ouro Nem Prata foi regravada por Teresa Cristina, em 2007, quando a filha de Paulinho da Viola lançou o álbum Delicada. Dos sete álbuns do período durante o qual Maurity esteve em alta na década dos anos 1970, Este é Ruy Maurity é o único que não tem o selo da Som Livre, marca distintiva dos demais que são: Em busca do ouro (1972), Safra/74 (1974), Nem Ouro Nem Prata (1976), Ganga Brasil (1977), Bananeira Mangará (1978) e Natureza (1980); Safra/74 teve produção de Eustáquio Sena e arranjos de Antonio Adolfo, e dele Ferreira destacou “músicas inspiradas” como Parábola do Pássaro Perdido e Com Licença, Moço, ambas compostas por Maurity e José Jorge. De Bananeira Mangará Mauro Ferreira pinçou a parceria então inédita de Maria Bethânia com a violonista e compositora Rosinha de Valença em Cana caiana (1978), “música afinada com o Brasil rural cantado com inspiração por Ruy Maurity.”

Os discos, ainda observou o blogueiro do G1, apresentam títulos que já evocam a brasilidade entranhada na obra do artista. “Após esse período áureo, Maurity gravou poucos discos a partir dos anos 1980. Mas os álbuns que deixou ainda guardam pérolas que merecem ser pescadas no baú”, emendou Ferreira. Citando versos da canção atribuída ao The Fevers, Mauro Ferreira terminou sua matéria com a frase “os passos de Ruy Maurity pelo chão do Brasil vão ficar”. Laroyê!


¹ Jaú é como meu pai, Geraldo Caetano de Lima, chamava uma “jardineira”, antigo modelo de ônibus como era o de Zé Portes. O trajeto entre Juiz de Fora e Chácara é de 28 quilômetros, hoje, asfaltados.

² A música Serafim e Seus Filhos teve uma segunda versão, a continuidade da saga, gravada como As Artimanhas de Lourenço, Filho de Serafim, como faixa 11, em Natureza.

³ A novela Dona Xepa primeiro foi exibida pela TV Globo, entre 24 de maio a 24 de outubro de 1977, em 132 capítulos, no horário das 18 horas. Era baseada na peça teatral homônima, escrita em 1952, por Pedro Bloch, adaptada por Gilberto Braga, com direção de Herval Rossano. O elenco reuniu Yara Cortes, Reinaldo Gonzaga, Nívea Maria, Edwin Luisi, Rubens de Falco, Cláudio Cavalcanti e Ana Lúcia Torre nos papéis principais. Em 2013, a Record pôs uma segunda versão no ar, em 91 capítulos, sempre às 221h15 de 21 de maio e 24 de setembro de 2013.

4 A “paternidade” de Marcas do Que se Foi, na internet, também aparece para Zezé Di Camargo & Luciano, Roupa Nova e Padre Marcelo Rossi, entre outros equívocos. 

Marcelino Lima é jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1991, atuou como repórter, editor e revisor dos mais importantes jornais de Osasco e região,  em diversas coberturas da área esportiva, cultural, política e sindical, em assessoria de imprensa para várias entidades e prefeituras, além de campanhas eleitorais. Também é fotógrafo e há oito anos coordena as publicações do Barulho d’água Música. Para contribuir com o blogue, deposite qualquer quantia no PIX 04992937896 ou 992590769.



      

1355- Livro “Orixás no terreiro sagrado do samba” é ótima dica para amenizar quarentena sem folia

#Carnaval #Samba #FestasPopulares #CulturaPopular #Religião #Umbanda #Candomblé #África #Vai-Vai

Claudia Alexandre traz um “olhar desfragmentado” sobre a presença das tradições de matrizes africanas em expressões culturais que ajudam a construir o que chamamos de identidade nacional

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) está impedindo a realização de desfiles de escolas de samba e de blocos de ruas. Afora o comportamento irresponsável de poucos que ainda insistem em muvucar durante o período de folia — contrariando de forma preocupante as recomendações das autoridades sanitárias e projetando um crescimento do número de internações e óbitos provocados pela doença dentro de algumas semanas — mais a iniciativa da Vênus Platinada de reprisar desfiles antigos, quase não se sente o ambiente e o clima que contagiam Momo e seus seguidores neste período que deveria ser de congraçamento e festa populares. Ficar em casa segue sendo uma das medidas restritivas mais indicadas, logo, uma boa maneira de passar bem pela quarentena, para aqueles que a seguem, é ler. E uma boa sugestão que casa bem com o momento em que a fantasia, os confetes e a serpentina devem ficar guardados, é Orixás no terreiro sagrado do samba -Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai, que a Editora Griot lançou no ano passado, escrito por Claudia Alexandre.

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1163 – Samba paulistano deve a Geraldo Filme, o “Geraldão da Barra Funda”, o respeito e a força que sepultaram o estigma de “túmulo” do gênero

O carnaval, mais uma vez, trouxe alegria e foi festejado em várias cidades brasileiras, com destaque maior da mídia para os desfiles das escolas de samba das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, ainda consideradas, ambas, as mecas nacionais onde, por excelência, o gênero mais se afirmaria e seria popular, muito embora ocorra com igual força e movimente astronômicas cifras, também, em outros estados do país, entre os quais, sem sombra de dúvidas, Bahia e Pernambuco, onde Salvador e Recife, suas capitais, fervem nos dias de folia dedicados à festa de Momo.

São Paulo, entretanto, nem sempre foi reconhecida e considerada reduto desta manifestação que mescla elementos da cultura popular brasileira com valores de suas vigorosas raízes, a mãe África negra — haja vista que durante muito tempo ficou estigmatizada como suposto “túmulo do samba”, termo que se popularizou e pespegou após a  célebre frase do poeta e compositor Vinícius de Moraes. O devido reparo que corrige esta bobagem e erro histórico e os atiram à vala mais profunda da qual jamais deverá ressuscitar, revelando a grandeza e a riqueza do samba paulistano, ganham corpo com as obras de expoentes como Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Germano Mathias e Osvaldinho da Cuíca, mas além deles, enterrando a “atravessada” infeliz do Poetinha4um outro nome já se levantava como militante, cantor e compositor contra a propalada e suposta hegemonia carioca como única capaz de promover o ziriguidum e fazer reboar, sobretudo fora dos morros, os tamborins: Geraldo Filme.         

Nesta atualização que o Barulho d’água Música mais uma vez traz das páginas da Revista E do Sesc de São Paulo, reproduzindo, agora, matéria publicada em junho de 2015 em sua edição número 228, os amigos e seguidores poderão conhecer um pouco mais sobre Geraldo Filme, cuja biografia e feitos ainda hoje não recebem os devidos louros. Intitulada “Filme, prosa e samba”, a matéria da Revista E apresenta Filme como autêntico e incansável defensor “de uma matriz para o samba da pauliceia e estudioso da cultura negra”, que “fez de seu universo uma cartografia cultural da cidade”.

Linque para a matéria original da Revista E 228, de junho de 2015

Mano da Barra Funda

Geraldo Filme nasceu em 1927 e morreu em 5 de janeiro de 1995, na cidade de São Paulo, em decorrência de complicações de diabetes e pneumonia. Seu nome artístico é uma redução do completo, Geraldo Filme de Souza. Em seu registro de nascimento original, entretanto, consta que teria nascido em 1928, em São João da Boa Vista¹, no interior paulista, embora ele mesmo tenha declarado inúmeras vezes que a primeira data é a correta. Seja como for, cresceu no bairro paulistano da Barra Funda [onde também viveram Mário de Andrade e Inezita Barroso], o que lhe rendeu o apelido de “Geraldão da Barra Funda”. O menino entregava marmitas feitas pela mãe, Augusta, que era dona de pensão.

O pai, seu Sebastião, e a mãe eram filhos da última geração do sistema escravista e gostavam de música. O pai tocava violino e a mãe era uma das organizadoras da romaria nas festas do Bom Jesus de Pirapora [promovidas na cidade de Pirapora do Bom Jesus, na região Oeste da Grande São Paulo, a 54 quilômetros da Capital]. “Nesses eventos se praticavam diversos estilos de samba rural, samba de bumbo, samba de lenço, partido-alto, música caipira e jongo”, contou à Revista E a cantora, antropóloga e doutoranda em Música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Bruna Prado². “A formação musical do sambista se inicia ainda criança, ao frequentar as festas do Bom Jesus de Pirapora e as rodas de samba informais organizadas por trabalhadores braçais nas ruas do bairro da Barra Funda, onde ele entregava marmitas. Além disso, havia a influência do carnaval de rua, dos blocos carnavalescos e do samba veiculado pelas rádios”, relembrou Bruna.

Além do samba na memória de infância, outra relação a ser considerada é com a cultura caipira, apresentada ao menino pela avó, que o ensinava cantos negros de trabalho escravo. “Geraldo seria um defensor dessa matriz cultural para o samba rural paulista”, observou Bruna.

Dinâmica dos bairros

Junto à Barra Funda, outros bairros paulistanos formaram uma espécie de cartografia cultural necessária para mergulharmos no universo musical de Geraldo Filme – Campos Elíseos, Bixiga e Liberdade –, entre eles. Para o professor de História da África da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Amailton Magno Azevedo, estudioso da memória musical do sambista e sua relação com os grupos negros em São Paulo, a dinâmica dos bairros foi vital para essas agremiações.

“Neles percebi que havia uma rede e um circuito de informações, vivências, produção artística, religiosa e política na qual os negros demarcavam seus interesses e visões de mundo”, disse. “E Geraldo Filme percebeu isso ao se conectar numa rede negra. Essas experiências foram por mim chamadas de ‘microáfricas’, que foram sendo operadas de modo alheio aos projetos hegemônicos de cidade.Segundo Azevedo, as “microáfricas” são experiências de resistência cultural. “O samba, o carnaval e os costumes negros tiveram de produzir estratégias para persistir com seus valores e signos culturais”, reforçou.

Cordão carnavalesco em uma das ruas da Barra Funda, na década dos anos 1940, uma das influências da obra de Geraldo Filme (Crédito: Instituto Moreira Sales)

Universo particular

Gênio para uns, pioneiro para outros, Geraldo Filme constrói uma obra que se consolida com o passar dos anos. É difícil imaginar a configuração do samba paulistano sem suas ações, seu pensamento e valores, que revelam o artista atuante e consciente. Tanto que não é possível delimitar o alcance de suas composições. Era, de fato, uma cabeça pensante do samba na cidade. “Um sambista da melhor qualidade, que pensou a formação genética do samba, estabelecendo uma identidade cultural que ia além do gênero musical”, pontuou o compositor, produtor musical e fundador do Grêmio Recreativo de Resistência Cultural Kolombolo diá Piratininga, Ricardo Dias.

Geraldo Filme questionava um modelo predominante de samba, no caso, o carioca, entre os anos 1920 e 1940. “Por um tempo foi determinado o jeito carioca para o Brasil, como se o malandro do Rio de Janeiro fosse o ideal. Ele foi um cara diferenciado e lutava pela valorização do sambista. Por muito tempo as escolas de samba tiveram um crescimento midiático e o sambista ficava em segundo plano, e ele questionava esse cenário”, observou Dias.

A vontade de se destacar do sambista se mostrou cedo, aos 10 anos de idade, ao dar forma à primeira composição. Em 1937, o pai de Geraldo Filme voltava de uma viagem ao Rio de Janeiro exaltando as qualidades do samba carioca. O menino então, escreveu, inspirado pelo pai, Eu Vou Mostrar (Eu vou mostrar/Que o povo paulista também sabe sambar/Eu sou paulista, gosto de samba/Na Barra Funda, também tem gente bamba/ Somos paulistas e sambamos pra cachorro/Pra ser sambista não precisa ser do morro).

Já é possível notar a força do verbo que prevaleceu nas canções que despontariam durante sua vida. “As composições de Geraldo são carregadas de discurso social, étnico, cultural, político e sociológico”, qualifica-o o sambista, sociólogo e pesquisador do Instituto Cultural Samba Autêntico T. Kaçula. Para ele, o compositor conseguia dizer o que queria mesmo tendo a ditadura e a censura pela frente.

Com os bambas

O talento de Geraldo Filme não se limitava aos contornos do samba. Foi amigo do dramaturgo Plínio Marcos e teve um grande encontro com o poeta e folclorista Solano Trindade, que foi tema do samba-enredo vencedor do carnaval de 1976, pela escola Vai-Vai. Tendo Plínio Marcos como referência, Geraldo Filme conheceu atores, militantes de esquerda e intelectuais.

O escritor e dramaturgo Plínio Marcos foi um dos contemporâneos de Geraldo Filme

De acordo com Bruna Prado, esse movimento permitiu que ele adquirisse capital simbólico e pudesse atuar pela institucionalização das escolas de samba. “Além disso, promoveu a obra dos sambistas de São Paulo nacionalmente, fazendo com que saíssem de seus redutos e entrassem em contato com a televisão e a indústria fonográfica”

Ao promover o samba e discutir questões sociais – articulação complexa na época –, Geraldo Filme enfrentava a repressão. “As escolas de samba eram os quilombos urbanos”, comparou Dias. O sambista ajudou na organização dos cordões e blocos carnavalescos que se tornariam as escolas de samba; também foi presidente da União das Escolas de Samba de São Paulo. “A ligação dele com o Plínio Marcos não era à toa. Era momento de repressão e ele soube se posicionar com maestria. Deve ter sofrido muito, ainda hoje é difícil colocar em prática o seu pensamento”, comentou Dias.

Em trajetória consistente, atuou como compositor, diretor e conselheiro de escolas de samba. A empreitada tem resultado único. O disco que levava seu nome foi lançado nos anos 1980 pela gravadora Eldorado. Dois anos depois, gravou com Tia Doca da Portela e Clementina de Jesus um dos grandes álbuns da música popular, O Canto dos Escravos.

Mais do que sambista, Geraldo Filme é considerado um mediador, criando pontes, “uma comunicação entre os bairros paulistanos e entre São Paulo e o resto do Brasil”, opinou Bruna. Para ela, mesmo que outros sambistas, como Adoniran Barbosa, já tivessem atuado dessa maneira, a importância de Geraldo Filme também está no fato de ser negro e neto de escrava. “Portanto, era representante de um grupo étnico marginalizado que estava atuando politicamente e ganhando voz ao longo do século 20”, completou.

Dedo do gênio

Os pesquisadores Amailton Magno Azevedo, Bruna Prado e Ricardo Dias destacaram fatos e características que marcaram a vida de Geraldo Filme e ecoaram na história do samba:

Amizade com Plínio Marcos: O dramaturgo apresenta Geraldo como legítimo poeta do povo brasileiro no encarte de seu único disco solo, lançado em 1980. Antes, em 1974, Plínio Marcos deixou clara a sua admiração pelo sambista e pelo gênero, ao gravar Nas Quebradas do Mundaréu, reunindo Geraldo Filme, Toniquinho Batuqueiro e Zeca da Casa Verde, que tiveram as canções intermeadas pela voz do dramaturgo. O disco raro foi reeditado em CD pela gravadora Warner em 2012.

Sem essa de túmulo do samba: Geraldo Filme demoliu o clichê de ser São Paulo o túmulo do samba. Com ele, a cidade é libertada do silêncio inventado no túmulo. Instituiu um lugar ímpar para o samba, com memórias rurais e religiosas dos tambores de Pirapora do Bom Jesus. Driblou a narrativa que insiste em silenciar as memórias sonoras paulistas e valorizar apenas os ruídos de fábricas, automóveis e outros sons urbanos. Na memória dos sambistas, “Seu Geraldo”, ou “Geraldão da Barra Funda” [outros apelidos que teve são Tio Gê”, dado pelas crianças, “Corvão” e na infância de”Negrinho das Marmitas”] é sempre lembrado como o músico responsável pela instituição do samba paulistano.

Respeito é para quem tem: Última faixa de seu único disco solo, a canção Reencarnação fala da importância de o negro se assumir como indivíduo e como cultura, abordando os ancestrais, o sagrado e profano. Reencarnação está para o samba de São Paulo como Negro Drama, dos Racionais Mc’s, está para o rap e o hip-hop. O rap brasileiro deu sequência social e política iniciada pelo samba daquele período. O papel do grito do oprimido não é só música, mas cultura.

Foto gerada a partir de imagem captada por Rodrigo Gutiérrez em 2016 para o programa da Rede Globo Antena Paulista, que traz informações sobre o samba de bumbo, uma manifestação  típica de Pirapora do Bom Jesus, considerada o berço do samba paulista e lugar que ajudou a moldar tanto o talento, quanto a devoção de Geraldo Filme ao gênero mais popular do Brasil

Ainda na memória

O Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc da cidade de São Paulo reuniu músicos e pesquisadores em ciclo de palestras para analisar o legado de Geraldo Filme motivado pelos 20 anos de ausência do cantor e compositor, no mês de maio de 2015. Promoveram um ciclo em homenagem ao compositor paulistano – Sambista Imortal da Pauliceia: 20 anos sem Geraldo Filme. Durante as palestras, a importância do compositor foi debatida em três mesas compostas por sambistas e pesquisadores da área: Kelly Adriano Oliveira, Fernando Penteado, T. Kaçula, Simone Tobias, Bruna Prado, Renato Dias e Amailton Magno Azevedo.

“Na primeira mesa foi abordada a herança africana de Geraldo Filme, no segundo dia foram trazidos à tona os aspectos rurais que permeiam a obra do compositor de Batuque de Pirapora, e o ciclo terminou debatendo o seu legado para o samba urbano paulista”, explicou Flávia Prando, pesquisadora do CPF responsável pela programação do ciclo em homenagem ao sambista. “É uma obra que possui caráter de crônica cotidiana calcada na crítica social, que denuncia os males do progresso e as discriminações étnico-raciais vividas pelas classes sociais menos privilegiadas, mas que não abre mão, em momento algum, da profundidade estética.

Anjo discriminado 

Tanto na infância,  quanto na vida adulta, Geraldo Filme participou da festa de Bom Jesus de Pirapora onde havia grande participação da população negra. Discriminados, durante essa festa os negros ficavam alojados em barracões fora da área urbana. Ali, após a parte religiosa do evento, eles se divertiam com samba de bumbo e outras danças então comuns à população negra do Sudeste. Certa vez, quando Geraldo Filme era menino, sua mãe, pagando uma promessa, o vestiu de anjo. No entanto, o organizador da festa o proibiu de andar na procissão com outras crianças vestidas de anjo, por ser negro. Revoltada sua mãe jogou fora as asas e o levou ao barracão onde os negros faziam suas festas, onde não eram discriminados. Essa ocorrência o teria marcado ao ponto de, na vida adulta, inspirá-lo a compor o samba Batuque de Pirapora.

Geraldo Filme foi testemunha participante das antigas manifestações culturais populares de São Paulo, sobretudo das, então reprimidas manifestações culturais da população negra. Em uma edição do programa Ensaio, falando sobre sua juventude ele relatou as rodas de tiriricas, cujos instrumentos improvisados eram as palmas das mãos, as latas de lixos e as caixas de engraxar sapato. Ele relatou os bailes que os negros promoviam nos porões, para driblar as repressões policiais, as Festas de Bom Jesus de Pirapora, os tamborins artesanais (não havia em São Paulo nenhuma loja especializada nesse tipo de instrumento) em formato quadrado cuja armação era de madeira e o coro feito com pele de gato e que era esticado numa fogueira improvisada com papel de jornal. Relatou uma época em que o carnaval acontecia nas ruas sem intervenção do Estado [da Globo e das marcas de cerveja] e era sustentado pelo gosto da própria população que, informalmente, organizava-se. Nos bairros, por exemplo, enquanto os negros cuidavam da parte musical, italianos se encarregavam de preparar as comidas.

Geraldo Filme tem o nome ligado à história do carnaval paulista. Respeitado e querido por todas as escolas, marcou presença na Unidos do Peruche, para quem compôs sambas-enredo, mas é lembrado principalmente por sua ligação com a Vai-Vai. O samba Vai no Bexiga pra Ver tornou-se um hino da escola, e Silêncio no Bexiga homenageia um célebre diretor de bateria da Vai-Vai, exímio capoeirista das antigas rodas de tiririca e chefe de torcida organizada do Corinthians — Pato Nágua, assassinado na cidade paulista de Suzano, pelo Esquadrão da Morte. Com o samba-enredo Solano Trindade, Moleque de Recife levou a escola ao título de campeã, em 1976.

Um grande conhecedor da história de São Paulo, Geraldo Filme pesquisou e compôs o samba Tebas, que conta a história da origem desse termo que significava “o bom” ou “o melhor” e era muito usado pelos paulistanos no século passado. A origem desse termo é atribuída a um escravo que conseguiu sua carta de alforria por ser um grande conhecedor de alvenaria e hidráulica, sendo o responsável pela construção das torres da Catedral da Sé e da canalização dos esgotos da região central da cidade. Foi dele o primeiro casamento na Catedral após a construção das torres. Ele construiu também um chafariz no centro da cidade. Ambas autorias não são lembradas pelas autoridades.

Nos últimos anos de vida, Geraldo trabalhou na organização do carnaval na cidade de São Paulo, tornando-se uma referência da cultura negra paulistana. Um aspecto pouco estudado de sua obra é a releitura do samba rural paulista (Batuque de Pirapora, Tradições e Festas de Pirapora), que trazem elementos dos jongos, vissungos e batuques ensinados por sua avó. Deixou poucas gravações, e boa parte de sua obra continua desconhecida. O álbum em formato LP Geraldo Filme, gravado em 1980, demorou 23 anos para ser lançado em formato digital (Eldorado, 2003).

Uma importante gravação de cunho documental e histórico, O Canto dos Escravos, com Clementina de Jesus e Doca da Portela (Eldorado, 1982), também já pode ser encontrada em CD. A gravação do programa Ensaio, realizada em 1982, é outro documento valioso sobre Geraldo Filme (SESC/ TV Cultura).

Suas composições podem ser ouvidas em gravações de Beth Carvalho (Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo), Osvaldinho da Cuíca (História do Samba Paulista), grupo A Barca, entre outros. Existe em vídeo um documentário sobre sua obra, realizado por Carlos Cortez, uma coprodução da TV Cultura, CPC-Umes e Birô da Criação. Ouça também o álbum de Plínio Marcos – Nas quebradas do Mundaréu – que mistura a prosa, contada por Plínio Marcos, e o samba, cantado por Geraldo Filme. ³

Conteúdo de qualidade

O Barulho d’água Música recebeu autorização para reproduzir na íntegra   matérias de conteúdo relacionados à música publicadas pela Revista E, que circula em versões impressa e digital. A revista é mantida pelo Sesc da cidade de São Paulo para divulgação da agenda cultural e de eventos de recreação e de lazer programados a cada mês nas unidades que a entidade mantém tanto na Capital, quanto em diversos municípios do estado de São Paulo. As matérias das variadas sessões trazem pautas relativas a temas do universo das artes e de suas personagens, agentes e autores — do cinema ao grafite, da literatura ao teatro –,  uma sessão de poesias, crônicas e muito mais para uma agradável e enriquecedora leitura.  

Confira todas as edições mais recentes da Revista E e números anteriores  em sescsp.org.br/revistae

 


Silêncio no Bixiga

Dois resultados inéditos marcaram os desfiles do carnaval da cidade de São Paulo em 2019 e pode-se dizer que o mais inesperado vitimou a Vai-Vai, a recordista de títulos da folia paulistana.

Com 15 taças, a tradicional agremiação sediada no Bixiga,  preferida de Geraldo Filme e popularizada como “a escola do povo”, pela primeira vez em 89 anos caiu para p Grupo de Acesso — a segunda divisão do samba na Capital. A passagem pelo sambódromo do Anhembi apresentando o samba-enredo Vai-Vai: o quilombo do futuro, no qual abordou a luta dos movimentos e de negros na sociedade — e ainda homenageou a vereadora carioca Marielle Franco (Psol), assassinada há um ano na cidade do Rio de Janeiro – rendeu apenas 268,8 pontos na avaliação dos jurados. O resultado deixou a Vai-Vai em último lugar e a escola caiu ao lado da Acadêmicos do Tucuruvi, que faturou 269,2.

Desfile da Escola de Samba Mancha Verde, campeã do carnaval da cidade de São Paulo (Foto: Marcelo Messina)

A derrocada e tristeza da Vai-Vai contrastou com a alegria da Mancha Verde — escola associada à torcida uniformizada do clube de futebol do Palmeiras, que despontou na avenida em 2013, e tem sede na Barra Funda, ironicamente, berço do homenageado desta atualização. Com 270 pontos, a Mancha Verde conquistou o primeiro lugar, apenas um décimo à frente da vice-campeã. Dragões da Real, também representante de torcida organizada, mas do time de futebol do São Paulo. O tema da Mancha Verde foi Oxalá, Salve a Princesa! A Saga de uma Guerreira Negra

 


¹ São João da Boa Vista foi o local onde Geraldo Filme foi registrado e batizado, por ser a terra natal de seus pais e familiares de ambos os lados. Na época era bastante comum, pelo menos entre as famílias negras, batizar e registrar os filhos na terra de origem da família como se a criança também fosse nativa daquela terra. Segundo ele a festa de seu batizado durou mais de um dia. O pai tocava violino, mas foi com a avó que conheceu os cantos de escravos que influenciaram sua formação musical.

² A doutoranda em Música Bruna  Queiroz Prado é autora da tese de Doutorado “A passagem de Geraldo Filme pelo ‘samba paulista’: narrativas de palavras e músicas”, que pode ser acessada e lida pelo linque www.repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279809/…/Prado_BrunaQueiroz_M.pd

³ O jornalista Mauro Ferreira destaca em matéria no blogue Pop&Arte  que Geraldo Filme foi “artista de forte consciência social” e compositor que deixou a assinatura firme em sambas como A morte de Chico Preto (1975)Batuque de Pirapora(1989)Garoto de pobre (1980),São Paulo menino grande (1968),Silêncio no Bixiga (1972) e Vai cuidar de sua vida (1980), entre outros.

4 Em seu livro 101 Canções que Tocam o Brasil  (Estação Brasil), à página 81, o jornalista e compositor Nelson Motta relata:  “Ficou célebre o palpite infeliz de Vinicius de que ‘São Paulo é o túmulo do samba’. Mas depois se esclareceu que foi apenas um desabafo do poeta, irritado com um bando de bebuns barulhentos que não o deixavam ouvir o samba que Johnny Alf tocava numa boate paulistana. Johnny havia se mudado do Rio para São Paulo, e a frase foi dita por Vinicius para consolá-lo, provocando o bairrismo paulista.”

5   Dona Augusta Geralda tinha uma pensão nos Campos Elísios e ficou conhecida como “negra da pensão”. Ela fazia marmitas que o menino Geraldo entregava em toda a região, ficando conhecido como “Negrinho da Marmita”. Antes de ser dona de pensão, a mãe de Geraldo Filme foi empregada doméstica de uma abastada família paulistana. Nessa época ela teve a oportunidade acompanhar essa família em uma viagem a Londres. Depois de observar os movimentos sindicais em Londres ela teve a ideia de fundar o sindicato das empregadas domesticas, classe trabalhista que em São Paulo era formada praticamente apenas por mulheres negras. Esse sindicato foi o embrião do grêmio recreativo que deu origem ao cordão carnavalesco que futuramente iria se transformar na Escola de Samba Paulistano da Glória