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Artista atuante com sorriso de gata, de interior doce sob a pele de bárbara, que jamais se rendeu ao bem bom do mainstream e por quem, agora, o céu está em festa. Fora dos palcos ou longe dos holofotes, Gal encarnou de mais legal as manhas de jamais falar pelas costas. Ao contrário: foi de peito aberto que mostrou a cara e, intrépida como uma Alice, ousou não apenas cantar as maravilhas do país, mas, quando precisou, vestiu nossa camisa, soube escancarar dentes, caras e bocas e denunciar as mazelas de uma sociedade que, de maneira estratosférica, escandalosa e estruturada, despreza o plural, desrespeita e explora minorias. Gente que jamais chegará a brilhar, pois já vem marcada antes de nascer. E esta sina, pelo jeito, perdurará e ainda será seletiva, fatal, em pleno século XXX.
Mais do que uma baby, honey, por que não ser a profana que não se curva às forças estranhas? Sim, Gerald Thomas, ela tinha a voz de Deus! Mas, se não fosse para cantar como o diabo gosta e provocar demônios: para os que sentem na pele o medo do futuro, de que serviria o manancial de esperança e credos que formavam as águas do seu canto, fosse bossa nova ou tropical, frevo ou axé, brega ou romântico, xote ou xaxado, ateu ou candomblé? Vamos combinar? Mais vale ser a ponta de uma agulha do que o enganoso calor de uma fagulha na hora de por os pingos nos is e doar-se, inteira, à arte de tentar ressuscitar tantos corações já destroçados por mesquinharias, oferecer mais do que simplesmente pão, poesia, a irmãos que têm de se sacrificar por uma casa, um buraco, vidas a fio, inteiras e inumeráveis, lutando contra as misérias do cotidiano, mas que também querem liberdade, diversão. E não só pela metade, em qualquer parte!
Ah, Gal de tantos amores, que acalantou nossas fantasias! Ah, Índia, negra, nordestina, sangue tupi, raça, que sempre esteve de corpo e alma mais do que um passo à frente do nosso tempo! Sem jamais ter sido careta, sem necessidade de ser a correta, ainda que sob a forte concorrência de Helôs, Naras, Ângelas, Marias, Bethânias, Cidas, Elis, Dalvas, Simones, Beths, Leilas, Marisas, Ritas, Kátyas, Consuelos, Liras, Inezitas, Jucilenes, Sarahs, Alcinas, Vânias, Patrícias, Ruths, Chiquinhas, Andreias, Marielles, Beneditas, Mônicas, Marlenes, Conceições, Martas, Mirahs, Cistinas, Zélias, Claras, Mirians, Terezas, Catarinas, Márcias, Madalenas, Mércias, Isabel, fica a pergunta: seria você e não aquela a autêntica namoradinha do Brasil, terra que apesar das belezas que enchem aquarelas, ainda insiste e tende ao salgado, ao cruel?
Obrigado, e descanse em paz, Gal. Mais do que uma garota, mais do que uma cantora e intérprete, foste uma Mulher da porra. E fantástica!
A morte de Gal Costa em 9 de novembro, menos de dois meses depois de completar 77 anos, entristeceu familiares, amigos e fãs, do recém-eleito presidente da República, Lula, à esposa dele, Janja, e ainda hoje repercute Brasil afora em veículos de imprensa, mídias sociais e blogues, especializados ou não em cultura e em música. Maria da Graça Penna Burgos Costa, nascida em Salvador Maria da Graça Costa Penna Burgos, subiu ao Plano Maior coroada como uma das mais emblemáticas cantoras, compositoras e multi-instrumentistas do país, a quem em 2012, a revista Rolling Stone Brasil lhe outorgou a classificação de dona da sétima maior voz da música brasileira, marca inconfundível de sua trajetória eternizada em 44 álbuns, gravados entre 1967 e 2021.