1280 – Silencia no sertão a viola de Manoel de Oliveira, o Mestre Manelim, autor do álbum Urucuia, com Paulo Freire

Menos de uma semana depois de a música brasileira perder o pernambucano menino passarinho Luiz Vieira, que desencarnou aos 91 anos na cidade do Rio de Janeiro na quinta-feira, 16/1, também bateu asas e subiu ao Mundo Maior, na terça-feira, 21, Manoel de Oliveira, o Mestre Manelim, violeiro que nasceu e viveu em Urucuia, uma pequena cidade no Noroeste de Minas Gerais que inspirou Guimarães Rosa, a 600 quilômetros de Belo Horizonte.

Mestre Manelim estava com 86 anos . Em Brasília (DF), durante uma ida à casa da filha no mês de dezembro,  ele recebeu recebeu visita do também violeiro Paulo Freire, seu mais notório discípulo, que com ele conviveu longamente e aprendeu vários toques que estão fora dos manuais didáticos dedicados ao ensino do instrumento.

Freire, que também é escritor, pesquisador e contador de causos dos bons, mora em Campinas, no interior de São Paulo e em 2006 ajudou a trazer à luz o único álbum gravado pelo mestre, Urucuia, contribuindo desta maneira para não deixar relegado apenas ao seu pequeno e encantador universo um baluarte da cultura popular — assim como mais recentemente o fizeram o poeta e compositor mineiro Paulo César Nunes e os músicos Danilo Gonzaga Moura e Victor Mendes, do Trio José, de São José dos Campos (SP), que nos revelaram e nos apresentaram à extensa e plural obra  do sêo Juca da Angélica, poeta da oralidade que atravessava seus últimos dias em Lagoa Formosa (MG) e que o Brasil ignorava até então, mas que pelo esforço deles ganhou um mínimo de notoriedade e carinho antes de subir para o Plano Celestial, aos 97 anos; vale lembrar, ainda, que a pantaneira Dama da Viola, Helena Meirelles, só “explodiu” cá em Pindorama  após ser “descoberta” pela edição norte-americana da Revista Guitar Player, já octogenária, no final da década dos 80.  

Sobre a vida, a partida e a obra de Manoel de Oliveira, portanto, não há ninguém melhor do que  Paulo Freire para nos contar — embora fosse admirado, ainda, basta ver os comentários à mensagem de Paulinho, por muitos craques dos gêneros caipira e regional, como Roberto Corrêa. É de Freire o pungente, emocionado depoimento que abaixo reproduzimos e compartilharemos, publicado também pela Revista Fórum, e cujas palavras explicitam o tamanho da importância de preservarmos a qualquer custo a memória de nossos artistas — notadamente aqueles que estão fora do mainstream, quando se faz apologia aos pilares do nazifascismo como modelo de cultura a ser seguido — que nos legam obras essencialmente brasileiras, que preservam e difundem nossos mais caros e imprescindíveis valores fundantes.

Na sequência do depoimento de Freire nesta atualização, o amigo e seguidor lerá texto de apresentação do álbum Urucuia que acompanha no sítio Em Canto Sagrado da Terra os arquivos, em formato Mp3, das 16 faixas do disco.

Hoje, 21 de janeiro de 2020, faleceu seu Manoel de Oliveira, mestre Manelim. Meu mestre. Não vou falar “encantou-se”, como diria o Rosa, pois não consigo ver poesia em sua partida. Mesmo sendo o Rosa quem me fez conhecer o seu Manoel e o grande sertão. Uma palavra melhor, ou mais adequada, seria: devastação.
Mestre Manelim me ensinou a enxergar a viola na natureza. Foi um exemplo de pai. Um outro pai. Sou irmão de seus filhos, e filho também de dona Vicentina. A lembrança do café na beira do cerrado, amanhecendo, no frio do sertão, em volta da fogueira, com o mundo despertando, até ouvir o chamado do mestre para todos irmos trabalhar na roça. No final do dia, no terreiro tão bem cuidado de dona Vicentina, pontear a viola e grudar a atenção no que estava acontecendo. Para onde vai tudo isso? Como permanece dentro de mim e deles, sem o seu Manoel?
Acredito cada vez mais que não existe céu e inferno, quer dizer, não existe só isso. Tem muito mais assunto. A alma é um assunto. E existem vários caminhos para se trilhar. Dentro desse nosso couro que vai enrugando, e fora desse couro. Os toques de viola que ele me ensinou, como o sapo e o veado, o papagaio, lagartixa, mostravam como poderíamos ser estes bichos, como entrar no sentido deles e, assim, esticar nossas vidas. Tenho certeza que estes últimos dias, mesmo bem longe dele, o seu Manoel esteve aqui ao lado. E dentro. Senti fundo um chamado, como o dia que ele foi me buscar na roça adivinhando uma tristeza que baixou em mim. Como o seu Manoel percebia isso? Me senti ao seu lado, no silêncio que ele carregava, e o peito apertando…
Não conseguirei ir à despedida do seu Manoel, amanhã, no Urucuia. O seu Manoel sabe por quê. Meus irmãos urucuianos e dona Vicentina também. Já que não consigo, vou de outro jeito. Desligar do que não tô precisado e deixar ele me guiar para algum outro lugar em comum. Em dezembro estive com ele, dona Vicentina, e minhas irmãs Joaninha e Valdinea, em sua casa, em Brasília. Seu Manoel estava se recuperando de uma pneumonia, mas bem fraquinho. Pediu que eu tocasse o “rio abaixo”. Peguei a viola e toquei. Experimentei passar a viola pra ele. Mesmo sem forças, o Manelim mostrou que não estava certo o meu ponteado. Tentei de novo, pelejando com o detalhe. E ele enfim disse: “um dia você aprende”. Com seu jeito doce e sentimento firme. Como que dizendo: continua, não para, não esmorece, olha eu aqui! O Cacai Nunes tava bem do ladinho e viu tudo.

Santíssima trindade: O mestre Manelim (sentado), o instrumento que os unia e o discípulo violeiro Paulo Freire

Desde cedo eu senti que hoje era um dia no lugar errado. A respiração não sai nem entra direito. Olhava para o telefone a todo momento, já que estou desacostumado do caminho das almas. Até que veio a notícia. Saí para andar. Procurei um canto que pudesse entender o acontecido, ou buscar forças para enfrentar a devastação. Fui num lugar que nunca tinha ido e uma árvore me buscou. Uma paineira. Fiquei calado o dia inteiro. Só uma conversinha de trabalho. E as trocas de afetos com meus irmãos, filhos do Manelim. Sei que tem um bocado de amigo passeando por aqui, então vim esvaziar o peito.
Vão ouvindo, seu Manoel tá quieto aqui na rede, fazendo um pinicado na viola, uma besteirinha, como ele dizia, diamante puro, água fresca de vereda, capaz de ultrapassar qualquer explicação de amor e saudade.

Urucuia é a terra natal de Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. A cidadezinha de 11 mil habitantes fica no noroeste de Minas Gerais, na margem do rio homônimo, um dos afluentes do Rio São Francisco. Reza a lenda que o escritor Guimarães Rosa nunca esteve por lá, mas foi de pessoas de lá que ouviu, na venda do pai, diversas histórias da região que povoam sua fantástica literatura, cujo cinquentenário está sendo comemorado neste ano [2006, quando o álbum foi lançado].

É de lá também Manoel de Oliveira, o “Manelim”, um violeiro que dedilha pelo menos dois séculos de tradição foliã. É música que certamente Guimarães Rosa ouviu e que está registrada em disco pela primeira vez com ajuda do violeiro Paulo Freire. O disco Urucuia traz Mestre Manelim tocando e cantando 16 músicas, entre 11 criações próprias e cinco de domínio público que estão aquém do sertão de Minas. Atinge outros sertões como Caninha Verde, que toma diferentes feições por diversas regiões do País.

Criação própria e domínio público formam algo que se confunde na obra de Manelim, como na obra dos músicos anônimo do sertão, diz Paulo Freire, violonista já conhecido que foi aluno de Mestre Manelim. “Sempre quis gravar a música dele, mas como ele quase não sai de lá, aproveitei uma das raras visitas dele a São Paulo para trancá-lo num estúdio”, brinca Freire, que produziu o álbum convidando Adriano Busko (percussão), Zé Esmerindo (violão e voz) e Thomas Roher (rabeca) para o ornamento instrumental das músicas. Instigado pela leitura de Guimarães Rosa, Paulo Freire se embrenhou no sertão mineiro no final dos anos 70, quando descobriu e tornou-se seguidor do ponteio de Mestre Manelim, para ele, o mais importante violeiro da região.

Agricultor e marceneiro, Manoel de Oliveira aprendeu a pontear a viola com Onora Martins Alves, mulher que o criou. Onora era a fazendeira do lugar para quem os pais de Manelim trabalhavam e confiaram a criação do filho. O mestre tem 76 anos, por certo não conheceu Guimarães Rosa, mas já ouviu muitas histórias sobre o escritor famoso, conta Paulo Freire.

A música de Manelim é simples, ingênua até, de ponteado calcado nas folias de reis com temas que denotam a ancestralidade oral da cultura popular de sua terra (e brasileira, por extensão). Não há nem mesmo a influência de variações dadas ao gênero pelo pagode de Tião Carreiro ou a sofisticação de arpejos de Renato Andrade, por exemplo, o que aumenta o interesse histórico do álbum. De voz frágil, Manelim canta em apenas quatro faixas, concentrando-se no toque do instrumento que revela esmero igual ao dos artesãos urucuianos com o manejo da palmeira de buriti. Os temas versam sobre a natureza, o jeito de ser do sertanejo e as crendices que cercam a viola, como o pacto com o capeta. Aproveitando essa riqueza oral na obra do mestre, Paulo Freire aproveitou para registrar duas “conversas” no estúdio com Mestre Manelim. Numa delas, ele relata o causo d´A Corrida do Sapo e o Veado e noutra comenta o tal pacto em Laço do Capeta.

Várias músicas feitas no Brasil com incidência no imaginário criado por Guimarães Rosa são sugeridas sempre que se fala em Grande Sertão: Veredas. As mais frequentes são de medalhões da MPB, como Gilberto Gil (que fez Casinha Feliz no disco Dia Dorim Noite Neon, de 1985), Caetano Veloso (que fez com Milton Nascimento a canção A Terceira Margem do Rio, do disco Circuladô, 1991) e Chico Buarque de Assentamento, tema mais MST do que roseano, do álbum As Cidades (1998). Em que pese a beleza inegável destas composições, nenhuma delas, no entanto, são tão próximas e muito menos concernentes ao universo do escritor mineiro quanto este e outros violeiros brasileiros. Se Guimarães Rosa tiver que ter uma trilha sonora, esta deveria passar necessariamente por criadores como Mestre Manelim.

Para acessar o linque que dá acesso à cópia do disco Urucuia no site Em Canto Sagrado da Terra clique na palavra em destaque.

 

1257 – Violeiro e compositor Levi Ramiro (SP) está entre os vencedores do 5º PPM

Troféus para 67 artistas, profissionais, produtores culturais e representantes de empresas ou projetos do segmento foram entregues em Brasília (DF), em cerimônia promovida no Clube do Choro

O cantor, compositor, violeiro e luthier paulista Levi Ramiro é um dos contemplados com o Troféu Parada da Música, entregue em Brasília (DF) na noite de domingo, 3 de novembro, aos vencedores de 67 categorias do 5º Prêmio Profissionais da Música (PPM). Ramiro se tornou o campeão da categoria Violas e Violeiros da modalidade Criação, em cuja final concorreu com nomes respeitados no universo da viola caipira, entre os quais o mineiro Chico Lobo, vencedor nas edições de 2015, 2016 e 2017 e finalista também em 2018, Pedro Vaz (DF), Victor Batista (GO), Mazin Silva (SC), João Triska e André Siqueira, ambos do Paraná, mais a famosa dupla brasiliense Zé Mulato e Cassiano. A cerimônia de entrega dos troféus transcorreu no Clube do Choro, uma das mais conceituadas casas de espetáculos do Planalto Central.

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1236 – Mônica Salmaso apresenta “Caipira”, álbum de 2017, em duas sessões no MASP (SP)

No palco a cantora estará acompanhada pelos músicos Neymar Dias (viola caipira), Lulinha Alencar (acordeon), Teco Cardoso (flautas), Luca Raele (clarinete) e Ari Colares (percussão)

Em mais duas apresentações da turnê Caipira, seu mais recente álbum, a  cantora Mônica Salmaso cantará na cidade de São Paulo, nos dias 28 e 29 de setembro, às 21 horas e às 19 horas, respectivamente. O palco de ambas as cantorias será o mesmo: o auditório do Museu de Artes de São Paulo (MASP), onde ela passará pelo belo repertório que contempla a mágica sonoridade da raiz caipira brasileira e que tem origem numa pesquisa realizada pelo violeiro Paulo Freire, por encomenda da própria Mônica, há mais de 10 anos.

A história de Caipira, produzido por Teco Cardoso com arranjos conjuntos da cantora com Neymar Dias (viola caipira e baixo acústico), Nailor Proveta (clarinete e sax tenor) e Toninho Ferragutti, vai além da pesquisa e registra um momento ímpar na carreira de Mônica Salmaso. Ela mergulhou nessa estética musical e canta não necessariamente músicas antigas e releituras, mas um trabalho guiado pela interpretação singular e precisa — um trabalho caipira com originalidade e assinatura. “Esse é o ‘meu disco caipira’, com todo o respeito que eu tenho pelo Brasil mais profundo e pelas nossas qualidades criativas que beiram o infinito”, disse Mônica. “Neste momento é mais urgente do que nunca respeitarmos o que somos e cuidarmos da gente”, emendou sobre  o álbum lançado em 2017, com show no Sesc Vila Mariana.

No palco do MASP estará acompanhada por Neymar Dias, Lulinha Alencar (acordeon), Teco Cardoso (flautas), Luca Raele (clarinete) e Ari Colares (percussão). Silvestre Júnior assinará a iluminação, Carlos Rocha será o responsável pela engenharia de som e Carla Assis pela produção executiva.

Caipira já passou por capitais como Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS). Antes do retorno a São Paulo, a turnê girou por Recife (PE),Salvador (BA)e Belém (PA), viabilizada pela Lei de Incentivo a Cultura, com patrocínio de um grande banco privado.

 

Mônica Salmaso iniciou a carreira na peça O Concílio do Amor, em 1989. Em 1995, gravou o disco Afro-Sambas, um duo de voz e violão com o instrumentista Paulo Bellinati, incluindo todos os afro-sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes. Em 1997, foi indicada ao Prêmio Sharp como revelação na categoria MPB. Lançou Trampolim, em 1998, e Voadeira, um ano depois, com o qual ganhou o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).

O quarto álbum de Mônica, Iaiá, nasceu em 2004, seguido por Noites de Gala, Samba na Rua, de 2007, com músicas de Chico Buarque. Nesse ínterim, foi convidada como solista de várias orquestras, como a Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), OSB, Jazz Sinfônica de São Paulo e Orquestra Jovem Tom Jobim, entre outras, tendo inclusive participado de um disco da Osesp, com regência de John Neschling, em 2006.

Alma Lírica Brasileira, com Teco Cardoso e Nelson Ayres, lançado  em 2011, recebeu o 23º Prêmio da Música Brasileira, na categoria Melhor Cantora. Corpo de Baile  (2014), com músicas de Guinga e Paulo César Pinheiro, recebeu quatro indicações ao Prêmio da Música Brasileira, das quais venceu duas – Melhor Cantora de MPB e Melhor Canção. Em 2017, lançou Caipira, que tem recebido elogios da crítica especializada, sendo premiado como Melhor Álbum e Melhor Cantora na Categoria Regional pelo 29º Prêmio da Música Brasileira. Em dezembro de 2018, saiu o DVD Corpo de Baile, pelo Selo SESC, com direção de Walter Carvalho e produção musical de Teco Cardoso.

Os projetos recentes da cantora Mônica Salmaso inclui uma turnê pelo Japão com Guinga e a turnê nacional de Caipira.

As canções gravadas em Caipira: A Velha (D.P., adaptada por Nivaldo Maciel), Alvoradinha (D.P.), Feriado na Roça (Cartola), Açude Verde (Sérgio Santos e Paulo C. Pinheiro), Minha Vida (Carreirinho e Vieira), Água da Minha Sede (Roque Ferreira e Dudu Nobre), Baile Perfumado (Roque Ferreira), Bom Dia (Nana Caymmi e Gilberto Gil), Caipira (Breno Ruiz e Paulo C. Pinheiro), Leilão (Heckel Tavares e Joracy Camargo), Primeira Estrela de Prata (Rafael e Rita Altério), Saracura Três Potes (Cândido Canela e Téo Azevedo) e Sonora Garoa (Passoca).

O violeiro Paulo Freire (Foto: Marcelino Lima/Acervo Barulho d’água Música)

Cada enxadada uma minhoca

Paulo Freire, violeiro 

Caipira, quem é caipira? Muitos se perguntam se o caipira mudou, ou mesmo sumiu, dando lugar a uma nova gente que vive nos interiores. Na verdade, o caipira está cada vez mais presente, sem que muitos se deem conta. 

Vai ouvindo…

Com o movimento de migração para os grandes centros, desde o século passado, o povo da roça veio ocupar as cidades. Buscar oportunidade de trabalho e estudo, deixando a terra de lado. Mas até onde isso é bom? Para que morar tudo socado, um em cima do outro? Que vantagem pode trazer o trabalho na cidade grande, que dá um dinheiro insuficiente para tentar consumir o que muitas vezes nem se precisa? E tem mais… muito mais! 

siora e o siô podem reparar o tanto de gente que hoje em dia sonha em ter sua casinha no campo para passar os finais de semana, ou morar quando a idade apertar. É que existe um “movimento da volta”: a necessidade de largar o pé no riacho, de perceber a real dimensão do tempo, além da importância do sol e da chuva, de conhecer a terra, o nosso chão. Sabe quando a gente acha que está sem chão, que não dá pé? É isso que estamos sentindo falta. E ainda tem mais, tem mais! 

Os valores do caipira. Ali, onde a palavra empenhada tem mais valor que um contrato assinado com firma reconhecida no cartório da cidade. Onde se faz um mutirão para socorrer um vizinho necessitado. Onde todos se cumprimentam, enquanto na cidade nem o vizinho de apartamento a gente conhece é na roça que as pessoas se juntam para um catita, para o giro da folia de reis, sem esperar recompensa de dinheiro para isso, mas o agradecimento da graça alcançada. De Deus, dos santos, ou da própria natureza, Falar nisso, tem tanta gente que se diz defensor da natureza sem nunca ter apanhado um torra de terra roxa sequer…

Na verdade, estamos sentindo uma falta tremenda de tudo o que significa o caipira. Vou dar um exemplo simples aqui: Inezita Barroso nos deixou no dia 8 de março de 015. Desde o final de 2014, ela não gravava mais o Viola, minha viola. Este programa está no ar desde 1980! É o mais longevo da TV brasileira. Como se isso já não fosse suficiente, repare, o falecimento de nossa rainha já completou quatro anos e o Viola continua no ar com suas reprises! Justamente o programa que trata desse mundo caipira. Inezita é nossa bandeira. Comoo explicar que a viola continue no ar?¹ Tem aí um segredo que vive dentro de urna frase do incrível violeiro Renato Andrade, Ele viveu a época de maior preconceito com a viola e o caipira. E dizia assim: “Viola é que nem mortadela: todo mundo gosta, mas tem vergonha de comer na frente dos outros”. 

Pois bem, essa vergonha virou necessidade, urgência do ser humano abraçar tudo o que significa ser caipira. Matar essa saudade, conhecer nossa terra, viver mais de acordo com a natureza, os valores e inté o sabor que verve numa lata de banha de porco para cozinhar o feijão, no tempo esticado de um fogão de lenha.

E é justamente nessa roça que a querida Mônica Salmaso buscou o seu Caipira. Tanto nas composições de quem é nascido e criado ali, onde canta o sabiá, inté do povo da cidade que tem a sensibilidade de buscar no campo a qualidade de sua poesia. Não se trata de imitar o caipira, de querer ser corno ele, mas de aproveitar o que temos de mais sincero e trabalhar os cantos e desejos de nossa terra. No Caipira não tem desperdício, cada enxadada é uma minhoca Das graúdas! E a Mônica se atira nesse mundo, com toda sua categoria e seriedade. Trabalho. Escutar o disco é sentir o cheiro do jatobá. Vai ouvindo… A siora sabia que “jatobá’ em tupi significa ‘fruto da casca dura”? Pois é ansim que nóis semo: continuamos ali, firmes, espalhados pelo nosso chão, O jatobá é sagrado. Uma das madeiras mais valiosas do mundo — como o Caipira que a Mônica nos apresenta. É aproveitado e admirado, de cheiro adocicado e de casca dura. Hummm, é caipira e jatobá Sim, somos caipiras! E como diz o grande Zé Mulato: “Semo porque semo. E também porque podemo”.

FICHA TÉCNICA 

Mônica Salmaso: voz/Neymar Dias viola caipira/Lulinha Alencar: acordeon e piano/Teco Cardoso: sax e flautas/Luca Raele: clarinete/Ari Colares: percussão/Carlos Rocha-Som Vivo: Som/Silvestre Garcia Júnior: iluminação/Ruth Freihof-Passaredo Design: design/Paulo Rapoport: fotos/Carla Assis: Coordenação de produção 

¹Pouco tempo depois deste texto ser produzido por Paulo Freire e publicado no flyer da turnê nacional de Caipira, a TV Cultura decidiu no começo de agosto acabar com o Viola, Minha Viola, que estava há 39 anos no ar e nos dois mais recentes anos vinha tendo como apresentadora a cantora e violeira Adriana Farias, O Viola Minha Viola não terá novos episódios e como os derradeiros inéditos já foram gravados em 2018, a emissora optou por apenas reprisar os arquivos por tempo indeterminado, mantendo o programa no ar desde 11 de agosto às 7 horas, antes da Missa de Aparecida, com Adriana Farias ainda no comando, mas já fora do elenco da TV, que não renovou o contrato dela.

O Viola, Minha Viola estreou em 25 de maio de 1980, com Moraes Sarmento (1922-1998) e Nonô Basílio (1922-1997). No mesmo ano recebeu Inezita Barroso no palco. Ela cantou A Moda da Mula Preta, contou sua história e agradou ao público. De convidada, passou para o posto de apresentadora até a morte em 2015, apresentando mais de 1.500 edições.

Serviço

Show: Mônica Salmaso em Caipira

Datas:27 e 28 de setembro. Sexta e sábado, às 20h
Ingressos: R$ 60 (inteira), R$ 50,00 (Vale Cultura) e R$ 30,00 (meia)
Bilheteria: Terça a domingo – 10h às 17h30 ou até o início do espetáculo
Ingressos online:  https://masp.org.br/
Meia-entrada: estudantes, idosos, professores e pessoas com deficiência + acompanhantes (apresentar o comprovante de meia-entrada na compra e na porta do espetáculo).
Classificação: Livre. Duração: 1h30.
MASP Auditório
Avenida Paulista, 1578,- Bela Vista, São Paulo
Tel: (11) 3149-5959

 

1127 – Novo álbum de Arthur Noronha (GO) já está disponível em streaming e explora lado oculto da viola caipira

Viola Cancioneira, que sucederá o excelente De tudo de mim , alia as composições do jovem músico e traços de artista plástica goiana com quatro diferentes afinações e violas para realçar o passeio pelo mundo das lendas

O cantor, compositor e violeiro Arthur Noronha, jovem talento da região Centro-Oeste do Brasil que nasceu e reside em Goiânia (GO), com bala na agulha para ter logo menos seu nome consagrado entre os maiorais do país que tocam o instrumento, está prestes a lançar seu novo álbum, Viola Cancioneira, que sucederá o excelente De tudo de mim e já pode ser ouvido em plataformas de streaming. O primeiro disco, tema da atualização 1058 do Barulho d’água Música (1º de maio de 2018), reúne 11 faixas, das quais apenas a que fecha o trabalho, Viola Destoada, não é cantada. Já o novo, com 10, é totalmente instrumental e revela o quanto Arthur Noronha é fera tanto na arte de compor, quanto na do ponteio das cordas.

O músico emprega em Viola Cancioneira quatro violas e recorre a quatro afinações diferentes (Rio Abaixo/Boiadeira/ Cebolão em E/Cebolão em D) com a intenção de ir além de apenas gravar mais um disco. Apoiado nas músicas e em elementos como as imagens do encarte, Arthur e seus amigos músicos trazem à luz (com o perdão do trocadilho!) um projeto artístico com primorosos elementos gráficos, dedicado aos amantes da viola caipira instrumental.  A proposta é explorar o misticismo que há por trás da viola, o lado dela que penetra os terrenos do oculto e do cinematográfico, com reforços do baixo elétrico e acústico de Sardinha, da percussão de Sinho e do violão aço de Túlio César.

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1112 – Bernardo Pellegrini (PR) lança em São Paulo “Outros Planos”, com Alzira E e Edvaldo Santana*

O álbum revela o manancial criativo do cantor e compositor e um cancionista maduro e intenso, que redefine afro-brasilidades, jazz e ritmos latinos, consolidando sua assinatura musical e sua estética autoral

O cantor e compositor Bernardo Pellegrini (PR) será atração nesta sexta-feira, 28, da unidade paulistana Belenzinho do Sesc, onde ocupará o palco a partir das 21 horas para lançamento de Outros Planos, sexto álbum da carreira. Com seu violão, Pellegrini cantará acompanhado pelo Bando do Cão Sem Dono, formado por Edu Batistella (bateria e vocal), Hermano Pellegrini (guitarra e vocal), Filipe Barthem (contrabaixo e trompete), Sofia Pellegrini (sax e vocal) e Emilio Mizão (guitarra e violão). Como convidados para abrilhantar a apresentação, ele receberá Alzira E. e Edvaldo Santana (ver a guia Serviços).

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