1590 – Conheça o Manuí (SP), que há dez anos promove projetos multiculturais que costuram tradições afro-brasileiras, indígenas e caipiras

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Música, teatro, cinema, contação de histórias estão contemplados nas ações e apresentações do grupo que buscou o seu nome nas fontes guaranis e leva aos palcos (com a descontração  e a leveza de um beija-flor) a arte e magia de contar e cantar histórias, rezas e causos em trabalhos assinados por Toninho Carrasqueira e elogiados por Kaká Werá e  Ivan Vilela

O Barulho d’água Música acompanhou no SESC de Araraquara, no Interior do estado de São Paulo, a apresentação de Africanidade Caipira, com o grupo paulista Manuí, que neste ano completa uma década dedicada à produção de projetos nas áreas de música, teatro, cinema, festivais e narração de histórias. Na cidade conhecida por Morada do Sol, o Manuí esteve no palco com Tatiana Zalla (narração de histórias); Rosângela Macedo (voz); Melina Cabral (voz e percussão); Leandro Pfeifer (voz, cavaquinho, viola caipira e violão); Felipe Soares (acordeon) e Barba Marques (percussão) e fez o público presente dançar e cantar com músicas que comprovam a marcante influência Banto na formação cultural caipira. O repertório de variados estilos musicais (como os vissungos, canto de trabalho dos africanos escravizados, congadas, jongos e sambas paulistas) foi costurado para ajudar a revelar elementos da africanidade dessa região cultural do Brasil.

De inspiração indígena, em sua trajetória o Manuí busca levar magia e encantar quem ouve suas músicas e assiste às suas performances. O grupo se popularizou ao protagonizar diversos festivais culturais em São Paulo e escolheu como nome a palavra Mainui, uma adaptação em Guarani que significa beija-flor. Ave de beleza encantadora, o beija-flor em algumas tradições é considerado mágico, capaz de unir os mundos visível e invisível. Esse conceito, segundo o casal de Sorocaba (SP) Leandro Pfeifer e Tatiana Zalla demonstra-se apropriado para a arte de contar e cantar as histórias presentes (entre outros trabalhos disponíveis no portal manui.art.br) nos álbuns e projetos Nhemonguatá; Ecos da Paulistânia; e, ainda na área musical, Mãos que Segurei, do Grupo Encantoria. Para o teatro, com direção de Ricardo Camargo, o Manuí produziu, em 2021, Nhanderuvuçu, o menino trovão! No portal também é possível acessar seis narrações de histórias, fotos e vídeos, e os endereços e telefones para contratar o Manuí e saber mais sobre o grupo.

A partir do alto, o grupo Manuí apresentou Africanidade Caipira com Rosângela Macedo, Leandro Pfeifer. Tatiana Zalla, Melina Cabral, Barba Marques e Felipe Soares (Fotos: Marcelino Lima/Acervo Barulho d’água Musica 2022- SESC Araraquara)

O Manuí ainda oferece na internet aos seguidores e amigos um canal bem diversificado que pode ser visitado pelo link https://www.youtube.com/channel/UC8–K0d2ay-rD0j0UZi5LNg Neste ambiente há videoclipes, teasers, os álbuns Nhemonguatá e Ecos da Paulistânia (cuja edição física encontra-se esgotada) e aulas, por exemplo, o que demonstra a versatilidade do grupo e os múltiplos talentos dos seus integrantes.

O disco Nhemonguatá, por exemplo, tem 12 faixas e pode ser ouvido em plataformas digitais como https://soundcloud.com/grupomanui/sets/nhemonguata. Durante o processo de concepção desse álbum inúmeros parceiros foram convidados a contribuir para a realização do projeto, a direção musical coube ao flautista Toninho Carrasqueira e os arranjos a Edson Alves. Entre as participações especiais destacam-se o escritor Kaká Werá e Elaine Saron, coordenadora do Ponto de Cultura Arapoty Cultural; o violeiro e produtor cultural Domingos de Salvi (viola caipira); Thomas Rohrer (rabeca e violino); Gabriel Levy (acordeon); Ari Colares (percussão); Neymar Dias (contrabaixo); Julio Ortiz (violoncelo); Rosângela Macedo (vocais), mais um coral de crianças dirigido por e com e arranjos de Pedro Paulo Salles e regência de Daisy Fragoso. A concepção do encarte e do sítio eletrônico contou com desenhos de Sawara (filha de Werá) aliados à programação visual de Iago Sartini para atingirem o brilho almejado e estimular o imaginário sobre a imagem dessas histórias.

Já o Ecos da Paulistânia contempla a produção e o lançamento do álbum homônimo, além de apresentações e vivências em cinco cidades da Baixada Santista. Afora o trabalho autoral dos integrantes do grupo, reúne composições de Wagner Tiso e de Fernando Brant, de integrantes da aldeia Rio Silveira, Juraildes da Cruz, Companhia de Reis São Lucas, Trem das Gerais e Querubim, Braz da Viola, J. dos Santos e Lourival dos Santos, José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero e Geraldo Filme.  

A direção musical de Ecos da Paulistânia também e de Toninho Carrasqueira, com arranjos de Adail Fernandes, textos de Kaká Werá e as presenças especiais da Companhia de Reis de São Lucas, de Limeira (SP); do Coral da Aldeia Guarani Rio Silveira, de Boracéia (SP); de integrantes do grupo Sambaqui com seus jongos e moçambiques, mais o coral de crianças dirigido por Pedro Paulo Salles e regido por Daisy Fragoso. Entre os músicos convidados estão Thomas Rohrer (rabeca), Neymar Dias (contrabaixo), Julio Ortiz (violoncelo), Marquinho Mendonça (violão), Allan Abbadia (trombone), Ricardo Camargo (bombardino), Marco Stoppa (trompete), Marcelo Troni (tuba), Marcel Martins (cavaquinho), Samba Sam (percussão), Carlos Amaral (violão 7 cordas), Luiz Lobo Fonseca, César Vilão e Fernando Boi (tambores), Marina Costa (narração), Marcelo Pretto e Ana Maria Carvalho (vocais). O portal do projeto e o encarte do disco e as fotos couberam a André Dib e Milton Shirata, respectivamente, e o autor da programação visual é Iago Sartini, cujos traços revelam fragmentos visuais sobre nossa identidade, cultura e história. 

Ecos da Paulistânia tem patrocínio da Usiminas, por meio do Programa de Ação Cultural (ProAc) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e apoio das Secretarias de Cultura e Educação de Cubatão, Praia Grande, Guarujá, São Vicente e Santos, todas na Baixada Santista. Suas 27 faixas e contação de histórias são executadas e contadas por Pfeifer (voz, cavaquinho e violão); Tatiana Zalla (narração de histórias); Rosângela Macedo (voz); Melina Cabral (voz e percussão), Pedro Gava (viola caipira); Felipe Soares (acordeon).

Sobre este trabalho o compositor, violeiro, pesquisador e docente da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) Ivan Vilela escreveu que:

Traçar um panorama histórico-musical de uma determinada região do Brasil é um projeto ousado que exige, de seus executantes, muito estudo e pesquisa.

O trabalho foi concebido pelos jovens Leandro Pfeifer e Tatiana Zalla e tornado música pelos dois, mais Rosângela Macedo, Melina Cabral, Domingos de Salvi e Felipe Soares, sob a direção do grande mestre Toninho Carrasqueira. Com textos de Kaká Werá, Ecos da Paulistânia nos traz um rico relato de um Brasil interior, passado, mas presente que deixou em nós e em nossa cultura os seus traços.

À revelia das imposições culturais feitas, outrora pela elite e hoje pela mídia, o povo do Brasil, desde seu início, soube narrar sua história através do canto, do bater e do tocar seus instrumentos. E a música popular se fez cronista dos acontecimentos que não foram registrados por outras vias, ou por descuido ou mesmo porque a história que aprendemos é sempre a história dos que detinham o controle dos meios administrativos e de difusão de sua própria cultura.

Desde os primeiros mamelucos, ninados pelas canções de suas mães índias, uma música particular foi se criando neste país. Somada aos cantares portugueses e aos cânticos e tambores africanos, desenhamos uma música popular sem igual no mundo, tanto pela sua diversidade como pela sua qualidade.

Antonio Candido definiu como Paulistânia todo o eixo de expansão e difusão da cultura bandeirante. Região esta onde se fixou o que entendemos por cultura caipira. Os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, metade Norte do Paraná, parte de Tocantins, parte do Mato Grosso e regiões como Sul de Minas e Triângulo Mineiro, são os locais onde se ambientaram esses valores.

Para quem tiver este disco em mãos fica de presente este roteiro histórico-musical, Ecos da Paulistânia. Tal qual uma xácara [canção narrativa de versos sentimentais, no passado, popular na península Ibérica, e de origem árabe, como a Nau Catarineta], de forma lúdica, os textos e as músicas traçam um mapa histórico-cultural da nossa região que foi se desenhando com o tempo. Assim, se intercalam viola, violão, acordeão, tambores, flautas, vozes, instrumentos de banda de coreto, num correr criativo e musical por onde passam cururus, recortados, pagodes, jongos, congados, moçambiques, folias, guarânias, polcas. Um mapa sonoro do nosso Brasil.

Quem tiver a chance de ouvir Ecos da Paulistânia se deliciará com as belezas de nosso país, construída a partir de uma refinada pesquisa histórica e musical concebida e realizada por esses talentosos músicos.

Ecos da Paulistânia é também o tema da Tese de Mestrado defendida por Pfeifer e  conta, ainda, com um filme que poderá ser assistido pelo link https://www.youtube.com/watch?v=h3hxZyMiVHQ&feature=youtu.be

O projeto Encantoria celebra em 2022 quinze anos. Um recorte desta rica trajetória ganhou elogios no texto abaixo, de Kaká Werá, sobre o álbum Mãos que Segurei

ESSA COISA BOA DE OUVIR!

Pipoca quentinha com o cheiro de gengibre do quentão. Pássaros trovadores de violas enraizadas em brasis. Cores. Bandeiras. Estandartes. Não. Não é festa junina e nem folia de reis. Não é feriado santo. São os tons e melodias que saem das canções deste CD. Um Senhor Brasil musicalmente presente, atento, esperto, vivificando uma escuta além das modas e modinhas que existem por aí; fazendo o rosto abrir em riso e o corpo em dança. O som pipoca variando os tons de diversas influências e cadências; quentes, ardentes, melodiosas!

Essa coisa boa é pra João, pra José, pra Maria! Algumas letras quase são “causos”, outras quase “rezas”. Coisas dos Brasis que somos e que nossos avós foram construindo; algo assim, como diria um amigo: memórias sonoras.  “Cantação” de histórias com sofisticação de arranjos e ritmos que lembram aquelas auroras que os galos do interior anunciam.

Pense em uma paisagem sem tom pastel, bandeirolas de diversos matizes no céu, com resgate da reverência, coisas dos antigos, abaixando o chapéu, (quando havia chapéus nas cabeças) para as damas passarem.

É assim que ouvi estas canções: alegres damas passando…

Ouçam! Mas ponham as mãos nas abas dos chapéus, como nas festas de junho que esquentam as noites; e percebam as damas passando sonoramente pelos ouvidos.

Mãos que Segurei reforça o perfil artístico do Manuí, que mistura a beleza poética das cantorias com sotaques da viola caipira e a força dos arranjos de metais em busca de uma sonoridade rica, inusitada e sem perder a simplicidade e a sabedoria que permeiam culturas tradicionais do Brasil. Revela também nos arranjos a presença da percussão, violão, cavaco, flautas e naipe de cordas na faixa Sobre a Terra

Neste álbum o Encantoria reuniu o sanfoneiro e cantador Enock Virgulino; o cantador e compositor Tião Carvalho; o compositor e violonista Marquinho Mendonça; o acordeonista Gabriel Levy; Tatiana Zalla; as cantoras e compositoras Rosângela Macedo e Ana Maria Carvalho; e o quarteto de cordas dos xarás Fabio Engle e Fabio Chamma, Cristina Geraldini e Jonas Góes. Todas as canções foram compostas e arranjadas pelo Encantoria com participação do maestro Luciano Filho e do produtor musical Cleyver Rossi em alguns arranjos e na produção musical. Duas faixas são adaptação de poesias cedidas por Roseana Murray (Terremoto Furacão) e Kléber Albuquerque (Isopor). 

O projeto Mãos que Segurei é uma idealização de Pfeifer, aprovado no ProAC ICMS Música da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Recebeu patrocínio da Elektro e copatrocínio do Grupo São Martinho. As ações foram realizadas no segundo semestre de 2010 nas cidades paulistas de Rio Claro, Limeira, Iracemápolis, Ilha Bela e São Luís do Paraitinga unindo arranjos autorais e interpretações de cantigas da cultura popular, intervenções poéticas, cênicas e narrações de fragmentos de histórias para promove uma viagem pela trajetória do grupo.

Integrantes do Encantoria, a partir da fileira em pé, da esquerda para a direita: João Vitor dos Santos (sax tenor); Flávio Vasconcelos (flauta transversal, violão e vocal); Gustavo Terra ( bateria, violão e vocais); Leandro Pfeifer (voz, cavaquinho e violão); Domingos de Salvi (viola caipira) e Rafael de Souza (trombone). Sentados, no mesmo sentido: Alexandre Martins (brincante); Melina Cabral (voz e percussão); Luca Barel (percussão); Gilson Caetano (trompete) e Max Vieira (baixo e intervenções poéticas)

Inspirado na beleza poética das cantorias e na força transcendente dos batuques, cordas e metais presentes em todos os cantos do Brasil, o Encantoria materializa seu som e sua luz revelando diversidade de ritmos e timbres. Os seus espetáculos e produções fonográficas e audiovisuais se apoiam na força transcendente dos batuques, cordas e metais presentes em todos os cantos do Brasil e permitem ao Encantoria materializar seu som e sua luz por meio de trabalhos autorais presentes nas gravações.

Além de dar título ao álbum, Mãos que Segurei ilustra o espírito do trabalho e nesse balaio que revela a identidade do Encantoria os rasqueados e ponteados da viola caipira se encontram com metais de quadrilhas, cirandas e batuques do maracatu, baião, coco de roda, sambas e outras modas.

Leia entrevista de Leandro Pfeifer e de Tatiana Zalla em https://editoranewmusic.wordpress.com/2021/11/19/conheca-a-magia-que-se-esconde-por-tras-das-letras-do-grupo-manui%EF%BF%BC/

SOBRE O POVO BANTO

Os bantus ou bantos constituem um grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsaariana e que engloba cerca de 400 subgrupos étnicos diferentes. A unidade desse grupo, contudo, aparece de maneira mais clara no âmbito linguístico, uma vez que essas centenas de grupos e subgrupos têm, como língua materna, uma língua da família banta.

A palavra bantu é derivada de ba-ntu, formado por ba (prefixo nominal de classe 2) e nto, que significa pessoa ou humanos. Versões dessa palavra ocorrem em todas as línguas bantus, como, por exemplo, watu em suaíli; muntu em quicongo; batu em lingala; bato em duala; abanto em gusii; andũ em quicuio; abantu em zulu, quitara, e ganda; vanhu em xona; batho em sesoto; vandu em alguns dialetos luia; mbaityo em tive; e vhathu em venda.

Os bantus são povos provavelmente originários da República dos Camarões e do Sudeste da Nigéria. Por volta de 2.000 antes de Cristo (a.C.), eles teriam começaram a expandir seu território na floresta equatorial da África central. Mais tarde, por volta do ano 1000, ocorreu uma segunda e mais rápida fase da diáspora , para o Leste, e finalmente, uma terceira fase, em direção ao Sul do continente, quando os bantos se miscigenaram a grupos autóctones e constituíram novas sociedades.

Conheça mais sobre os bantos em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bantus

O Canto dos Escravos é dividido em 14 cantos ancestrais dos negros benguelas de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, povoados de Diamantina, município de Minas Gerais, e interpretados por três dos mais importantes defensores da preservação das tradições ancestrais afro-brasileiras na música nacional

PRECIOSIDADE FONOGRÁFICA

Cantos negros de trabalho denominados vissungos estão gravados em O Canto dos Escravos, disco lançado em 1982 dentro da série Memória Eldorado, da Gravadora Eldorado, que em 2022 completa 40 anos. Nabor Jr (fundador-diretor da revista eletrônica O Menelick 2° Ato, jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, além de fotógrafo, que atua com o pseudônimo MANDELACREW) classifica este magistral disco como “preciosidade da história fonográfica tupiniquim e um dos mais reveladores discos produzidos no Brasil no século 20”. Este elogio de Nabor data de 2012, quando ele escreveu um artigo a respeito na revista Menelick e O Canto dos Escravos  alcançava bodas de pérola (30 anos) “ainda ocupando o privilegiado posto de mais importante documentação sonora a cerca da cultura oral africana praticada pelos negros escravos em terras brasileiras.”

O autor do texto acredita ser impossível escutar O Canto dos Escravos e permanecer imune “à sua rica ancestralidade sonora e rítmica, bem como às inevitáveis lembranças do terrível período da escravidão”. Em outro trecho, observou que o registro documental da existência e resistência cultural da tradição bantófone no Brasil ao que o trabalho se propõe “por si só já seria suficiente para torná-lo singular (o álbum foi o primeiro registro sonoro da ‘música’ do tempo da escravidão no país)”. Contudo, sabedores do arqueológico material que tinham em mãos, o pernambucano Aluísio Falcão, coordenador artístico do projeto, e Marcus Vinícius de Andrade, produtor e diretor musical do disco, transformaram o que seria apenas mais uma documentação histórica em um dos mais belos trabalhos artísticos dedicados à preservação das tradições culturais do negro escravizado no Brasil.

Dividido em 14 cantos ancestrais dos negros benguelas de São João da Chapada e Quartel do Indaiá, povoados de Diamantina, município de Minas Gerais, e interpretados por três dos mais importantes defensores da preservação das tradições ancestrais afro-brasileiras na música nacional que são Geraldo Filme (1928 1995), Clementina de Jesus (1901 1987) e Tia Doca da Portela (1932 2009), o projeto O Canto dos Escravos reúne as qualidades técnicas essenciais para um trabalho musical que se propõe a transpor com eficiência a barreira da superficialidade e do “mero” entretenimento: originalidade, sensibilidade, intensidade e, obviamente, boa música, bons músicos e simplicidade nos arranjos, sempre de acordo com o texto de Nabor Jr, que aponta: o primeiro diferencial do trabalho está no ineditismo das 14 faixas do repertório selecionadas entre 65 cantos colhidos pelo filólogo, professor e linguista mineiro Aires da Mata Machado Filho (1909 1985) que, entre o final dos anos 1920 e durante a década dos anos 1930 dedicou-se à pesquisa de “cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração” no interior de Minas Gerais, conforme o próprio escritor descreveu no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais (1943).

Clique no link abaixo e ouça, na íntegra, o disco O Canto dos Escravos

https://www.youtube.com/watch?v=gil3Mw32OnU

Leia o artigo de Nabor Jr na íntegra ao visitar http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/o-canto-dos-escravos

 

 

1580 – João Ormond (MT/SP) grava novo projeto, em audiovisual e em álbum, contemplado pelo ProAc LAB

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Eu Nasci com Asas – Violas do Brasil – Sotaques e Sonoridades da Viola traz um pouco da trajetória do compositor e violeiro que partiu de Cuiabá para Jundiaí e hoje já tem 12 discos gravados

O compositor violeiro João Ormond (MT) lançou em 23 de setembro o audiovisual e álbum Eu Nasci com Asas – Violas do Brasil Sotaques e Sonoridades da Viola, resultado do Prêmio Musical ProAcLAB (Lei Aldir Blanc)/SP de 2021. Neste novo projeto, Ormond revela uma síntese da sua trajetória musical desde 1999, quando saiu de Cuiabá rumo a Jundiaí (SP), onde permanece e mora. A meta de pôr o pé na estrada era levar sua cantoria Brasil afora, assim como expressa a canção com um dos seus parceiros, Zé Geraldo: “…eu nasci com asas e precisava voar…Tô saindo de casa/porque quem tem asas/precisa voar”.

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1552 – Deo Lopes e Victor Mendes se unem e lançam pela Kuarup disco em parceria com canções inéditas

 Álbum Concerto Sentido  está disponível nas plataformas digitais e em cedê traz a obra do poeta do interior de São Paulo

Deo Lopes e Victor Mendes apresentam o disco Concerto Sentido, álbum que tem distribuição nas plataformas digitais e em formato físico pela produtora e gravadora Kuarup. Com composições inéditas de Deo Lopes, importante compositor do Vale do Paraíba, do Interior de São Paulo e uma das principais referências da MPB e da música regional do país, o disco é fruto do encontro entre duas gerações.

O trabalho nasceu após a participação de Deo na turnê de Nossa Ciranda, álbum solo de Victor Mendes, que saiu em 2017. Desde então os músicos se aproximaram e passaram a fazer releituras de músicas gravadas nos anos 1980 e 1990 em cinco elepês de Deo Lopes. Aos poucos, novas canções surgiram e tomando corpo com a convivência, os dois artistas deram origem ao projeto. Com a sutileza e a força da presença de Deo Lopes, Concerto Sentido aproxima dois artistas e gerações por meio da música.

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1498 – João Ormond lança novo álbum e leva ouvinte em viagem poética pelo rio que corre ao contrário e pega carona para chegar ao mar

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Tietê – Rio dos Sonhos é amarrado por lindos versos e poesias em forma de canção com o intuito de emocionar do começo ao fim quem o ouvir

Está disponível desde 14 de janeiro nas plataformas digitais Tietê – Rio dos Sonhos, o mais recente álbum do cantor e compositor João Ormond, mato-grossense de Arenápolis residente em Jundiaí, no Interior paulista. Composto por dez canções inéditas, com parcerias novas e de longa data do autor tais como Paulo Simões, Divino Arbués, Pescuma Morais, Chico Lobo, Clemente Manoel, Zé Geraldo, Amauri Falabella e Milton Bezerra, Tietê: Rio dos Sonhos é amarrado por lindos versos e poesias em forma de canção com o intuito de emocionar do começo ao fim quem o ouvir. O disco, comentou ainda Ormond, deriva da gravação de um audiovisual inédito, com o mesmo nome, produzido com apoio do ProAc do governo do estado de São Paulo

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1434 – Álbum de João Ormond e Divino Abrués destaca ritmos, temas, saberes e falas do povo mato-grossense

Cantos do Mato, lançado apenas nas plataformas digitais, tem dez faixas que suprem a carência de conteúdo de conhecimentos culturais que domina atualmente a maioria das músicas comerciais que inundam as mídias

Está disponível nas plataformas digitais Cantos do Mato, álbum lançado em junho que traz 10 músicas compostas em parceria pelos cantores João Ormond e Divino Arbués, além de contar com participações da cantora Ana Rafaela. Cantos do Mato,  dentre outras virtudes,  registra a junção da musicalidade e da criatividade desses consistentes protagonistas da música feita em Mato Grosso. O fato de suas composições terem se consolidado e angariado público ao longo dos últimos 15 anos já fala por si só, pela qualidade e autenticidade de cada autor, que, além de oferecerem pesquisas de ritmos e temas, entregam conteúdo da história, dos saberes e falares do povo de cada uma de suas regiões sem, entretanto, abrirem mão da música romântica e dos ritmos como o xote e o pagode. Ambas as obras vêm suprir a carência de conteúdo de conhecimentos culturais da música comercial que domina atualmente a maioria das mídias.

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1343- Marcos Assunção (MS) lança método para violeiros aprendizes e anuncia terceiro disco instrumental

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Livro que ganhará três volumes resulta de pesquisa que leva o estudante ao encontro de uma linguagem híbrida e contemporânea durante curso para dominar o instrumento

O guitarrista, violonista, violeiro e compositor Marcos Assunção publicou recentemente o método Viola Brasileira Volume I, um trabalho de pesquisa musical que leva o aprendiz e estudantes ao encontro de uma linguagem híbrida e contemporânea e que o autor envia pelos Correios aos interessados. A iniciação à leitura de partituras que ele oferece neste trabalho busca aproximar ainda mais a viola caipira à sistematização metodológica desenvolvida para outros instrumentos, dando ao estudante a oportunidade de dialogar com outros gêneros da música popular brasileira e de concerto.

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1339-Chico Teixeira lança álbum gravado ao vivo na turnê de Ciranda de Destinos

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Disco produzido pela Kuarup ganha edição exclusiva nas plataformas digitais, extraída de registros de espetáculo do mais recente trabalho do cantor filho de Renato Teixeira 

O cantor, compositor, violonista e pesquisador de cultura popular Chico Teixeira está lançando versão ao vivo do álbum Ciranda de Destinos, o sexto e mais recente da carreira, trabalho da gravadora e produtora Kuarup de 2019 e que atingiu mais de 1 milhão de acessos em aplicativos de música. No projeto atual, que tem distribuição exclusiva em plataformas digitais, Chico Teixeira reúne regravações de clássicos nacionais de diversos sotaques e épocas captadas durante uma apresentação ao vivo, bem como canções de domínio público resgatadas por grupos folclóricos das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Desta forma, ele conta mais uma vez em disco histórias de um povo unido por diferentes costumes e lutas.

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1322 – Coletivo de cantores independentes e do Dandô gravam vídeo em defesa do Pantanal

Música Tuiuiú, de João Bá, ganha coral de crianças para dar mais força ao “grito de alerta” contra a devastação de um dos biomas mais importantes e bonitos do planeta

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“As paisagens belas estão dentro. Nos habitam. E misteriosamente nos dão a luz.” Paulo Nunes

Um grupo de músicos independentes e que fazem parte do projeto Dandô Circuito de Música Dércio Marques, além do poeta e compositor Paulo Nunes, de São Paulo, gravaram um vídeo coletivo, com a participação de várias crianças, para emitir um “grito de alerta” contra os incêndios que estão devastando um dos biomas mais importantes para o equilíbrio da natureza do planeta: o Pantanal. A música escolhida para a cantoria é Tuiuiú, ave símbolo do Pantanal, de João Bá (BA), que fecha o álbum Cavaleiro Macunaíma do saudoso “Bacurau Cantante”, ícone da cultura popular que subiu para o Plano Maior exatamente há um ano, às vésperas do Dia dos Animais, em 4 de outubro. Curta e compartilhe o vídeo clicando no linque ao final desta atualização.

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1315 – Acompanhe o 1° Festival Violas ao Sul sem sair de casa e concorra a prêmios

#FiqueEmCasa #MáscaraSalva

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Iniciativa do grupo Violas ao Sul terá transmissões virtuais de shows e bate-papos durante três dias com expoentes da atual safra de violeiros gaúchos. O objetivo é ressaltar as possibilidades do instrumento e sua influência na formação cultural de partes variadas do Brasil e do mundo

Os compositores e integrantes do grupo Violas ao Sul Angelo Primon, Mário Tressoldi, Oly Júnior e Valdir Verona estão à frente do Iº Festival Violas ao Sul que reunirá os principais violeiros do Rio Grande do Sul da atualidade para ressaltar as possibilidades do instrumento e sua influência na formação cultural de partes variadas do Brasil e do mundo. As apresentações serão virtuais em respeito aos protocolos sanitários para evitar o contágio pelo coronavírus (Covid-19), possibilitando acompanhar as transmissões, sem sair de casa, entre a quarta-feira, 29, e a sexta-feira, 31 de julho. Cada sessão oferecerá repertório eclético de canções autorais e clássicas do cancioneiro gaúcho e brasileiro, além da música contemporânea. Além da participação do grupo, os encontros e shows virtuais contarão com os violeiros Álvaro RosaCosta, Carlinhos Weiss, Cris Maya e Léo Dias, Leandro Costa e Sidnei de Oliveira entre os convidados.

Paralelamente à programação, estão programadas conversas relativas à presença da viola na música gaúcha e a trajetória de cada violeiro, também com transmissão pela internet. Os idealizadores mediarão bate-papos com os violeiros convidados, de sexta, 24, a terça-feira, 28, a partir das 19 horas, diretamente na página do Violas ao Sul.

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1287- Ao completar 80 anos e 50 de carreira, Marco Aurélio Vasconcellos (RS) lança Além das cercas de pedra

Disco gravado com Marcello Caminha e Martim César e destaque no programa Sr;Brasil foi apresentado pela primeira vez no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, com a participação d’Os Posteiros

O ano de 2019 foi especial para uma das vozes mais expressivas e admiradas do nativismo gaúcho: o cantor e compositor Marco Aurélio Vasconcellos, natural de Santa Maria, cidade situada a cerca de 300 quilômetros de Porto Alegre, a capital do estado do Rio Grande do Sul. Em novembro, ao completar 80 primaveras, Vasconcellos ainda comemorava o sucesso que vem fazendo, de lá para cá, o valioso presente que deu ao seu público em 2 de julho, quando, em noite de gala promovida no icônico Theatro São Pedro, ele lançou ao lado dos seus parceiros Marcello Caminha e Martim César Além das cercas de pedra. Com 14 faixas, das quais apenas a que fecha o trabalho (Torquato Flores, Senhores) é instrumental, Além das cercas de pedra marca, também, 50 anos de carreira do fundador do grupo regional Os Posteiros e foi atração especial do programa Sr. Brasil em 29 de dezembro, quando o apresentador, Rolando Boldrin, recebeu o trio, acompanhado pelo violonista Fábio Costa.

O disco, sétimo da trajetória premiada de Marco Aurélio Vasconcellos, está sendo distribuído pela Tratore, pode ser apreciado nas principais plataformas digitais e com ele abrimos neste 14 de março as audições matinais que promovemos aos sábados aqui na redação do Barulho d’água Música, na cidade de São Roque, Interior paulista. O exemplar que ouvimos nos foi gentilmente enviado de Porto Alegre, onde hoje reside Marco Aurélio, que nos dedicou as seguintes palavras e ao qual somos gratos, estendendo os agradecimentos aos parceiros Martim César e Marcello Caminha:

“Prezado Marcelino: Ai estão canções do nativismo gaúcho, com expressivo conteúdo literário, melodias adequadas, arranjos ao mesmo tempo econômicos e magistrais e um encarte de primeira linha. Tenha boas audições, Grande abraço.”

Veículos de comunicação gaúchos o receberam com gratos elogios, como a versão eletrônica do Jornal do Comércio, que embora dedicado à economia e aos negócios no Rio Grande do Sul, destacou em sua versão eletrônica que Além das cercas de pedra é “dedicado ao povo humilde trabalhador do campo”, conforme observou a autora da matéria, Caroline da Silva.

A articulista ainda lembrou que antes da nova obra Vasconcellos, César e Caminha já haviam encantado amigos e seguidores com Doze cantos ibéricos & Uma canção brasileira (2017).  E no Theatro São Pedro também subiram ao palco os músicos da atual formação de Os Posteiros, o que possibilitou à plateia a oportunidade de ouvir novamente Marco Aurélio cantar melodias que marcaram a história da música nativista — algumas clássicas em parceria com o escritor Luiz Coronel e que brilharam em diferentes edições do festival Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, como Gaudêncio Sete LuasAscensão e Queda de um Ginete, Cordas de Espinho e Guitarreio para um Guitarrista.

Marco Aurélio, durante a conversa com Boldrin e em entrevista que gentilmente concedeu ao Barulho d’água Música contou que seu jubileu de ouro remonta ao começo da década dos anos 1970. Antes, entretanto, ainda jovem, quando estava na casa dos 17 anos, frequentava uma república de estudantes na qual havia uma sacada e donde gostava de cantar canções mexicanas. Em uma destas ocasiões, da rua o acompanhou o radialista Sady Nunes, que por ali transitava e, ao final da canção, convidou-o para um teste na Rádio Difusora.

“Fui louco de medo, desandei em todos os sentidos e não passei no teste”, recordou-se o então candidato. “Só vim a deslanchar quando me integrei ao nativismo, em 1972, na edição daquele ano do festival Califórnia da Canção Nativa³. Estreei com uma canção letrada pelo Coronel e tirei o segundo lugar.”

Sucessivamente, a cada nova edição do Califórnia e demais festivais (“no Rio Grande tem mais festivais que finais de semana”, brinca), alternando sempre as primeiras colocações, Vasconcellos foi abrindo e trilhando sua estrada nativista — não sem antes, inclusive, flertar até com a Bossa Nova. Hoje, além de expoente deste gênero cujos temas interpreta sempre com muita entrega e emoção, em letras ricas do típico linguajar gaúcho e pilchado com lenço colorado, tornou-se célebre, também, por incluir em suas apresentações e gravações músicas com pegada MPB e canções castelhanas, inserindo-se assim na cultura geral brasileira ao mesmo tempo em que faz valer as influências da cultura fronteiriça que se mistura à gaúcha, vindas da Argentina e do Uruguai. “O meu repertório sempre tem músicas destes dois países, e não apenas as consideradas campeiras, pois elas têm identificação muito grande conosco e não só pela lida no campo, mas também pela indumentária, entre outros costumes”.

Marco Aurélio, ao centro, entre Fábio Costa, Marcello Caminha (de boina vermelha), Martim César e o Senhor Brasil Rolando Boldrin (Foto: Daniel Kersys)

(Como integrante d’Os Posteiros , grupo que ajudou a fundar em 1977, acompanhou até 1986 e com o qual depois do reencontro no São Pedro voltou a subir ao palcos e já excursiona pelo Interior gaúcho, algumas músicas que ele interpretou — como Gaudêncio Sete Luas e Cordas de Espinho — conseguiram romper a barreira geográfica e cultural dos pampas e, chegando por exemplo ao Norte, foram gravadas pela novata Fafá de Belém em Tamba-Tajá, de 1976, e Água, de 1977; Tamba-Tajá contém, ainda, Haragana, de Quico Castro Neves, gravada pelos Almôndegas¹ . Apesar desta projeção, Marco Aurélio ainda considera ser difícil a música nativista ultrapassar aquelas fronteiras, chegando com alguma força e expressão, por exemplo, ao Mato Grosso do Sul, ao Paraná, ao São Paulo e ao Rio de Janeiro, embora, lamenta-se, “ao Nordeste não vá de jeito nenhum”. O quarteto Os Posteiros reunia em sua formação original Marco Aurélio, Doly Carlos da Costa, Celso Campos e Guilherme Loureiro de Souza. Francisco “Chico” Koller entrou posteriormente, com a saída de Gulherme.)

Além das cercas de pedra é o quinto disco que une Vasconcellos e César (natural de Jaguarão), e o quarto que conta com os arranjos e o terceiro com a  produção do violonista Caminha, filho de Bagé. Suas 14 faixas reúnem retratos das pessoas do campo e não das estâncias em si, revelando histórias — algumas inspiradas em fatos reais –, paisagens, homens e mulheres que ali viveram e que ainda parecem estar vivos, olhando para o tempo atual desde os retratos amarelados de velhos álbuns, desde os quadros dependurados nas paredes da infância. As poesias falam do avô carreteiro de Martim, da avó fiandeira, do peão de estância, do caseiro, do posteiro² de algum campo de fundo, dos tropeiros, do capataz, de um bolicheiro (dono de bolicho, bar à beira de estrada).

O disco, logo, apresenta em músicas a herança e os costumes sendo preservados para mostrar aos que virão as origens gaúchas. “A intenção é não deixar que se apaguem das mentes do mundo atual os rastros de identidade que deixaram em nosso sangue e em nosso olhar aqueles que nos antecederam, passando de geração para geração, até chegar a quem somos hoje, os que recebem a responsabilidade de não deixar que se perca o legado de seus valores e de seus saberes”, declarou Martim César.

Martim César, ao falar sobre Além das cercas de pedra, frisou que como boa parte da sua infância e adolescência viveu na Campanha, a ideia era retratar a figura do “gaúcho a pé” em suas composições. Para tanto, selecionou trechos de grandes autores gaúchos sobre o tema (como Cyro Martins, Alcides Maya, João Simões Lopes Neto, Érico Veríssimo, Darcy Azambuja) para completar o encarte do álbum. A fotografia, que ilustra a parte externa do disco, foi produzida em uma fazenda na fronteira entre os municípios gaúchos de Herval do Sul e Jaguarão. “É a Estância São Pedro – mesmo nome do teatro – que tem as ruínas mais bem preservadas de toda a região. Como no CD anterior, Doze cantos ibéricos & Uma canção brasileira, fomos a Portugal e Espanha para termos as imagens para o álbum; aqui houve todo um trabalho na zona rural do Norte do Uruguai e Sul do Estado. Fomos a lugares bem interessantes, como próximo a Melo, no país vizinho, e essas imagens estão no interior do encarte”, detalhou o compositor, que esclarece: essas estâncias, todas no entorno de onde cresceu, serviram de inspiração para escrever.

“Martim César, como letrista, é um fenômeno”, definiu Vasconcellos, recordando que o conheceu em um encontro em Pelotas (RS), há 15 anos, onde recebeu dele três álbuns que os ouviu viajando até Porto Alegre. “Fiquei encantado com o trabalho dele com Paulo Timm e Alesandro Gonçalves, seu irmão. No caso específico do Martim, é difícil encontrar um letrista com tanta categoria, porque as letras dele têm início, meio e fim, conteúdo e, na maior parte das vezes, há mensagem também. Aí eu fiquei louco, comecei a musicar e já temos perto de 100 canções juntos.”

Autor de seis livros de poesia e contos, Martim César deverá lançar em breve Náufragos urbanos-Relógios de areia, com financiamento do fundo cultural de Pelotas. Recentemente, publicou a coletânea de contos Sangradouro. O primeiro volume da trilogia, em poema épico, Cimarrones-Três séculos gaúchos, já está finalizado e também deverá chegar ao público no primeiro semestre do ano que vem. Em Além da cerca de pedra, Cesar recita os versos da faixa 7, Canto de adeus aos velhos gaúchos, que também declamou no Sr. Brasil, ao lado de O Compromisso do Cantor. “Na gravação do CD, contamos com a grande participação do maravilhoso Glênio Fagundes neste tema que recupera um tipo de gaúcho que não existe mais, porque por aqui agora só há plantações de soja”, completou o jaguarense.

Marcello Caminha, o arranjador, que Vasconcellos cultua como “um dos monstros sagrados do nativismo” e do qual “não me separo”, é músico e professor e participa do Movimento Nativista desde 1985. De lá para cá já obteve prêmios como instrumentista e compositor em vários festivais de música; em 1998 gravou o primeiro disco, Estrada do Sonho. A partir deste, já conta com o total de 14 gravados, entre eles Sucessos de Ouro, primeira coletânea de músicas de violão lançada no Rio Grande do Sul, e Influência, vencedor do Prêmio Açorianos de Música 2008, em três categorias.

Caminha já tocou em quase todo o país e em casas da Argentina, Uruguai, Portugal, Alemanha e Inglaterra. Em sua obra constam, ainda, o DVD Vídeo Aula Violão Gaúcho, primeiro curso de violão em DVD lançado no Rio Grande do Sul, o livro 14 Estudos para Violão Gaúcho e o DVD Influência ao vivo, primeiro DVD de violão da Música Nativista. Em 2016, lançou Com violão também se Dança, vencedor do Prêmio Açorianos de Música. Atualmente, dedica-se a shows e workshops e dirige a Academia do Violão Gaúcho, empresa especializada em cursos de violão online..


¹Almôndegas foi uma das bandas pioneiras em criar uma linguagem particular para a música popular gaúcha. Oriundos da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, os membros misturavam velhas canções do folclore gaúcho, mpb e rock. Eles eram os irmãos Kleiton e Kledir, Quico Castro Neves Gilnei Silveira, Pery Souza, João Baptista e Zé Flávio

² Posteiro: substantivo masculino que significa empregado que reside junto ao limite de uma fazenda e é responsável pelas cercas, cuidando para que não haja invasão dos campos por gado alheio.

³O festival Califórnia da Canção Nativa é um evento artístico musical que ocorre no Rio Grande do Sul desde 1971, considerado patrimônio cultural do Estado e modelo de divulgação da música regional gaúcha. Durante o ano são promovidas provas eliminatórias em diversas cidades gaúchas, e por fim, após a triagem de mais de 500 músicas, as finais movimentam a cidade de Uruguaiana, na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, onde, conforme o grau de vitórias, é concebido o prêmio máximo: a Calhandra de Ouro. Em plenos anos de chumbo, passou a reunir as mais diversas variações musicais nativas do Rio Grande do Sul, organizada pelo Centro de Tradições Gaúchas Sinuelo do Pago e Prefeitura, ambos de Uruguaiana. A primeira edição não teve tanta repercussão, porém as seguintes tiveram até mais de 60 mil pessoas e atualmente é o maior evento cultural regional do Brasil.

Conforme Cícero Galeno Lopes, em artigo publicado no livro RS índio: cartografia sobre a produção do conhecimentoLeopoldo Rassier conseguiu pela censura prévia e cantar a música Tema de marcação, (poema de Luiz Coronel musicado por Marco Aurélio Vasconcellos), no festival de 1975, por meio de uma ambiguidade entre dois personagens históricos: o lunar de Sepé Tiaraju e a estrela de Che Guevara, já que ambos lutaram por liberdade, tinham “uma estrela na testa” e foram “pra baixo desse chão”

Também participam de Além das cercas de pedra, gravado com supervisão técnica de Erlon Péricles no estúdio Guaiaca Records de março de 2016 a agosto de 2017 Clarissa Ferreira (violino), Marcello Caminha Filho (contrabaixo, percussão, piano), Glènio Faundes (recitado na faixa 7). As fotografias do riquíssimo encarte são de Elis Vasconcelos; a foto da capa mostra a Estância São Pedro (divisa Jaguarão-Herval do Sul), em projeto gráfico e direção de arte de Valder Valeirão (nativu design)  

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